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O Brasil é mesmo o país do futebol?

Apesar da expectativa com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, Brasil tem estádios vazios, clubes endividados e Seleção em baixa. Para especialistas, futebol brasileiro tem se afastado cada vez mais do público

12 jun 2013 - 15h25
(atualizado às 15h25)
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Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Estádios cada vez mais vazios, audiência baixa na TV, clubes endividados, Seleção em má fase. Por outro lado, cotas de TV e de patrocínio em alta, jogadores de alto nível mantidos ou repatriados e expectativa em alta com a realização da Copa do Mundo e com a inauguração de novos e modernos estádios.

Este é o retrato do momento atual do esporte mais popular do mundo no chamado "País do Futebol". Mas será que o Brasil é realmente o País do Futebol? A BBC Brasil ouviu especialistas e coletou dados para tentar responder à pergunta e traçar os desafios que o esporte enfrenta para manter o título de "paixão nacional".

Um dos principais problemas do futebol brasileiro é a crônica ausência de público nos estádios, acentuada nos últimos anos. No ano passado, a média de público na Série A do Campeonato Brasileiro, a primeira divisão nacional, foi de 12.983 pagantes por jogo, 13% inferior à do ano anterior.

Chamado no passado de "esporte das multidões", o futebol no Brasil já não consegue atrair o mesmo interesse dos torcedores. Segundo levantamento recente da consultoria Pluri, com dados de 2011, a média de público do brasileirão foi apenas a 13ª do mundo, atrás de campeonatos nacionais de países sem tradição no esporte, como Estados Unidos, Japão e China, e até mesmo dos campeonatos da segunda divisão da Inglaterra e da Alemanha.

Nos campeonatos regionais, a situação é ainda pior. Nas décadas de 1960 e 1970 eram comuns jogos dos campeonatos regionais que reuniam mais de 100 mil pessoas no estádio. Entre os 10 maiores públicos da história do futebol brasileiro, cinco foram registrados em clássicos do campeonato carioca. Mas o público vem caindo a cada ano.

Outro levantamento da Pluri indica que o público médio dos 25 principais campeonatos estaduais do país teve uma queda de 9% neste ano em relação ao ano anterior. O maior e mais rico campeonato estadual, de São Paulo, teve uma média de público de apenas 6.217 pagantes por jogo, levemente inferior à do campeonato mineiro, o de maior público, com 6.451 pagantes em média por jogo.

Dos 25 campeonatos analisados, 11 tiveram média inferior a mil pagantes por jogo - os jogos do campeonato acriano foram vistos, em média, por 245 torcedores por jogo.

Em um ranking dos cem clubes com maior média de público no mundo, compilado pela Pluri, há apenas três equipes brasileiras - em menor número que os quatro clubes da China ou os 10 do México, por exemplo, e muito aquém dos 22 times da Alemanha e 20 da Inglaterra, países que dominam os rankings de público.

O Santa Cruz, de Pernambuco, com média de público de 36.916 em seu estádio, no Recife, é o clube brasileiro mais bem colocado no ranking, na 39ª posição, mesmo disputando a Série C do Campeonato Brasileiro (terceira divisão). Os outros clubes brasileiros no top 100 são Corinthians (65ª posição no ranking, com média de público de 29.424) e Bahia (100º, com média de 22.741).

Os líderes do ranking são o alemão Borussia Dortmund, com média de 80.552 de público e 100% de ocupação do estádio, e o Manchester United, com público médio de 75.387 e 99% de ocupação.

Estádios "catedrais"

"O Brasil não é nem nunca foi o país do futebol", afirma o jornalista esportivo Juca Kfouri. "A Inglaterra pode ser o país do futebol, com a reverência com que tratam o esporte e os jogadores, com estádios que parecem catedrais. Até a Argentina é mais país do futebol do que o Brasil", diz.

