Elo com Tarcísio, apoio da Câmara e incertezas com o bolsonarismo: o que Nunes vai enfrentar à frente da Prefeitura de São Paulo?
Prefeito foi reeleito neste domingo, 27; cientistas políticos analisam cenário desafios e facilidades que o emedebista pode lidar no cargo
Entre um candidato à esquerda e outro à direita, 59,35% dos eleitores de São Paulo optaram por manter o que já é conhecido por perto e reelegeram Ricardo Nunes (MDB) para governar a cidade mais rica e populosa do Brasil ao invés de Guilherme Boulos (PSOL). Por mais que já estivesse no posto, Nunes, agora, enfrentará novos desafios, uma gestão mais entrosada com o governo do Estado, bem como dúvidas em relação ao elo com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à aprovação do público bolsonarista, que caiu na graça de Pablo Marçal (PRTB).
Pensando na força do bolsonarismo, a vitória de Nunes corrobora com setores que defendem alianças com partidos e políticos de centro-direita ou de centro, relação complicada que envolve uma série de nuances. “Essa aliança não é fácil. Mas a vitória de Nunes pode estreitar um pouco a importância dessa aliança. Vai depender de como Nunes e seu grupo mais próximo vão lidar com isso”, afirma Sergio Simoni Jr, professor doutor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).
Isso porque, relembra o cientista político, por mais que Nunes tenha dito ao longo da eleição que o Bolsonaro é bem-vindo, “ao mesmo tempo, não quer muito o ex-presidente presente”. Por conta da relação ambígua que os dois tiveram nessa corrida eleitoral, Sergio vê alguns cenários. “Ele pode talvez não dar muita bola, não fazer realmente muita aliança com o bolsonarismo. Mas tem a possibilidade dele estreitar essa aliança”.
Em seu discurso de vitória, por exemplo, os elogios da vez foram direcionados ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e não a Bolsonaro, que só foi citado de maneira tímida e uma única vez, quando Nunes se referiu à indicação de seu vice Coronel Mello Araúdo pelo ex-presidente.
Sobre perfil e projetos, a vitória de Nunes significa uma continuidade de um jeito de gerir políticas públicas em São Paulo que vem sendo utilizada nos últimos anos, ainda que com mudanças dele para o Bruno Covas e para o Dória, mas “um tipo de gestão que tem alianças com forças importantes da Câmara Municipal, que tem muito dinheiro em caixa”, complementa Sergio.
Esse fluxo pode ser revisto daqui a dois anos caso Ricardo Nunes dispute alguma eleição estadual. “É algo que está sempre presente nos mandatos de prefeitos. Muitos ficam apenas dois anos. E, nesse sentido, o Ricardo Nunes tem mais incentivos para sair do que teria Boulos, porque ele entra já no seu segundo mandato”.
São Paulo de olho em 2026
A eleição de São Paulo é importante não só por conta do contexto político da capital, mas por acabar servindo como termômetro para a próxima eleição presidencial, no caso, a de 2026. Isso tanto no sentido de avaliar a relação com as forças nacionais e qual frente política pode se fortalecer nos próximos dois anos a partir do resultado do pleito, como para ‘fisgar’ nomes que podem seguir em ascensão e impactar esse futuro próximo.
Em agenda de campanha, Nunes chegou a declarar que Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, foi “a grande figura dessas eleições” e se mostrou um “grande líder”. Diferente de Bolsonaro, que viu o bolsonarismo rachado por conta do destaque de Marçal, Tarcísio seguiu ao lado de Nunes – e a vitória do emedebista também o impacta.
Tarcísio tem mantido um governo bem avaliado entre os eleitores. Em meio às pressões e rumores políticos, ele afirma com todas as letras que seguirá no Estado e não se candidatará à presidência em 2026. Segundo ele, quem representará a direita será Jair Bolsonaro – por mais que, até o momento, o ex-presidente se mantenha inelegível pela Justiça Eleitoral até 2030.
Mas, mesmo com o político frisando que pretende manter sua relação com o governo do Estado, ele também é avaliado como alguém com um “potencial pré-presidenciável”, por mais que formalmente não indique isso. É o que avalia Isabela Kalil, antropóloga social e professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Ela também é co-coordenadora do Observatório da Extrema Direita (OED Brasil), iniciativa dedicada a monitorar e analisar governos, partidos, movimentos da direita radical e da extrema direita.
“Eu acho sintomático que a gente tenha o [Gilberto] Kassab, líder do PSD, cujo pré-presidenciável natural seria do próprio partido Ratinho Júnior, apontando o Tarcísio como sendo essa figura”, complementa Isabela. Em entrevistas nos últimos meses, Kassab pontuou que Tarcísio deveria investir na reeleição estadual em 2026 e que estará pronto para disputar a Presidência da República em 2030 – ano em que, pelo que está dado até o momento, Bolsonaro voltará a ser elegível.
