Volta às aulas em SP tem adesão alta e até fila de espera
Reabertura das escolas em 2020 atraiu menos alunos; percepção de esgotamento dos filhos e aval de médicos motivam decisão dos pais
Pais receberam o aval de pediatras, ganharam alguma esperança com a chegada da vacina, perceberam o esgotamento dos filhos no ensino online e enviaram em peso os filhos para as escolas particulares da capital na primeira semana da volta às aulas. Mesmo com um cenário da pandemia até pior do que na reabertura em outubro de 2020, a adesão ao retorno foi de mais de 80% dos estudantes em muitas escolas, o que aumentou o malabarismo para cumprir a exigência de receber, por dia, apenas 35% do total. A situação é inversa à registrada no ano passado, quando poucos voltaram e as crianças chegaram a ficar em salas com um ou dois colegas presencialmente.
No Colégio Rio Branco, na região central de São Paulo, 80% dos estudantes manifestaram interesse em voltar à escola. Todos que quiseram retornaram pelo menos um dia, em esquema de rodízio. Pais que inicialmente indicaram manter os filhos no ensino remoto acabaram, depois, apontando a preferência pelo presencial e o colégio fez uma lista de espera. No Santa Maria, na zona sul, só 10% dos alunos do ensino médio não voltaram para a escola e há poucas vagas para 2ª e 3ª séries.
Em algumas escolas de elite da capital, os números foram ainda maiores. No Miguel de Cervantes, na zona sul, 95,3% das famílias optaram pela volta. No Santa Cruz, na zona oeste, 95%. Na rede Maple Bear, que tem 150 escolas, foram 98%. Segundo dados do sindicato das escolas particulares no Estado (Sieeesp) 100% delas abriram no dia 1º de fevereiro e 80%, em média, dos alunos retornaram.
"No fim do ano passado, emocionalmente para os meus filhos chegou no limite ficar no ensino online, passaram a ficar menos motivados para estudar", conta a fonoaudióloga Tatiana Vilanova, de 41 anos, que tem três filhos no Colégio Porto Seguro, na zona sul. Ela diz que também levou em conta o baixo índice de infecção na escola no período de abertura em 2020 e os protocolos implementados. "Foi o melhor dia da minha vida, eu vi meus amigos, vi minha professora nova, eu até li um livro", disse o mais novo, Felipe, de 7 anos, ao voltar da escola. "Ver essa felicidade no rosto dos meus filhos faz tudo valer a pena", completou a mãe.
"Nossa casa se encheu de uma alegria quando ela voltou da escola, uma esperança de que as coisas podem e vão voltar ao normal", conta a pedagoga Patrícia Lopes, de 48 anos, sobre a filha Lorena, de 9. Os pais tiveram muito medo de mandar a menina para a escola no ano passado e, este ano, também mudaram de ideia. No Pentágono, onde ela estuda, 83% das famílias fizeram o mesmo. Lorena começou a falar da saudade dos amigos, dos professores e dos funcionários do colégio. "Conversamos com o pediatra, que falou que as crianças se infectam menos, e achamos que seria melhor para ela", conta o pai, o diretor comercial Sergio Lopes, de 53 anos.
A filha da publicitária Mirella Fernandes passou a dormir melhor depois que voltou. Os do empresário Adalberto Moscal, adolescentes de 12 e 15 anos, não enrolam mais na cama na hora de levantar para ir à escola. Mas há também os esforços que as famílias passaram a fazer para garantir o retorno - e de maneira segura. Muitos vão deixar de ver os familiares e ainda precisam se organizar para uma rotina diferente para cada um dos filhos.
Tatiana abriu mão de voltar ao trabalho presencialmente para que os filhos voltem para a escola três vezes por semana. Os meninos de Moscal vão dois dias seguidos para a escola presencialmente, depois ficam quatro em casa. "Eles têm de aprender a conviver com isso. É um momento muito importante na vida deles para ficar tanto tempo em casa", diz o empresário. A filha de Mirella está indo para a escola uma semana sim e outra, não. "Eu tive muito medo no ano passado, cheguei a ficar com crise de ansiedade e passei isso para ela. Agora, ela voltou muito animada, estávamos precisando."