Ele comenta que a maioria das pesquisas de opinião pública no Brasil indica que cerca de um quarto dos brasileiros não se interessa por futebol. "No Brasil, o maior contingente é o dos que não se interessam, depois vêm as torcidas do Flamengo e a do Corinthians. Na Argentina, primeiro vem a torcida do Boca Juniors, depois a do River Plate e só depois vêm os sem-time", diz.

Kfouri observa que a média histórica do campeonato brasileiro nunca foi superior a 15 ou 20 mil torcedores e que o público vem caindo por conta de questões como diversificação de opções de entretenimento e o temor de violência nos estádios.

O consultor de gestão esportiva Amir Somoggi também considera que o Brasil está longe de poder ser chamado de país do futebol. "Temos 145 milhões de torcedores, mas quantidade não significa qualidade", observa.

Segundo ele, o futebol é certamente o principal esporte do Brasil, sem rivais na capacidade de atingir um público tão grande quanto os cerca de 80% que dizem se informar de alguma maneira sobre futebol na mídia. Ainda assim, os estádios continuam vazios e as audiências dos jogos, em queda.

Somoggi vê um paradoxo na atual situação do futebol brasileiro - apesar da perda de público, os clubes nunca geraram tanta receita, principalmente com aumento de cotas de patrocínio e de TV. "Não há como indicar causa e efeito, como no caso do futebol europeu", comenta.

Para Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, o futebol brasileiro sofre com os problemas de gestão que afetam o esporte dentro e fora do campo. "O futebol brasileiro está perdendo público, com menos interesse sobre campeonatos e clubes e menos interesse sobre a Seleção Brasileira", observa. "O futebol no Brasil atrai hoje menos público que os rodeios", comenta.

Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Para ele, mais do que pessoas que não gostam de futebol, o Brasil tem um grande contingente de "indiferentes", que apesar de gostar do esporte, não frequenta estádios ou não acompanha o futebol de maneira mais intensa. "Esse é o contingente de consumidores que o futebol está perdendo".

Ferreira elenca uma série de fatores que ajudam a explicar o problema, como excesso de jogos com qualidade ruim, diversificação das oportunidades de entretenimento, concorrência da TV, violência nos estádios, popularização dos campeonatos europeus e, principalmente, o alto preço dos ingressos.

"Cobrar R$ 160 para um jogo entre Santos x Flamengo na primeira rodada do campeonato brasileiro é um escândalo. Estão cobrando o preço do show de uma banda que talvez se apresente a cada cinco anos para um jogo inexpressivo. Isso deixa o torcedor decepcionado", afirma.

Uma comparação feita por ele com o preço médio dos ingressos para o futebol em relação à renda per capita de cada país levou à conclusão de que o Brasil tem os ingressos mais caros do mundo. "Querem transformar o futebol em negócio, mas não querem adequar o produto. Cobram preços de Europa, mas mantêm a bagunça do futebol brasileiro", comenta.

Pedro Daniel, consultor de gestão esportiva da BDO Brazil, concorda com a avaliação do sintoma - estádios vazios -, mas considera que a procura pelo futebol não diminuiu, apenas vem migrando, cada vez mais, para a TV.

Ele cita como argumento o crescimento acentuado nas assinaturas de pacotes de futebol na TV por assinatura, no chamado sistema pay-per-view. Os assinantes já ultrapassam 1 milhão no Estado de São Paulo , mas ainda ficam abaixo de 10% do total de pessoas com acesso à TV fechada.

Um levantamento feito pela empresa de pesquisas esportivas Informídia indica que o espaço ocupado pelo futebol na TV brasileira vem aumentando nos últimos anos, passando de 19.739 horas de transmissão e noticiário em 2007 para 28.901 no ano passado.

No entanto, apenas 1.588 horas de partidas de futebol foram transmitidas na TV aberta. O restante - 12.746 horas - foram transmitidas na TV fechada, com alcance mais reduzido.

