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Apenas 4 capitais elegeram prefeitas mulheres em 20 anos; 5 podem mudar histórico neste segundo turno

Em 2024, nenhuma mulher foi eleita em primeiro turno nas capitais brasileiras; ainda assim, o segundo é o com mais candidaturas femininas

25 out 2024 - 05h00
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Apesar de serem a maioria do eleitorado, mulheres estão longe da igualdade de gênero na política
Apesar de serem a maioria do eleitorado, mulheres estão longe da igualdade de gênero na política
Foto: NurPhoto/GettyImages

Quando Alzira Soriano, de 32 anos, se tornava a primeira prefeita eleita em uma cidade brasileira, ela entrava para a história de maneira subversiva. Naquele ano de 1928, nem era permitido às mulheres o direito ao voto. Mas Alzira chegou ao posto mais alto do Executivo municipal da pequena Lajes, no interior do Rio Grande do Norte. A proeza virou até notícia em jornais estrangeiros, como o The New York Times.

Noventa e seis anos depois, a impressão que fica é que eleger-se prefeita continua sendo uma subversão no Brasil. A maioria das capitais não vê alguém do sexo feminino se sentar em uma cadeira de prefeito há pelo menos 20 anos. De 2004 para cá, apenas quatro das 26 capitais tiveram mulheres eleitas para a função.

CAPITAIS COM MULHERES ELEITAS NOS ÚLTIMOS 20 ANOS

Foram elas: Boa Vista (RR), com as sucessivas eleições de Teresa Surita (MDB), reeleita em 2004 e de volta ao posto em 2012 e 2016; Fortaleza (CE), com a eleição e reeleição de Luizianne (PT), nos anos de 2004 e 2008; Natal (RN), com a eleição de Micarla de Souza pelo PV, em 2008; e Palmas (TO), que elegeu Cinthia Ribeiro (União), em 2020.

A eleição de 2004 é a mais antiga disponível no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e, por isso, foi tomada como base para esse levantamento de dados. Há casos de outras grandes capitais que já elegeram mulheres depois da redemocratização, como São Paulo (SP), que teve duas prefeitas: Luiza Erundina, de 1989 a 1992, e Marta Suplicy, de 2001 a 2004, ambas eleitas pelo PT.

Marta Suplicy foi eleita em 2000, e perdeu as eleições seguintes que disputou à Prefeitura de São Paulo. Hoje, ela está como vice na chapa de Guilherme Boulos
Marta Suplicy foi eleita em 2000, e perdeu as eleições seguintes que disputou à Prefeitura de São Paulo. Hoje, ela está como vice na chapa de Guilherme Boulos
Foto: Patrick SICCOLI/GettyImages

Salvador (BA) também já teve uma prefeita mulher, Lídice da Mata, eleita há 32 anos, na época pelo PSDB.

Mais segundo turno com mulheres

As eleições municipais de 2024 é a que traz mais segundos turnos com mulheres nos últimos 20 anos. Ao todo são sete, e, em cinco, essa pode ser a chance de eleger a primeira mulher prefeita para o período. Apesar disso, no primeiro turno, apenas homens foram eleitos.

Em Campo Grande (MS) já está definido que o próximo mandatário municipal será uma prefeita, já que as candidatas Adriane Lopes (PP) e Rose Modesto (União) se enfrentam na disputa.

Em geral, este ano houve um aumento no número de mulheres eleitas nos municípios - percentual que pode crescer após o segundo turno. Segundo dados da Consultoria-Geral da Câmara dos Deputados, as mulheres são 18% dos eleitos nas prefeituras em 2024, valor dois pontos percentuais acima do de 2020, quando se aproximou de 16%.

“A gente tem um aumento ainda que pequeno. Isso é algo a ser comemorado, mas a gente não pode perder de vista que quando colocamos o Brasil em comparação com outros países, a participação na política é uma das dimensões da igualdade de gênero que o Brasil ranqueia ou pontua pior”, analisa Ana Diniz, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero dentro do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, em entrevista ao Terra.

A ponderação feita por Ana é corroborada pelo projeto Atenea, da ONU Mulheres, que traçou um cenário sobre a participação de mulheres na política na América Latina e no Caribe. Neste ranking, o Brasil aparece na penúltima posição.

Juliana Maia, associada de Programas da ONU Mulheres, considera que o relatório coloca o Brasil em um cenário regional desanimador. “A gente ainda tem muitos passos para alcançar essa paridade”, afirma.

Os 18% feminino à frente do Executivo municipal ainda é muito distante do que preconiza referências internacionais, segundo acrescenta a professora de Ciência Política na PUC-Rio, Alessandra Faria. “Outros países chegam a ter 50% de participação das mulheres, por exemplo, em parlamentos, ou mesmo em cargos do executivo”, diz.