Na casa de Rita Cunha, de 44 anos, foi preciso até desenhar planilhas para lembrar a rotina de cada um dos três filhos: Theo, de 13 anos, Luca, de 9, e Felipe, de 5. Casinhas coloridas em colunas que representam dias da semana indicam as aulas que vão acontecer longe do colégio. Os mais novos voltaram à escola depois que Rita percebeu que o período de afastamento causou prejuízos. "O Luca estava muito triste, chorava sem motivo aparente, teve perda de apetite." Já o mais velho permanece no ensino remoto porque se adaptou e para reduzir mais um risco de infecção - a família continua em quarentena, restringindo ao máximo outras interações para que as crianças possam ir à escola.
A matemática também foi enorme nas escolas para atender todos os alunos que quiseram ir presencialmente, já que a determinação estadual era, até sexta-feira, de só receber 35% dos matriculados por dia. Algumas deram preferências às séries do começo ou fim dos ciclos, que trazem mais mudanças para os alunos. Como parte do Estado passou para a fase amarela, agora poderá subir a presença para 70% dos estudantes por dia, mas a capital ainda depende do aval da Prefeitura.
"São estratégias para o início do retorno às aulas, mas escola é presença diária, precisamos caminhar para isso", diz o presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), Arthur Fonseca Filho. Ele diz que as escolas fizeram "verdadeiros malabarismos" para conseguir incluir todos no presencial e ainda oferecer as aulas para a minoria que ficará em casa.
"A ideia dos pais acabou mudando porque passaram cinco meses de outubro para cá, muitos estão saturados das crianças em casa, com os filhos até ansiosos", diz o psiquiatra especializado em criança e adolescente Miguel Boarati. Ele se preocupa com o fato de a criança fazer tudo pelo computador, socializar, brincar, estudar. "Elas perdem experiências sensoriais porque está tudo bidimensional". Para Boarati, a volta é definitivamente boa para a saúde mental de pais e filhos, mas é preciso observar a estrutura das escolas para cumprir ou não os protocolos de higiene e distanciamento, já que os índices de infecção e morte da pandemia ainda estão muito altos.
Nos últimos meses foi intensa a mobilização a favor da volta às aulas no País. Grupos de pais e de pediatras fizeram campanhas enfatizando a importância da escola e divulgando dados científicos que mostravam a baixa infecção em unidades de ensino. E ainda pressionaram representantes dos governos estadual e municipais pedindo a abertura. Por outro lado, sindicatos dos professores conseguiram uma liminar impedindo a volta no fim de janeiro, que acabou derrubada pelo Tribunal de Justiça. Eles alegam falta de estrutura nas escolas e pedem a vacina prioritária para os trabalhadores da educação. Nesta sexta, decidiram entrar em greve a partir de segunda-feira.
Em casa
Ao contrário dos pais que mandaram os filhos para as escolas, há uma parcela de famílias que optou por não voltar ao presencial por receio da infecção. Notícias de surtos, como os verificados em escolas do interior paulista, aumentam o temor e há ainda o receio de que os protocolos sanitários adotados pelas escolas sejam frágeis.
Essas famílias reconhecem que a escola deve ficar aberta para os pais que mais precisam, mas evitam mandar os filhos para reduzir a circulação do vírus e a transmissão em casa. Também fazem pressão para que o retorno não seja obrigatório em nenhuma etapa da quarentena.
Ian, de 11 anos, filho da professora Adriana Daher, de 47, foi o único da turma que não voltou ao presencial. "A escola fala que, se tiver infecção, a bolha (grupos de alunos) se recolhe. Cada vez que ouço isso, me arrepio." Adriana passou por um transplante em 2019 e faz parte do grupo de risco para a covid-19. "Posso não ter nada, mas posso morrer. O problema é minha imunidade."
