Eleições 2018: voto anti-PT; por segurança e pela família tradicional, o que pensam as mulheres que escolheram Bolsonaro
Jair Bolsonaro (PSL) cresceu entre o público feminino em pesquisas de intenção de voto recentes; a BBC News Brasil conversou com eleitoras do deputado e especialistas para tentar entender o fenômeno.
Para Angélica Oliveira, de 27 anos, o candidato Jair Bolsonaro significa a "defesa da família" e o "combate à ideologia de gênero". Para Lisa Gomes, de 38, que ainda não tem certeza se vai mesmo votar no militar reformado, ele seria uma aposta contra o "caos já conhecido" do governo do PT.
Já Sandra Rocha, 60 anos, vê em Bolsonaro a possibilidade de melhorar a segurança pública - ela, que vota no petista Eduardo Suplicy para o Senado, não vê contradição em escolher o atual símbolo do antipetismo para presidente: "Voto na pessoa, e não no partido."
Até esta semana, um dos aspectos desta eleição que a diferenciava de todas as outras desde a redemocratização era a disparidade que as pesquisas de intenção de voto apontavam entre a preferência de homens e mulheres - um fato inédito no Brasil, segundo analistas.
A maior parte do voto feminino rechaçava o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), enquanto a maior parcela do masculino o apoia.
Essa diferença continua grande - metade das mulheres do país rejeita o militar da reserva -, mas as últimas pesquisas Ibope e Datafolha apontam que essa disparidade está diminuindo. O capitão subiu seis pontos percentuais entre elas, segundo o levantamento Datafolha divulgado na terça-feira, de 21% para 27% - Fernando Haddad tem 20% das intenções quando se olha apenas o voto feminino.
Bolsonaro também viu sua rejeição cair entre as mulheres, de 52% para 49% das entrevistadas.
No total, o deputado federal é o líder das pesquisas, aparecendo com 32% das intenções de voto. Fernando Haddad (PT) surge em 2º, com 21%.
Apesar de boa parte do voto feminino rejeitar Bolsonaro e das acusações de que o candidato é misógino e machista, o que explica seu crescimento também neste público?
Nos últimos dias, a BBC News Brasil ouviu mulheres que dizem preferir Bolsonaro. Também conversou com uma psicanalista e cientistas políticos para analisar o fenômeno.
Em entrevistas recentes, Mauro Paulino, diretor do Datafolha, e a diretora executiva do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, disseram que esse crescimento de Bolsonaro no eleitorado feminino se deu principalmente entre mulheres de renda mais alta. Cavallari afirmou, ainda, que a mudança ocorreu principalmente na região Sudeste.
No último sábado, milhares de mulheres lideraram protestos contra o candidato do PSL. O movimento #EleNão acusa Bolsonaro de machismo, homofobia, misoginia e de tratamento desrespeitoso às mulheres depois de várias declarações do candidato nesse sentido. Ele nega que seja machista ou homofóbico.
Voto útil e Bolsonaro como 'mal menor'
Quando a BBC perguntou à nutricionista Lisa Gomes, de 38 anos, em quem pretendia votar, ela torceu a boca e respondeu: "Ainda não estou com opinião formada. Está tão difícil, né?".
Aos poucos, durante uma conversa em uma esquina do Jardim Paulista (bairro nobre na zona oeste de São Paulo), contou que deve seguir o voto do marido, que trabalha no mercado financeiro. "Ele não gosta do Bolsonaro, mas acha que ele pode derrotar o PT, então pensa em votar nele por isso. Eu não entendo muito de política. Acho importante, mas não entendo, então não sei dizer."
Ela reflete, e diz: "Acho que votar nele é tiro no pé, vai ser um caos". Mas, entre o "caos" que ela conhece, que seria repetir um governo do PT, e a possibilidade de algo novo (Bolsonaro), fica com a segunda opção.
Outra moradora do bairro, Leci Junqueira, 52 anos, responde convicta: "Vou votar no Bolsonaro", confirmando a intenção com um movimento de "sim" com a cabeça. "Eu era João Amoêdo (Novo), mas há uns 20 dias decidi votar no Bolsonaro. Votar no Amoêdo não adianta porque ele não tem chance, é desperdício de voto. Só o Bolsonaro vai tirar o PT. Nas próximas eleições a gente trabalha pelo Amoêdo, mas agora, é ele (Bolsonaro)."