As capitais com mulheres no segundo turno são:

  • Porto Velho (RO): Mariana Carvalho (União) x Léo (Podemos);
  • Palmas (TO): Janad Valcari (PL) x Eduardo Siqueira (Podemos);
  • Natal (RN): Paulinho Freire (União) x Natália Bonavides (PT);
  • Aracaju (SE): Emilia Correa (PL) x Luiz Roberto (PDT);
  • Campo Grande (MS): Adriane Lopes (PP) x Rose Modesto (União);
  • Curitiba (PR): Eduardo Pimentel (PSD) x Cristina Graeml (PMB);
  • Porto Alegre (RS): Sebastião Melo (MDB) x Maria do Rosário (PT).

As mulheres no Executivo x Legislativo

De dois em dois anos, a bandeira da representatividade é erguida e invade os discursos políticos. Mas ela parece estar restrita a alguns cargos, quase nunca vinculada aos mais altos do Executivo.

As mulheres não chegam nem a se candidatar na mesma proporção que homens para o cargo de prefeito, por exemplo. Segundo o levantamento do Terra, nos últimos 20 anos, 1078 homens postularam ao cargo de chefes do Executivo municipal nas capitais do País, contra 222 mulheres postulantes.

PROPORÇÃO DE HOMENS X MULHERES CANDIDATOS A PREFEITO NOS ÚLTIMOS 20 ANOS

“A mulher vem como vice-prefeita, ou como vice-governadora, ou vice-presidente, não só no Brasil, quanto na América Latina”, pondera Alessandra Faria.

A especialista também fala sobre a tendência de mulheres ocuparem mais facilmente cargos no Legislativo do que no Executivo, que seriam os de maior valor na política. “Elas estão mais presentes nos parlamentos, porque lá você tem mais possibilidade de eleição. Isso facilita que uma mulher entre, mas essa mulher entra ali em minoria” afirma.

Aqui no Brasil, Manuela D’ávila pode ser usada como um exemplo para o fenômeno trazido pela pesquisadora. Atualmente sem partido, Manuela construiu carreira se elegendo como vereadora e deputada federal. Mas sempre que tentava migrar para o Executivo, não ia além. Ela chegou a tentar a Prefeitura de Porto Alegre (RS) por três vezes, tendo chegado ao segundo turno em 2020. Naquela eleição, algumas projeções eram favoráveis à sua eleição, que não se concretizou no pleito.

Observando as eleições ao redor do mundo, é comum que esse cenário se repita. A democrata Kamala Harris, por exemplo, saiu candidata à Presidência nos Estados Unidos neste ano apenas após a desistência de Joe Biden, de quem era vice. O país, considerado por muitos a maior democracia que existe, nunca teve uma presidente mulher.

Kamala Harris foi anunciada como candidata à Presidência dos EUA pelos Democratas após desistência de Joe Biden
Kamala Harris foi anunciada como candidata à Presidência dos EUA pelos Democratas após desistência de Joe Biden
Foto: Kevin Dietsch/GettyImages

“Até hoje, por exemplo, 107 países nunca tiveram uma mulher como chefe de Estado. Atualmente, 27 países são chefiados por uma mulher. Então, ter uma mulher no poder, na esfera do poder executivo, ela passa por muito mais questões que restringem a sua participação, justamente por ser uma forma de representação de maioria. Quando a gente pensa no legislativo, existem as regras eleitorais e toda uma composição do coeficiente eleitoral e de tudo que permite, de alguma forma, que mulheres consigam acessar”, considera Juliana Maia, da ONU Mulheres.

O que falta para mais mulheres se elegerem?

No Brasil, é previsto que a legenda ou federação partidária tenha o mínimo de 30% de candidaturas de um mesmo sexo. Tal proporção, porém, não é refletida no número de eleitos.

Aquelas que conseguem se inserir na política, volta e meia são alvos de misoginia. Foi o caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que teve imagens de cunho sexual espalhadas em protestos contra o preço da gasolina, e da então candidata à Prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral (PSB), chamada de “talarica”, de "chata" e até de "adolescente" no meio da disputa política deste ano.

Para Ana Diniz, professora do Insper, alguns pontos estão por trás dessa disparidade, desde o não cumprimento da regra pelos partidos até a forma como as candidaturas femininas são viabilizadas - ou inviabilizadas. “Muitas vezes fica muito negligenciado no debate como que os partidos se organizam e distribuem recursos, poder e influência para viabilizar essas candidaturas”, conclui.

Fonte: Redação Terra
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