Adriana pediu demissão da escola onde trabalhava como professora de crianças de 5 anos depois de perceber que não seria possível dar aulas todos os dias com máscaras profissionais, a dois metros de distância de crianças de 5 anos. A família segue em quarentena - não vai a restaurantes, por exemplo, e só permite caminhadas ao ar livre.
Eduardo Ostronoff, de 55 anos, também vetou o retorno de Clara, de 12 anos, à escola. Ele reconhece que os adolescentes têm menos probabilidade de manifestar a forma grave da doença, mas duvida que o rastreamento do vírus seja eficaz, o que colocaria outras pessoas em risco. Também teme o comportamento dos adolescentes fora da escola. "Vemos nas redes sociais as amigas dela levando a vida como se nada estivesse acontecendo."
Ostronoff faz parte de um grupo de 54 pais de estudantes de escolas particulares, como Bandeirantes e São Luís, que reivindicam que o retorno não seja obrigatório para nenhuma família, em nenhum momento da pandemia. Resolução homologada pelo secretário estadual, Rossieli Soares, obriga a presença em pelo menos 1/3 das aulas na fase amarela. Nesta sexta-feira, a Secretaria Estadual da Educação informou que a obrigatoriedade seria suspensa na fase amarela para todas as escolas, mas afirmou depois que a medida não seria publicada em documento oficial, o que eleva a insegurança das famílias.
Luis Fernando Dufner, de 14 anos, diz que se adaptou perfeitamente ao ensino online, que gosta da praticidade de não precisar acordar muito antes da aula e que suas notas até aumentaram. O adolescente então decidiu que não quer voltar ao presencial, apesar de já ter visto a maioria dos amigos na escola esta semana pelo computador. As aulas são transmitidas ao vivo e há o contato com quem está em casa. "Se o programa de vacinação melhorar, o número de mortes e casos cair, aí eu posso ter alguma confiança em voltar", diz.
A mãe, a advogada Samantha Dufner, de 49 anos, afirma que se orgulha do filho ter a consciência de tomar uma decisão em prol da sociedade. "Eu não esperava outra coisa do meu filho. Ele sabe que temos de fazer um esforço coletivo." O menino não viu nenhum amigo durante toda a pandemia e sai raramente de casa, apenas para ir ao mercado.
Já Marcela Motta, de 16 anos, tomou a decisão de não voltar, mas acha difícil ver os amigos na escola. "Dói o coração pensar que este é meu último ano de escola e não estou lá, mas tenho muito medo de pegar covid e passar para alguém", conta. Ela disse que decidiu esperar um pouco mais para voltar porque achou que a vacinação seria mais rápida, o que amenizaria um pouco o quadro da pandemia. "Agora estou vendo que vai demorar e tenho medo de ficar muito tempo em casa", diz ela, ainda indecisa.
Segundo o psiquiatra Miguel Boarati, se o estudante se adaptou muito bem com o ensino online e consegue ter alguma socialização, mesmo que virtual, não há problema em continuar mais um tempo em casa. Mas é preciso ter atenção às crianças e adolescentes que não mostram interesse algum em estudar e acabam não querendo voltar para a escola porque estão desestimulados. "O problema é quando eles querem se esquivar do compromisso, ficam só nos jogos, não dormem bem."
Rede estadual terá aulas a partir de segunda
As aulas presenciais nas escolas da rede estadual paulista começam amanhã, em sistema de rodízio. Só deverão ir à escola 35% dos alunos, mesmo em regiões na fase amarela do plano de flexibilização, como a capital. Cada unidade poderá definir como vai realizar o rodízio e a presença dos estudantes será opcional. Mas o sindicato dos professores aprovou na sexta-feira uma greve contra o retorno.