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Eleição de Trump coloca democracia em risco

O cristianismo dos evangélicos radicais é antidemocrático. Evangélicos e trumpistas constroem um buraco negro que esparge a escuridão pelo mundo e ameaça engolir a democracia.

6 nov 2024 - 13h52
(atualizado às 16h39)
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A vitória do Partido Republicano foi avassaladora: levou a presidência, a Câmara e o Senado. A Suprema Corte já era conservadora. Donald Trump terá um amplo domínio político e poderá fazer quase tudo o que quiser. Terá um poder equivalente a monarca absoluto.

Na política interna ver-se-á um aumento da repressão aos imigrantes, um desinvestimento nas políticas ambientais, aumento de investimentos na matriz energética dos combustíveis fósseis, uma desregulamentação das relações econômicas e de trabalho e uma forte adoção do protecionismo no comércio exterior. As políticas conservadoras no plano da moralidade e dos costumes também serão fortalecidas, seja no plano legislativo ou no plano de ações persecutórias e proibitivas.

No plano internacional crescerão as tensões e conflitos com a China. Trump travará uma guerra comercial e pela liderança tecnológica sem limites com a China. As consequências para a economia global são imprevisíveis. Israel terá apoio ainda mais amplo para massacrar e tomar terras de palestinos. A Ucrânia poderá ser abandonada no apoio militar, o eixo das democracias será enfraquecido na América Latina e o das ditaduras se tornará poderoso em todo o mundo. Trump e Putin se aliarão para constituir um compacto cinturão de regimes ditatoriais e autoritários.

Desde a Independência em 4 de julho de 1776 e da aprovação da Constituição Federalista em 1787, a democracia americana enfrentou desafios e vicissitudes. A mais grave foi com a Guerra Civil entre 1861 e 1865, que ameaçou a própria existência do país tal como o conhecemos hoje.

Mas na transição do século XIX e ao longo do século XX a democracia americana foi adquirindo uma solidez e uma pretensão de inabalável e indestrutível. O papel dos Estados Unidos na luta contra o fascismo e o nazismo na II Guerra Mundial e na subsequente Guerra Fria contra a União Soviética conferiram à democracia uma imantação mítica. O apoio de governos americanos a ditaduras na América Latina e a promoção de guerras de natureza imperial, a exemplo da Guerra do Vietnã, não derrubaram a fé no compromisso com a democracia.

Todos os acobertamentos dos malfeitos internos e internacionais que foram cometidos em diferentes momentos da história americana produziram uma corrosão de fundamentos republicanos e democráticos do edifício político e constitucional dos Estados Unidos. O sistema republicano-democrático já nasceu com dois gravíssimos pecados mortais: a não abolição da escravatura, seja na Independência ou na aprovação da Constituição Federalista, e o massacre genocida dos povos originários.

A conquista da abolição na Guerra da Secessão e a conquista dos Direitos Civis pelos negros em meados do século XX não purgaram esses pecados e o conflito pelo reconhecimento, pelo antirracismo e pelo fim da exclusão continua até hoje.

O advento do 6/01 de 2021, quando Trump incitou a invasão do Capitólio, tentando se manter no poder com um golpe de Estado, visando impedir a posse de Joe Biden, foi a gota d'água para que todos os alertas fossem acionados na percepção de que algo estava profundamente errado com a democracia americana e que ela não é nem tão sólida e nem tão inabalável como se pensava.

Agora, durante a campanha, Trump reiterou que não deveria ter entregue o poder em 2021. Ele havia vencido as eleições de 2016 com uma retórica do ódio, da violência, do machismo, do preconceito e da xenofobia. Venceu usando a mentira como método. Na deste ano, ele usou e reforçou essa retórica da violência verbal, da violência moral e da violência simbólica.

Os estudiosos do nazifascismo, a exemplo de Hannah Arendt, são categóricos em afirmar que o método dos políticos e dos partidos totalitários se resume o uso sistemático da mentira, do estímulo ao ódio e à violência, da desqualificação dos adversários/inimigos como seres inferiores, condenados pela história ou por outra providência qualquer. Nutrem o desprezo às leis, ao Estado de Direito e à Constituição. Trump, em suas duas campanhas eleitorais e em seu mandato, evidenciou sobejamente essa retórica e esse método.

Trump, com suas caretas e deboches, invoca lembranças de Hitler e Mussoli. Os grupos violentos e supremacistas que o acompanham, com chifres na cabeça e roupas camufladas, invocam a estética dos Camisas Negras fascistas que marcharam sobre Roma. Esses grupos radicais fazem abertamente saudações nazistas ao líder e proclamam "Heil Trump".

Os grupos totalitários sempre proclamaram a liberdade ilimitada de expressão para conquistar o poder. Já, no poder, suprimiram essa e outras liberdades e direitos. Não por acaso, Elon Musk, que não quer obedecer as leis, as regras e a soberania de nenhum país, é um dos principais escudeiros do presidente eleito.

Os analistas estão dizendo que a vitória de Trump se deveu ao fator econômico e às promessas que ele fez de recuperar o poder aquisitivo da população. Mas a retórica do ódio e da violência, somada a uma sucessão de erros dos Democratas, também são fatores decisivos da sua vitória.

Uma das principais inspirações dos conservadores trumpistas é John Winthop, que comandou o grupo que fundou e colonizou a Província da Baía de Massachusetts em 1630. Depois, como governador, ele implantou leis conservadoras e restritivas da liberdade e era inimigo da democracia. No seu discurso "Uma Cidade Sobre a Colina", ele proclamou que "os olhos de todos estão sobre nós", dando origem às teses do excepcionalismo e do Destino Manifesto norte-americano. Os EUA passaram a se ver como a lamparina a espargir luz por todo o mundo.

Posteriormente, pensadores clássicos como Tocqueville, viram a democracia se desenvolver na América como uma manifestação da Providência combinando cristianismo e democracia amalgamados pelo valor da igualdade. Hoje, no entanto, o cristianismo dos evangélicos radicais é antidemocrático. Evangélicos e trumpistas constroem um buraco negro que esparge a escuridão pelo mundo e ameaça engolir a democracia.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Aldo Fornazieri não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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