Pablo Marçal, que já era conhecido pelas redes sociais e alavancou ainda mais sua imagem nas eleições de São Paulo, também promete seguir no jogo em 2026. A dúvida, segundo discurso do próprio ex-coach, é se ele vai se candidatar à Presidência ou a um governo do Estado. O que se sabe é que ele movimenta o bolsonarismo, por mais que não tenha apoio direto de Bolsonaro – que o acusou de ter ‘dado muita dor de cabeça’ durante a campanha do segundo turno.
Para a antropóloga social, no caso de Marçal, é preciso esperar a resposta das ações judiciais contra ele, principalmente das em âmbito eleitoral. “Principalmente pela divulgação do laudo falso próximo da eleição, no primeiro turno, que coloca o Marçal numa situação um pouco mais complexa”, diz Isabela. Com a inelegibilidade de Bolsonaro mantida como o previsto, os cenários para 2026 são múltiplos e seguem em formação.
“[Olhar para a eleição de] São Paulo, digamos, é quase que olhar para o preditor da eleição nacional em 2026” – Isabela Kalil
Bolsonaro só esteve ao lado de Nunes em dois momentos ao longo da campanha, um no primeiro turno e outro no segundo. Para Isabela, a presença apagada de Bolsonaro também acontece devido à alta taxa de rejeição do ex-presidente e que, inclusive, Boulos tentou usá-la para atacar Nunes.
A menos de uma semana para o segundo turno, Bolsonaro se uniu a Tarcísio de Freitas em um evento de apoio a Ricardo Nunes. O ex-presidente deixou claro o quanto, com a vitória de Nunes, São Paulo terá “um bom governo bem entrosado com o governo do Estado”. Michel Temer (MDB), Baleia Rossi (MDB) e Rogério Marinho (PL) também marcaram presença no evento.
Durante a agenda, Bolsonaro fez um discurso curto, objetivo e sem grandes elogios a Nunes. Pediu votos, mas sem enaltecer o emedebista, mantendo o mesmo tom desde o início da campanha: tímido e um tanto distante.
"A campanha aqui não é minha, é do nosso prezado Nunes. Temos uma jornada pela frente ainda (...) O voto de todos nós tem que ser contado. Sabemos que [o número de] abstenções é grande. Devemos participar, por convicção, por entendimento, que o melhor para São Paulo é a continuidade de Ricardo Nunes. Boa sorte, Ricardo. Estou torcendo por você e pelo nosso Brasil", declarou.
Antes, durante a corrida eleitoral, Bolsonaro apareceu em São Paulo apenas no 7 de Setembro, feriado da Independência – em evento na Paulista em que a presença de Marçal, com apoio expressivo de bolsonaristas, ofuscou Nunes.
“São duas instâncias de rejeição, uma dos candidatos em si, e a outra dos seus padrinhos políticos. Há uma combinação dessas duas coisas” - Isabela Kalil
Apoios na Câmara
Como uma gestão de direita que permeia o centro-direita, Nunes deve encontrar uma relativa vantagem em relação aos apoios da Câmara Municipal, seguindo o que já construiu neste primeiro mandato. Ele já tinha apoio do Centrão, com o então presidente da Câmara, Milton Leite, e deve continuar apoiado por esse grupo.
Por mais que, neste ano, o partido com mais vereadores eleitos seja o PT, com 8 representantes, a grande massa conta com a forte presença do MDB, PL e União, que garantiram 7 vereadores cada. Na eleição de 2020, o partido com mais vereadores foi o PSDB, com 8 políticos eleitos – e, agora em 2024, não elegeu nenhum candidato.
O vereador mais votado foi Lucas Pavanato, do PL. De esquerda, a mais votada foi Amanda Paschoal, do PSOL. Confira o nome dos 55 vereadores eleitos, por partido:
Confira, também, o que mudou na Câmara:
Para acompanhar de perto: segurança pública
Na campanha, Nunes apostou em taxar Boulos de “agressivo e extremista” e tentou opor o candidato a pautas alinhadas à direita – como questões em torno da polícia militar, drogas e aborto. Ele usou esse discurso como oportunidade para levantar seus projetos de apoio à segurança e à ordem pública.
Em seu plano de governo, por exemplo, consta projetos para aumentar o efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e aumentar a presença da guarda “em horários e locais estratégicos, como escolas, fazendo a ronda escolar, avançando na gestão integrada entre diferentes órgãos, ampliando e fortalecendo as ações em parceria com o governo estadual e a sociedade civil”. Nos debates, por diversas vezes, ele se mostrou um aliado das forças policiais.