Para muitos analistas, essas tendências, além de afastar o torcedor dos estádios, também tendem a elitizar o público do futebol, mesmo diante da TV.

Seleção em má fase

O momento difícil do futebol brasileiro coincide, no campo esportivo, com a Seleção Brasileira em sua pior posição da história no ranking da Fifa - 22º lugar, atrás de seleções de muito menos tradição, como Suíça, Grécia, Gana, Costa do Marfim ou Bósnia.

A posição do Brasil no ranking é influenciada negativamente pela ausência do País nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, já que, como país-sede, tem lugar assegurado. Mas ainda com essa ressalva, o desempenho da equipe vem decepcionando os torcedores.

Desde que o técnico Luiz Felipe Scolari assumiu o time, em novembro, a Seleção fez sete partidas. Perdeu a primeira, contra a Inglaterra, em fevereiro, empatou quatro e venceu apenas duas: contra a Bolívia, em abril, e contra a França, no último domingo, dia 9 de junho. Além dos questionamentos técnicos, os especialistas apontam ainda um afastamento da Seleção em relação aos torcedores brasileiros.

"A Seleção Brasileira ainda gera as maiores audiências do futebol na TV, mas vem perdendo muito da ligação com o público", comenta Amir Somoggi. "Há vários fatores que contribuem para isso, mas é essencialmente um problema de gestão de imagem. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) tem uma péssima imagem, com envolvimento em vários escândalos. A Seleção tem um técnico bronco, que maltrata jornalistas. São erros claros de gestão de imagem", diz.

Para ele, a CBF peca por não ter um plano claro de promoção do esporte. "Vemos com frequência propagandas que tocam no tema da paixão do brasileiro pelo futebol, mas são todas de empresas privadas, de patrocinadores do futebol. Nada da CBF", diz.

Para Pedro Daniel, da BDO Brazil, um dos maiores desafios da CBF neste ano que antecede a Copa do Mundo será justamente recuperar o interesse dos torcedores na Seleção. "Até o ano passado, a Seleção jogava pouco no Brasil e enfrentava adversários pouco importantes. Isso afasta o público", observa.

Para Juca Kfouri, a perda do vínculo do torcedor brasileiro com a Seleção foi resultado de uma política deliberada da CBF para "internacionalizar" a Seleção, com jogos fora do País e uma equipe composta por jogadores de equipes europeias, acostumados ao estilo de jogo e até ao frio local. "Durante um tempo, nos últimos anos, o estádio do Arsenal, em Londres, se tornou a 'casa' da Seleção Brasileira. Há uma perda de vínculo óbvia, com jogadores que não jogam no Brasil", diz.

Ele comenta que hoje em dia os torcedores dos clubes brasileiros não têm mais a oportunidade de ver seus ídolos locais com a camisa da Seleção. Ou, quando há jogadores de nível de seleção atuando no Brasil, o torcedor prefere até que ele não seja convocado para não atrapalhar o time.

A perda de popularidade da Seleção Brasileira pode ter um efeito financeiro negativo também. Segundo um levantamento da consultoria alemã PR Marketing, o Brasil tem apenas o quarto maior contrato para fornecimento de uniformes para a equipe nacional, atrás de França, Inglaterra e Alemanha, e com um valor apenas ligeiramente superior ao da Espanha, atual campeã mundial.

"O Brasil perdeu muito da exposição e do interesse com o futebol por conta dos maus resultados no campo e da má gestão fora dele", observa Peter Rohlmann, diretor da PR Marketing. Para ele, a Copa do Mundo é uma "janela de oportunidade" para mudar esse quadro. "É a chance de mostrar ao mundo o futebol brasileiro e de levantar a torcida local", diz.

A reportagem da BBC Brasil solicitou à CBF uma entrevista para comentar algumas das questões levantadas pelos especialistas, mas não obteve resposta após três semanas de tentativas.

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