A BBC perguntou o que ela acha das declarações tidas como machistas e homofóbicas do candidato. Respondeu que não as leva a sério. "Isso é só marketing". Refletiu, e acrescentou: "Não acho que vai ser um bom governo, mas é o mal menor."
Leci foi eleitora do PSDB por anos, mas se desiludiu com o partido quando Aécio Neves, candidato à Presidência em 2014, foi flagrado em escândalos de corrupção. "Chega de PSDB", diz ela.
Voto convicto em Bolsonaro
Já a marítima Renata Karla Andrade, de 31 anos, vota no Bolsonaro por convicção. Moradora de Belém, conheceu o deputado federal em 2013, quando soube da proposta de castração química para estupradores, um dos principais projetos do militar da reserva. "Achei o projeto brilhante. O feminismo nunca conseguiu aprovar nada que fosse tão bom para as mulheres", disse.
Segundo ela, não se pode apenas apontar a figura masculina como culpada pelos estupros ou por uma cultura de abusos, mas sim a impunidade, que é bastante grande no Brasil, diz. Uma punição mais severa, afirma ela, poderia diminuir o número de casos.
Para Renata, porém, Bolsonaro significa mais do que uma série de projetos de lei.
"Acho que ele é o último suspiro de esperança de manter a democracia em pé", diz, por telefone. Falas do candidato a favor da ditadura militar e de torturadores, afirma, não refletem o pensamento dele, pois são tiradas de contexto.
"Quando falam isso sobre ele é para causar pânico nas pessoas. Você não pode pegar uma frase errônea de uma pessoa para classificá-la. Por que não pegamos frases erradas do Lula também e de outros candidatos?", afirma.
Nascida na periferia do Recife, Karla estudou a vida toda em escolas públicas. Passou dificuldades na infância, mas conseguiu fazer faculdade, passou em concurso e chegou a liderar a tripulação de um navio mercante. "Sempre trabalhei com homens e nunca vi essa diferença com a mulheres, mesmo quando eu era a única mulher no trabalho", diz.
Sobre o movimento #EleNão, Renata se mostra desconfiada. "As pessoas têm todo direito de se manifestar contra um candidato, mas me pergunto quem elas apoiam. Para mim, os protestos foram manipulados por partidos de esquerda", diz.
"Não voto no Bolsonaro porque quero ele como meu pai ou meu irmão. Voto porque acho que ele é o único candidato diferente do que está aí. Acho que ele será um presidente competente."
Para a paulista Angélica Oliveira, 27, Bolsonaro significa a defesa da "família" e o combate à "ideologia de gênero". Ela acha que o modelo de família nuclear (casal heterossexual com filhos) é o ideal para o Brasil. Acredita que Bolsonaro é o candidato que defende mais claramente esses valores.
Oliveira diz, ainda, que vem de família petista e votou em Lula e Dilma Rousseff, mas se decepcionou. "O país não melhorou, melhorou?", pergunta.
A babá Sandra Rocha, de 60 anos, também é uma ex-eleitora do PT decepcionada com o legado do partido de Lula, tanto em relação à corrupção quanto à crise econômica.
"Lula seria meu herói, mas ficou maluco, só pode ser. Virou uma vergonha para o país. Como pode um candidato na cadeia? Eu não tenho ensino, mas meus filhos têm e ganham R$ 1,2 mil."
Sandra tampouco votaria no PSDB, pois viu a cidade onde vive, Taubaté, mudar durante o governo de Geraldo Alckmin. "Era uma cidade de estudantes e virou uma cidade de presidiários", diz, em referência à construção de presídios no município.
Ela ainda mantém um voto petista: Eduardo Suplicy, candidato do PT ao Senado. "Ele pode ter fechado os olhos (para a corrupção), mas não se sujou. É um homem bom", diz ela, acrescentando que não vê contradição entre seus votos para o Legislativo e para o Executivo. "Voto na pessoa, e não no partido."