A antropóloga social Isabela dá destaque a esse assunto como um dos desafios de Nunes neste novo mandato. Ela explica que há uma tendência entre as cidades de tornar a questão da segurança pública um tema municipal. O papel da Guarda Municipal – ou seus equivalentes, em outras capitais –, não é o de polícia, mas tem cada vez mais desempenhado esse papel. “Uma polícia para chamar de sua”, diz, com relação ao que tem acontecido. O foco principal dessas equipes seria o de defender o patrimônio.
As polícias são de responsabilidade do Estado. Sendo assim, “uma articulação em termos de segurança pública faz muita diferença. Faz muita diferença o quão articulada você está ou não com o governador, ou com o governo do Estado”. Para ela, devido a esse apelo, essa pode ser uma questão que siga mantendo Nunes e Tarcísio próximos.
“E não estou dizendo que uma eventual articulação maior na área da segurança pública entre Nunes e Tarcísio seja resolver problema de segurança pública, porque Tarcísio tem uma atuação na segurança pública que ela é controversa – inclusive na operação do Guarujá [no litoral de São Paulo]. E são perfis muito diferentes, por exemplo, do Boulos, em relação à repressão ao crime”, finaliza a especialista.
No caso de Guarujá, ela se refere à Operação Escudo, que deixou 28 pessoas mortas de julho a setembro de 2023. Depois, entre fevereiro e abril deste ano, a Operação Verão deflagrada pela Polícia Militar na Baixada Santista, litoral de São Paulo, deixou 56 pessoas mortas em ações policiais.
Mortes causadas por policiais militares no Estado de São Paulo cresceram 71% no primeiro semestre do ano, o segundo ano da gestão Tarcísio. Nos primeiros seis meses foram 344 óbitos. Até então, a ação policial mais letal da história do Estado de São Paulo aconteceu em 1992, há mais de 30 anos, quando 111 presos foram mortos.
Por mais que estar alinhado com o governo do Estado não seja “um pré-requisito para governar”, como pontua Hannah Maruci, doutora em Ciência Política pela USP, a proximidade dos políticos deve impactar na facilidade com que políticas públicas serão implementadas, com que o orçamento seja repassados e eventuais convênios firmados. Se Boulos fosse eleito, por exemplo, a proximidade maior da cidade se daria com o governo federal.
Voto periférico
Isabela Kalil destaca que essa foi a primeira vez que São Paulo teve um segundo turno com um embate entre dois candidatos que são da periferia. “Nunes é da periferia e traz isso como uma construção, tanto do sujeito quanto da política”, diz, citando o caso do abraço que os dois tiveram no primeiro debate do segundo turno.
Na ocasião, após uma encarada, Nunes respondeu para o adversário: “Você não vai me intimidar, sabe por quê? Eu vim da periferia, do Parque Santo Antônio. Eu não tenho medo de nada. Só de Deus". E Boulos respondeu: "Jamais".
“Por outro lado, o Boulos, embora não tenha nascido na periferia, ele mora no Campo Limpo e tem uma trajetória que é ligada [à periferia], tanto que teve uma votação expressiva no seu entorno, na região onde ele mora”, complementa. Por isso, para Kalil, essa eleição trouxe a importância do voto periférico, da disputa pelo voto da periferia nas duas candidaturas.
“As periferias em São Paulo são diversas. [...] A periferia tradicionalmente seria, e foi, mais da esquerda, mas agora está em disputa, eu acho que esse é o ponto.” – Isabela Kalil
No primeiro turno, os eleitores se dividiram entre Boulos, Nunes e, também, Marçal. O ex-coach também teve votos expressivos em regiões periféricas, chegando a ganhar em algumas zonas. No total, Boulos e Marçal foram os mais votados em 20 zonas eleitorais e Nunes em 17.
Já no segundo turno, Nunes venceu em todas as zonas eleitorais de Marçal e dominou 17 das zonas em que Boulos havia se destacado na primeira votação. Das 57 zonas eleitorais da capital, Nunes ficou com 54. O psolista ficou pouco mais de 1 milhão de votos atrás do emedebista e venceu apenas em 3 zonas, Bela Vista, Piraporinha e Valo Velho -- perdendo, inclusive, no Campo Limpo, onde vota e mora.
Nunes e Marçal racharam a direita no primeiro turno. O cientista político Simoni Jr complementa que isso ocorreu parte pelas questões internas do bolsonarismo sobre quem apoiar e parte pelas dificuldades de Nunes em ser carismático. “Que é o que o Marçal tem de sobra”, avalia.
