Dilma prioriza campanha e tem passagem opaca pelos EUA
Presidente combinou discurso eleitoral a críticas aos EUA, no que pode ser sua última participação na Assembleia da ONU
A presidente Dilma Rousseff que viajou a Nova York para discursar na abertura da Assembleia das Nações Unidas em 2014 não é a mesma de 2012 ou 2013. Apesar de proferir um discurso em que assumiu ter “consolidado” as falas na ONU dos últimos anos, Dilma se encontra numa posição política muito diferente.
Agora Dilma enfrenta a batalha para garantir o segundo mandato, além da popularidade enfraquecida pela deterioração econômica do país. Seu discurso soou eleitoral quando enumerou os avanços do Brasil na última década. Já o pedido aos EUA, para que negociem antes de partir para uma nova ação militar no Iraque, dá prosseguimento à irritação do ano passado com as denúncias de espionagem.
O presidente Barack Obama, discursando em seguida a Dilma, argumentou que “não é possível negociar com o ISIS”. Dilma retrucou em entrevista coletiva logo depois: “Vocês acreditam que bombardear o ISIS resolve o problema? Porque se resolvesse eu acho que estaria resolvido no Iraque. E o que se tem visto no Iraque é a paralisia”.
A Dilma de 2014 começou as entrevistas destilando simpatia. Diferentemente de 2012 e 2013, falou duas vezes aos jornalistas. Mandou até beijos e soltou um “gosto muito de vocês” aos correspondentes. Perguntada se estava mais feliz – de fato, mostrou melhor saúde na segunda coletiva do que na primeira, quando exibiu a fala rouca de quem deixou a correria da campanha e virou noite no avião para vir a Nova York – a presidente disse: “Meu querido, eu estou, eu sou uma pessoa sempre alegre, porque sabe o que eu acho? Senão não vale a pena viver, vale? Beijos”.
Em 2012 Dilma ainda era a guerrilheira que fizera a transição para estadista, reunido-se com o ex-presidente americano Bill Clinton e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. Este ano Dilma não se encontrou reservadamente com grandes autoridades. De fato, 2014 foi sua viagem mais curta para a ONU desde que assumiu o governo. Apenas dois dias, um deles dedicado à Cúpula do Clima e encerrados ao meio-dia do segundo, pois, como ela mesma disse, “agora estou indo para a Bahia, se vocês quiserem ir comer um acarajezinho [vamos]”. No calor da campanha não sobrou tempo para costurar reuniões bilaterais e encontros de prestígio.
Em 2012 Dilma ficou por volta de cinco dias em Nova York, bem como em 2013. Ano passado o clima foi mais tenso. Acabava de estourar o escândalo da espionagem americana e ela saía da mais difícil crise de seu governo, causada pelos protestos de julho de 2013. As revelações de Edward Snowden forneceram à presidente um novo vigor e até ajudaram a recuperar sua popularidade. Contudo, àquela altura a economia brasileira já dava os primeiros sinais de desaquecimento e o governo aproveitou a visita a Nova York para tentar reacender o interesse dos investidores no país, num discurso no Goldman Sachs.
Realizada na sede do banco de investimentos, a entrevista do ano passado ainda carregava o tom da Dilma mais imperiosa. Perguntada quais medidas tomaria para enfrentar a espionagem americana, ela disse rispidamente: “Minha filha, não vou ficar aqui enumerando medidas”. Questionada sobre suas intervenções na economia – repercutiram mal no mercado as medidas que propiciaram uma redução de cerca de 20% nas contas de luz mas impuseram mudanças às concessionárias – Dilma foi enfática: “Não existe insegurança jurídica no Brasil”.
Diante da doçura exibida nas coletivas de 2014 em Nova York, é possível supor que Dilma tenha adotado a tática que ficou conhecida pelo seu antecessor e mentor político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exibindo uma faceta “Dilma paz e amor”.
Apesar de aproveitar a visibilidade em Nova York para bater na mesma tecla de muitos outros discursos seus nos últimos meses, afirmando que o governo promoveu uma revolução no país mas nunca admitindo erros ou escolhas malsucedidas, desta vez Dilma suavizou o tratamento e buscou combater com bons argumentos as perguntas mais incisivas da imprensa em Nova York.
Um exemplo foi sua defesa do rosário de conquistas brasileiras que enumerou na ONU: “Isso é um valor aqui, que o mundo reconhece” e deve ser ressaltado, disse a jornalistas. A luta pela reeleição vai deixando sua marca na presidente.