Como eleição de Trump pode afetar acesso ao aborto nos EUA
Volta do republicano à Casa Branca pode incentivar imposição de restrições ainda mais severas no acesso ao procedimento, que já foi limitado em quase 20 estados americanos.O segundo mandato presidencial de Donald Trump pode trazer consigo uma nova ofensiva ao acesso ao aborto nos Estados Unidos.
Para os defensores do direito ao aborto, o cenário de pesadelo é um Congresso controlado pelos republicanos decretando restrições nacionais abrangentes ou uma proibição total. Nas eleições desta terça-feira (05/11), o partido de Trump conseguiu conquistar a maioria tanto na Câmara dos Representantes como no Senado.
Mas mesmo se não tivesse obtido a maioria das duas casas do Legislativo, Trump já poderia "causar muitos danos ao acesso ao aborto" por meio de ações federais e nomeações judiciais, disse à agência de notícias AFP Lewis Grossman, professor de direito da American University.
As nomeações de três juízes conservadores realizada pelo ex-presidente republicano para a Suprema Corte durante seu primeiro mandato foram fundamentais para desmantelar décadas de precedentes legais que protegiam o direito nacional ao aborto.
Durante a campanha presidencial, Trump foi cauteloso sobre a questão - já que a maioria da opinião pública é a favor do direito ao aborto, -, se preocupando, ao mesmo tempo, em manter o apoio dos eleitores evangélicos.
Ainda que o republicano tenha sugerido moderação em relação ao tema - até mesmo sugerindo que poderia impor seu veto caso o Congresso adote "uma proibição federal ao aborto" - alguns temem que o Projeto 2025 seja o verdadeiro plano de batalha.
Publicado pela ultraconservadora Heritage Foundation, o documento contou com a contribuição de ex-funcionários de Trump e oferece um roteiro para restrições mais severas a partir do Poder Executivo. Trump, entretanto, se distanciou publicamente do projeto.
Pílulas abortivas em foco
Especialistas acreditam que as pílulas abortivas podem ser o primeiro alvo de Trump.
A mifepristona, que impede a progressão da gravidez, e o misoprostol, que esvazia o útero, foram responsáveis por quase dois terços dos abortos realizados nos EUA no ano passado, de acordo com a ONG Kaiser Family Foundation.
O aborto medicinal costumava exigir consultas em clínicas. No entanto, o governo do presidente Joe Biden tornou permanente a prescrição por telessaúde e os comprimidos pelo correio em 2021.
Um governo Trump poderia restabelecer as exigências presenciais ou reverter outras regulamentações mais brandas, avalia Sonia Suter, professora de direito da Universidade George Washington. Esse seria um passo mais simples do que rescindir a aprovação, embora isso, segundo ela, também seja possível.
Os ativistas antiaborto pretendem ressuscitar uma antiga lei federal adotada em 1873, a Lei Comstock, que proíbe o envio de materiais "obscenos", categoria que pode incluir tanto pornografia como itens para "produzir aborto".
O Departamento de Justiça dos EUA, sob o comando de Biden, atualmente interpreta essa lei como não sendo passível de ser aplicada às pílulas abortivas aprovadas.
Mas Suter afirma que uma interpretação ampla poderia se aplicar a "qualquer coisa usada para produzir um aborto - materiais para abortos cirúrgicos - o que poderia efetivamente criar uma proibição nacional".
Referendos estaduais
Isso poderia interromper a cadeia de suprimentos em clínicas e hospitais em todos os estados onde o aborto é atualmente legal - ou onde poderá ser permitido em breve por meio de referendos estaduais ocorridos junto com as eleições presidenciais desta terça-feira.
Neles, eleitores de 10 estados votaram em medidas que propõem emendas para garantir ou expandir os direitos ao aborto. Os referendos pelo direito ao aborto venceram em 7 estados - Arizona, Nevada, Maryland, Nova York, Missouri, Montana, Colorado - e perderam em outros três - Flórida, Nebraska e Dakota do Sul.
Apesar das vitórias, a proibição do aborto e outras leis restritivas não são revogadas de forma automática. Os defensores do direito ao aborto agora precisam pedir aos tribunais que anulem as leis para se adequarem à nova emenda. Além disso, a maioria dos eleitores terá que aprovar a medida mais uma vez em 2026 para que ela seja promulgada.
Atualmente, 13 estados proíbem o aborto em todas as fases da gestação, com algumas exceções, e outros quatro restringem o procedimento a partir de cerca de seis semanas de gravidez.
Um governo Trump também poderia tentar desfazer as rigorosas proteções à privacidade das pacientes implementadas por Biden para mulheres que buscam abortos fora do estado em que vivem, disse Suter. Isso abriria caminho para possíveis processos judiciais quando elas voltarem para casa.
Embora a maioria conservadora da Suprema Corte já tenha derrubado Roe vs Wade - que havia
protegido durante cinco décadas o direito ao aborto em nível federal -, especialistas dizem que o poder de nomear juízes federais continua sendo fundamental.
"Em breve, os tribunais poderão ser chamados a decidir o destino das leis estaduais que tornam mais difícil o acesso das mulheres ao atendimento em estados mais favoráveis ao aborto", explica Grossman.
md (AFP, ots)