Porém, ao mesmo tempo que Nunes tem pouco carisma, e desperta menos emoção e entusiasmo do que Boulos e Marçal, ele “tem apoio de grande parte da máquina dos vereadores que fazem campanha nos territórios, e também tem o dinheiro da prefeitura, de investimentos, gastos e inauguração”, finaliza Simoni Jr. E, no fim, foi Nunes quem levou a melhor.
Migração de votos de Marçal
A cidade de São Paulo teve o primeiro turno mais acirrado de sua história na primeira etapa da votação. O resultado se deu apenas com 99,52% das urnas apuradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), às 21h07. Pablo Marçal ficou na terceira colocação com 28,14% (1.719.274 votos) -- uma diferença de 56.853 votos para alcançar Boulos.
Como aponta Isabela Kalil, o desempenho de Boulos poderia ter sido melhor caso eleitores não tivessem se confundido e apertado o 13 – número do partido de Lula –, ao invés do 50, número de Boulos, do PSOL.
Aproximadamente 48,1 mil eleitores da cidade de São Paulo anularam seus votos durante o primeiro turno das eleições por terem digitado 13, a partir do Registro Digital de Voto das urnas da capital, disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Se esses votos tivessem sido direcionados a Boulos, a distância dele para Marçal dobraria no primeiro turno.
Além dos votos nulos com o número 13, outros 18 mil eleitores escolheram o “22”, do PL, partido associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que apoia Nunes.
Marçal não apoiou ninguém no segundo turno e, inclusive, indicou acreditar na vitória de Boulos: “Eu não indo pra lado nenhum e liberando o eleitorado, o que eu acho que é justo, 45% dos meus votos, certamente, o Lula vai, com humildade, tomar de volta”. Segundo ele, em afirmação feita com base na distribuição de votos que recebeu pelas regiões de São Paulo, quase metade de seus apoiadores não foram eleitores de direita.
Ele chegou a dizer que voltaria atrás e apoiaria Nunes, mas, para isso, elencou uma longa lista de pessoas que teriam que se desculpar e retratar publicamente pela forma que o trataram na eleição. Ele citou Jair Bolsonaro, Ricardo Nunes e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, Eduardo Bolsonaro e Silas Malafaia. Mas isso não ocorreu. Mesmo com sua falta de posicionamento, Nunes foi favorecido.
Vantagens de Nunes
Por ser o atual prefeito, “um incumbente”, como falado na ciência política, Nunes teve vantagens nessa corrida eleitoral. Além do fato de ele estar com a “a máquina” em mãos, dada as características da reeleição no Brasil, existe a perspectiva do eleitor de que o prefeito poderia ter mais tempo para conseguir fazer as coisas em caso de reeleição. “Ainda mais no caso do Nunes, né, que herda um mandato que não foi eleito, que pega o mandato como vice”, pontua Isabela Kalil.
O emedebista se uniu a Gilberto Kassab (PSD) e Bruno Covas na lista de mandatários que conseguiram ocupar duas vezes a chapa que lidera a capital paulista. Vale lembrar que, desde o fim da ditadura militar brasileira, em 1985, a cidade de São Paulo teve 11 prefeitos diferentes e nenhuma reeleição. Kassab e Covas não foram propriamente reeleitos, já que eles assumiram o posto como vices em seus primeiros mandatos. Essa é a mesma situação do atual prefeito.
Outro ponto que pesou a favor de Nunes, como pontuou Isabela, foi o fato de que por mais que Boulos tenha experiência em sua posição política como deputado, Nunes já é conhecido como prefeito. “Para o eleitor que quer arriscar menos, o Nunes já é conhecido. Boulos tem um fator surpresa maior”.
Desde 1992, primeiro ano em que foi realizado o 2º turno na capital paulista, todas as eleições municipais tiveram dois turnos, com exceção a de 2016–quando Doria venceu Haddad, que buscava a reeleição. No total, foram oito disputas. E, em sete delas, o candidato que se destacou na primeira rodada venceu a eleição – já contabilizando a deste ano, em que Nunes repetiu o feito.
O Plano de Governo de Ricardo Nunes, protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem 68 páginas divididas “meio a meio” com descrição do que já foi feito pelo político e promessas para começarem a ser tocadas em 2025. São quatro pilares principais: desenvolvimento social e inclusão; fortalecimento da economia, estímulo ao empreendedorismo e geração de empregos e renda; investimento em infraestrutura urbana, mobilidade sustentável e habitação digna; modernização da gestão pública. Nesta matéria, confira os pontos principais do plano de Nunes, compilados pelo Terra.