Como o voto na legenda para vereador pode beneficiar o partido rival
"Atenção! Pelas novas regras eleitorais, seu voto na legenda pode ir para outro partido. Vote no número completo do seu vereador ou você poderá eleger um inimigo!"
Você deve ter visto mensagens com esta pipocando nas redes sociais na reta final para a votação do primeiro turno das eleições municipais, que acontece no domingo. Compartilhadas milhares de vezes, elas citam mudanças no Código Eleitoral propostas durante a presidência do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara e aprovadas em 2015.
A alteração, nos artigos 108 e 109, afeta principalmente os candidatos a vereador e deputado que são "puxados" para assumir mandatos graças aos recordistas de votos de seus partidos.
Você deve se lembrar de casos célebres nas eleições de 2014: o deputado federal Celso Russomanno (PRB-SP), por exemplo, teve 1,5 milhão de votos e acabou elegendo outros quatro candidatos do seu partido. Outro exemplo famoso é o do palhaço Tiririca (PR-SP), que teve mais de um milhão de votos e "puxou" dois colegas de legenda.
Sem o empurrão dos candidatos recordistas, seus colegas homens não teriam votos suficientes para se eleger à Câmara.
E por que isso acontece?
A legislação permite que o "excesso" de votos de um candidato seja "transferido" para outros do mesmo partido, graças a um dispositivo chamado "quociente partidário" (entenda abaixo).
Mas, com a alteração na lei, estes candidatos "puxados" pelos recordistas de votos agora têm um novo obstáculo antes de assumir cargos públicos: eles precisam alcançar uma "nota de corte", um total mínimo de votos determinado por com outro dispositivo, chamado "quociente eleitoral".
Se estes candidatos não alcançarem a nota de corte, os votos na legenda poderão ir, sim, para outros partidos - normalmente os maiores e com mais dinheiro.
Quer dizer que um voto no PC do B pode ir para o PSDB? Um para o DEM pode ser transferido para o PT? Um no PSOL pode cair no colo do PMDB? Entenda, a seguir, o passo a passo sobre o que mudou.
Palavras-chave
Eleição vai, eleição vem, e os termos "quociente eleitoral" e "quociente partidário" voltam à tona. Antes de tudo, o saiba que significa cada um:
- Quociente eleitoral: Número mínimo de votos que um partido ou coligação precisa para conquistar vagas na Câmara Municipal. É calculado dividindo-se o total de votos válidos na cidade pelo total de vagas disponíveis para vereadores.
- Quociente partidário: Total de vagas a que um partido ou coligação terá direito na Câmara Municipal após as eleições. É calculado dividindo-se a votação total na chapa (votos diretos mais o na legenda) pelo quociente eleitoral (descrito acima).
Nova regra
Os "campeões das urnas" tradicionalmente ampliam o número de votos angariados pela chapa, elevando assim seu quociente partidário e, consequentemente, o número de cadeiras a que tem direito - é dessa forma que candidatos muito menos votados acabam conseguindo suas vagas.
Mas a novidade desta eleição, a chamada "cláusula de desempenho", determina que todos os candidatos que ocuparem cadeiras de vereador ou deputado tenham, no mínimo, atingido um total de 10% do quociente eleitoral.
Assim, os candidatos que forem alçados ao cargo "de carona" nos mais votados agora precisam desta "nota de corte" - ou seja, 10% do número mínimo de votos necessários para que um partido ou coligação conquiste uma vaga.
Para onde vão os votos de quem não chega na nota de corte?
A nova lei diz o seguinte:
"Dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima".
O destino das cadeiras não ocupadas pelos candidatos que não alcançarem a "nota de corte" é definido, portanto, pela conta complicada descrita acima. Divide-se o total de votos recebidos pelo partido ou coligação pelo quociente partidário e soma-se 1.
A regra mostra que, antes da conclusão da votação, é difícil prever para quem irão estes votos.
Mas é possível ter uma ideia. "Em tese, o partido que for mais votado, o que alcançar mais cadeiras, vai alcançar a maior média", explica Robson Maciel, professor de direito eleitoral do Ibmec.
"Mas não dá para garantir. Não é correto cravar que o partido mais votado das eleições receberá os postos não ocupados pelos menores. Esta é só uma tendência."
Esta mudança beneficia (ou atrapalha) a quem?
Especialistas apontam dois efeitos diretos na alteração da legislação: primeiro, um obstáculo a mais àqueles candidatos que se elegem na carona de recordistas de votação, já que eles agora precisam alcançar 10% do coeficiente eleitoral.
Entretanto, os partidos que tradicionalmente recebem muitos votos na legenda - normalmente aqueles que têm candidatos com projeto político similar ou complementar - poderão ser prejudicados.
"A mudança evita distorções bizarras, como os casos de Tiririca ou Enéas (Carneiro, morto em 2007). Mas não é suficiente. O sistema eleitoral precisa passar por uma profunda reforma. Quando o monopólio do tempo de televisão for quebrado, por exemplo, aí sim as coisas vão mudar", diz o professor Maciel, do Ibmec.
Ele pondera os lados positivos e negativos da lei. "A cada eleição, o eleitor acaba se surpreendendo com os candidatos vitoriosos. É difícil para muitas pessoas entender, principalmente em cidades menores, porque um candidato com 10 mil votos não foi eleito e um de 4 mil foi", diz.
"Mas as projeções mostram que os partidos grandes ganham com esse tipo de regra, porque os mais votados, em geral PMDB, PSDB ou PT, tendem a ser beneficiados."
O advogado Eduardo Nobre, sócio-fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE), ressalta que as consequências principais destas mudanças na lei devem ser percebidas apenas em 2018.
"A principal mudança acontecerá nas eleições para deputados, principalmente deputado federal. Essas distorções, com diferenças brutais entre as votações de candidatos, não são tão grandes nas eleições municipais. Aparecem mesmo nas candidaturas a deputado federal, que exigem mais votos", afirma Nobre.