Antipetismo e conservadorismo
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil levantam hipóteses para explicar uma mudança de comportamento de parte das mulheres.
Professor de Ciências Políticas da Unicamp, Oswaldo Martins Estanislau do Amaral acredita que a guinada de Bolsonaro demonstra a consolidação do antipetismo, que, segundo ele, é "fortíssimo" tanto entre homens quanto entre mulheres. "Nesse contexto, Bolsonaro seria um mal menor para esses eleitores", diz ele.
Flávia Biroli, professora de Ciência Política da UnB, vai na mesma linha: Bolsonaro seria uma mistura de antipetismo com conservadorismo dos costumes.
"É preciso compreender como atua essa sobreposição entre o antipetismo e a reação conservadora à agenda da igualdade de gênero. É essa a chave, me parece, para se compreender a votação de mulheres no candidato da extrema-direita, apesar de sua estridente misoginia."
Já Andrea Freitas, cientista política e professora da Unicamp, acredita que esta eleição será marcada pelo "voto do medo", ou seja, boa parte do eleitorado vai escolher seu candidato não por suas propostas, mas por receio do adversário vencer.
"A decisão do voto tem ocorrido mais pelo campo da psicologia do que o das ideias e propostas, em ambos os lados", diz. "É possível que muitas mulheres que iriam votar em outros candidatos, como Amoêdo ou Alckmin, tenham migrado para o Bolsonaro porque enxergam nele a única força que pode vencer o PT."
O comportamento e o salvador da pátria
Segundo Vera Iaconelli, psicanalista e doutora em psicologia pela USP, um dos motivos que explicam o voto feminino em Bolsonaro é a ojeriza de parte da população a mudanças de comportamento que ocorreram na sociedade brasileira nos últimos anos.
"Uma parte das pessoas tem dificuldade de se adaptar e se assustaram com mudanças rápidas que aconteceram no Brasil, como o movimento LGBT, os casamentos homoafetivos, o feminismo, as discussões sobre gênero. A liberdade dá medo em muita gente. Então, as pessoas passaram a associar esse comportamento mais liberal ao PT e à esquerda", diz.
"Freud já dizia em 1920 que todos nós temos um traço autoritário e o desejo de encontrar um 'salvador da pátria', uma pessoa que nos salvará das mudanças ruins. Às vezes, as pessoas encontram esse 'salvador' e se refletem nele. Quem vota no Bolsonaro acredita que ele defende a família tradicional, heterossexual, patriarcal e com filhos", diz a psicanalista.
"Sempre vai existir a mulher que apoia o machista, como vão existir o negro e o pobre que apoiam racistas. Até poucos tempo atrás, nós acreditávamos que o Brasil não era racista, simplesmente porque as pessoas não se davam conta do nosso racismo", afirma Iaconelli.
Para Biroli, um dos eixos de construção do antipetismo é a reação ao feminismo e à agenda da igualdade de gênero. "O candidato de extrema-direita representa os temores e inseguranças diante de mudanças nas relações sociais de gênero".
No entanto, cita outros fatores para o aumento da rejeição a Haddad entre as mulheres, que subiu de 29% para 36% entre as mulheres.
"É preciso lembrar que, na última semana, as igrejas evangélicas entraram no jogo político contra a candidatura petista. Outro ponto é que a propaganda eleitoral de outros candidatos pode ter favorecido Bolsonaro ao mirar no PT em sua busca de eleitores e pessoas indecisas", diz.
Uma indecisa é a assistente de cozinha Marcia Conceição, mas ela tende a Bolsonaro por influência do marido evangélico.
Ele ouviu do pastor que Bolsonaro é contra o ensino de educação sexual nas escolas. "Tem aquela coisa lá do kit gay (material elaborado em 2011 para promover a não-discriminação por orientação sexual nas escolas). Tenho cinco filhos e acho que não tem necessidade de os meus filhos aprenderem sobre sexualidade tão cedo", afirma.
Ela também se diz assustada com informações que recebe pelo Whatsapp sobre gênero e sexualidade.
No entanto, diz ser contra o "radicalismo" do candidato em relação a pessoas homossexuais. "Tenho vários amigos homo e não tenho nada contra, então não sei o que fazer."