"Ainda Estou Aqui" reacende debate sobre ditadura e casa do filme atrai visitantes
Uma casa branca em um local tranquilo do bairro da Urca, no Rio de Janeiro, tem atraído um fluxo de visitantes nas últimas semanas.
Eles estão ansiosos para ver a casa mostrada no filme indicado ao Oscar "Ainda Estou Aqui", no qual uma mãe de cinco filhos reconstrói a vida enquanto luta para descobrir a verdade sobre o desaparecimento forçado do marido na década de 1970, durante o regime militar.
"A gente veio aqui fazer uma reverência à família", disse a visitante Daniela Gurgel, enquanto percorria a casa. "Levantar essa história nesse momento é muito importante."
As três indicações do filme ao Oscar -- melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz para Fernanda Torres -- lançaram um holofote global sobre a história real de Eunice Paiva e seu marido Rubens Paiva e sobre o governo militar que comandou o país entre 1964 e 1985.
"Ver o mundo assistir a essa história é o reconhecimento de uma luta que a minha família vem travando há mais de 50 anos", afirmou Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens e autor do livro no qual o filme é baseado.
"É uma luta de respeito aos direitos humanos e à democracia", acrescentou.
A ditadura brasileira terminou há quatro décadas, mas ninguém foi responsabilizado pelo assassinato de centenas de seus críticos ou pela tortura do que muitos acreditam ter sido dezenas de milhares.
Até mesmo o desaparecimento de Rubens Paiva, um dos casos mais emblemáticos de abuso dos direitos humanos daquela época, ainda é um caso em aberto no Supremo Tribunal Federal. Seu corpo nunca foi encontrado.
Em 2010, o STF manteve a Lei da Anistia, de 1979, aprovada durante a ditadura, que perdoa os crimes cometidos pelo regime. Mas promotores e outros que se opõem à decisão ainda têm ações pendentes no tribunal, incluindo a de Paiva.
Na sexta-feira, o governo brasileiro deu algum alívio às famílias.
O atestado de óbito de Rubens Paiva foi alterado para registrar que a causa de sua morte foi "não natural, violenta causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964".
Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva no filme, disse: "Fizeram tudo para que não houvesse corpo, para que não houvesse memória, para que aquilo não fosse falado, para que aquilo ficasse escondido num canto".
"Essa história não será esquecida", acrescentou.
Mais de 400 outras certidões de óbito de vítimas da ditadura militar em todo o Brasil serão retificadas em um esforço liderado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, sob comando do ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda.
"O filme caiu como um presente do céu para nós, porque trata de um desaparecido político", disse Miranda. "As famílias sentem que o Brasil precisa disso. Essa dívida com a democracia está sendo resgatada agora."