Ex-mulher acusou Bolsonaro de ameaça de morte, diz Itamaraty
Informação consta em documento interno do ministério; em vídeo, Ana Cristina nega
A ex-mulher do candidato à Presidência da República nas eleições 2018, Jair Bolsonaro (PSL), a advogada Ana Cristina Valle, afirmou a um funcionário da embaixada do Brasil na Noruega ter sido ameaçada de morte por ele. O episódio ocorreu em 2011, segundo confirmou ao "Estado" o então embaixador em Oslo, Carlos Henrique Cardim. O relato foi registrado em um telegrama interno do Itamaraty revelado na tarde desta terça-feira, 25, no site do jornal "Folha de S.Paulo".
Atualmente, Ana Cristina é candidata a deputada federal no Rio pelo Podemos e usa o sobrenome Bolsonaro no material de campanha. Em vídeo divulgado na noite de desta terça-feira nas redes sociais entre simpatizantes do presidenciável, Ana Cristina negou ter sofrido ameaça. "Nunca (me ameaçou de morte). Pai do meu filho, meu ex-marido. Ele é muito querido por mim e por todos. Ele não tem essa índole para poder fazer tal coisa", disse.
Cardim informou que, na última semana de julho daquele ano, recebeu um telefonema do deputado Jair Bolsonaro pedindo ajuda para lidar com uma situação familiar. "Ele foi muito educado", contou o diplomata. O parlamentar disse que sua ex-mulher havia viajado para a Noruega com o filho do casal, Jair Renan, acompanhada de seu então companheiro. "Ele queria saber a situação do filho menor", disse. Segundo informação publicada pelo jornal "O Globo" na época, Bolsonaro teria também acionado a Polícia Federal. Ele acusava a ex-mulher de haver viajado sem autorização e sequestrado a criança.
À época, o telefonema ao embaixador ocorreu no fim de semana. Na segunda ou na terça-feira, Cardim recebeu um telegrama da sede do Itamaraty pedindo atenção para o mesmo caso. Ele incumbiu o então vice-cônsul, Mateus Henrique Zoqui, de procurar Ana Cristina para saber notícias do menino. O funcionário da embaixada entrou em contato com ela e foi informado que a criança estava com ela e passava bem. Como de praxe nesses casos, Zoqui informou Ana Cristina que o pai poderia solicitar o retorno do menor ao Brasil, com base na Convenção de Haia, uma vez que a residência habitual do menino era com o pai.
Ana Cristina disse então a Zoqui que havia saído do Brasil por ter sido "ameaçada de morte" por Bolsonaro. E que, por isso, poderia pedir asilo político naquele país. Um relato da conversa foi enviado por telegrama ao Itamaraty em Brasília.
Segundo Cardim, todo esse trabalho é parte da rotina das embaixadas e consulados do Brasil no exterior. Prestar assistência a brasileiros no exterior é uma das funções do Itamaraty. "É da nossa rotina", disse. "A gente ouve os cidadãos, orienta conforme a legislação brasileira."
As informações que constam do telegrama são um simples relato do que aconteceu e o que foi dito por Ana Cristina. Segundo explicou o diplomata, não cabe ao Itamaraty verificar se a situação ocorreu ou não de fato. "Nossa função é dar apoio aos cidadãos, não é resolver os problemas deles", afirmou.
O Itamaraty tem uma área consular que se dedica a fazer esse trabalho de dar apoio a brasileiros no exterior. E, na maior parte dos casos, é acionada a partir do Brasil, segundo fontes da área. Assim, o caso de Bolsonaro, de um pai procurando o ministério para ter informações de um filho levado ao exterior pela mãe, não tem nada de atípico, explicam.
Nem mesmo o fato de ele haver telefonado diretamente para o embaixador no fim de semana é visto como um tratamento privilegiado. "É um cidadão brasileiro", disse Cardim.
Acordo judicial
Ana Cristina Valle desistiu de mover qualquer ação, inclusive criminal, contra Bolsonaro. Ele também abdicou de processá-la. A desistência mútua é fruto de um acordo judicial pela guarda do filho do casal. Bolsonaro e a ex-mulher travavam pelo menos três processos judiciais no Rio envolvendo o caçula do candidato, à época menor de idade.
Bolsonaro e Ana Cristina Valle entraram em acordo judicial pela guarda de Jair Renan em novembro de 2011. Na ocasião, ficou decidido que o jovem permaneceria sob a guarda do parlamentar e que, quando a mãe estivesse no Brasil, poderia ficar com o filho por pelo menos uma semana corrida. Bolsonaro assegurou que pagaria a ela anualmente R$ 5 mil dólares para que ela pudesse viajar da Noruega para visitar o filho, até que ele completasse a maioridade.
O deputado parou também de pagar a pensão alimentícia à ex-mulher. Ele continuaria depositando 3% dos rendimentos em uma conta poupança para o filho. O garoto não viajaria mais para a Noruega até completar 15 anos, quando poderia passar a visitar a mãe quando quisesse ou optar por morar com ela no exterior.
Procurado, o Itamaraty informou que não comenta casos de cidadãos aos quais presta assistência no exterior, em respeito ao direito constitucional à privacidade. Até a publicação da reportagem, Ana Cristina não havia respondido ao pedido de entrevista. A campanha de Bolsonaro também não tinha se manifestado sobre o assunto.