Você sabia? Animais usam drogas para fins medicinais e recreativos
Sertanejos relatam que caçam timbus colocando tigelas de cachaça para embriagá-los e facilitar a sua captura
Vídeos de animais selvagens supostamente embriagados costumam fazer sucesso na internet. Um dos mais famosos exibe elefantes e outros mamíferos da África cambaleantes após o consumo do fruto marula, que serve de base para um licor muito apreciado entre os homens.
O registro de uso de substâncias psicoativas por animais, contudo, não se restringe à selva africana. O doutor em Ciências Biológicas Valdir Luna, professor de Comportamento Animal do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diz que, até no Brasil, há registros do tipo.
Ele menciona o referido “gosto pela cachaça” que se atribui ao timbu (Didelphis albiventris), como é conhecido o marsupial gambá-de-orelha-branca. Para Luna, embora quase não existam estudos de campo que comprovem ou detalhem esses casos, a observação popular costuma ser acertada ou ter uma sólida base em fatos.
“Acho mais curioso o caso do consumo de cachaça pelo timbu. Os sertanejos relatam que caçam timbus colocando tigelas de cachaça para embriagá-los e facilitar a sua captura”, lembra.
Outro caso inusitado ocorre na região amazônica, onde as onças costumam alimentar-se de cipó-mariri - espécie que integra a preparação de bebida consumida para rituais religiosos, a Ayahuasca. De propriedades alucinógenas, sua ingestão aumentaria a percepção sensorial dos felinos e melhoraria sua habilidade de caça.
Finalidade
De acordo com Luna, já existem casos bem documentados de animais que utilizam plantas com princípios ativos para fins medicinais. A utilização regular de substância psicoativa apenas pelo prazer gerado, em ambiente natural, porém, ainda não está devidamente estudada pela comunidade científica.
“Entretanto isso não é nenhum absurdo. Assim como os humanos, os outros animais também sentem prazer e buscam essa sensação. Experimentalmente, a utilização de substâncias psicoativas por animais é um fato bem consolidado, e esse comportamento é utilizado muitas vezes como modelo para desenvolvimento de aplicações humanas”, afirma.
Na análise do doutor em Neurociências e Comportamento Amauri Gouveia Júnior, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), os motivos que levam ao consumo dessas substâncias variam conforme o animal. Ele indica que deve ser considerada a cognição (como no caso dos elefantes que andam quilômetros para se embriagar de marula) e o estado geral do animal (cães comem grama quando tem diarreia, por exemplo).
“Parte desse consumo pode ter fins medicinais, sim. Outra parte, como nos elefantes, é recreativa. Também pode ser que haja um consumo por engano. O animal é enganado por uma pista olfativa e consome a substância potencialmente psicoativa”, explica.
Não se trata de engano o caso dos chimpanzés, por exemplo, que consomem várias ervas com finalidades específicas, como combater parasitas e tratar dores de barriga. Ou o de animais que consomem plantas tóxicas para tornar seu corpo tóxico e inibir a predação.
Dependência
Para Luna, a prática não é prerrogativa humana e nem depende de sua intervenção. Assim, se o consumo animal for resultado da repetição de comportamentos que trazem a sensação de prazer, ele poderia, como o homem, tornar-se dependente químico.
O professor explica que a base neurofisiológica de outros mamíferos é muito similar à dos humanos, o que explica a possibilidade do vício. “Entretanto, diferentemente do nosso caso, na natureza é mais difícil encontrar essas substâncias com a mesma facilidade e quantidade”, pondera.