Frente evangélica tenta evitar que TSE puna abuso de poder religioso nas eleições
Tema deve voltar para o centro do debate do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto. Três ministros ouvidos pelo Estadão avaliam que a discussão é delicada e o desfecho do julgamento, imprevisível
BRASÍLIA - Deputados da Frente Parlamentar Evangélica preparam uma ofensiva para barrar a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) punir o abuso do poder religioso. O grupo pressiona os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e conta com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, os deputados apostam na mobilização de fiéis para evitar o avanço da medida, que retornará ao centro do debate do TSE em agosto.
Na última quarta-feira, 22, deputados da frente evangélica se reuniram com Maia e Alcolumbre. Nos dois encontros, os evangélicos pediram apoio na ofensiva, por receio de que a punição ao abuso de poder religioso coloque em risco a liberdade de culto. "É mais uma vez o TSE tentando usurpar competência (do Congresso) e inventar o que não existe", disse ao Estadão/Broadcast o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos mais atuantes da frente. "Temos, na legislatura, limites claros para ambientes públicos e inclusive para ambientes religiosos", afirmou.
O TSE iniciou no fim de junho a discussão sobre incluir o abuso de poder religioso como motivo para a cassação de políticos. Atualmente, o tribunal entende que apenas o abuso de poder político e econômico podem resultar na perda do mandato. O debate, levantado pelo ministro Edson Fachin, ainda está em fase inicial, mas já provocou forte reação nas redes sociais e mobilizou aliados do presidente Jair Bolsonaro, que veem uma "caça às bruxas" contra o conservadorismo.
O Estadão conversou nesta quinta-feira reservadamente com três ministros do TSE, que avaliam que o desfecho da discussão é imprevisível. O principal ponto em discussão é criar um novo tipo de abuso que seja punível do ponto de vista eleitoral, um debate considerado pelos magistrados como "muito delicado" e "disputado". "O que ocorre é que se trata de um tema novo, sem jurisprudência firmada, o que acarreta um estudo mais profundo", disse um ministro, que pediu para não ser identificado.
O deputado e líder religioso Marco Feliciano (Republicanos-SP) acredita que a legislatura atual já abarca regras sobre a possibilidade de abuso do poder religioso durante as eleições e que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não deve legislar sobre isso. "São claras e estão em lei: não pode fazer campanha dentro das igrejas e tampouco usar do aparato da organização religiosa em favor de um determinado candidato", disse ele ao Estadão/Broadcast. "O TSE não pode e não deve legislar, pois isso é competência privativa do Congresso Nacional", disse.
Para Feliciano, a questão deve ser resolvida no diálogo. "Partindo do princípio que os ministros do TSE são homens de bem, não posso acreditar em perseguição. O que pode haver, em alguma medida, é o preconceito em sentido lato, isto é: ter uma concepção a priori de algo sem conhecê-lo profundamente", disse.
Para o deputado, o que não pode haver é uso da organização religiosa - da pessoa jurídica igreja - para subverter a igualdade entre os competidores nas eleições. "Mas esperar que um evangélico não possa votar em um pastor que defende seus valores é tornar o brasileiro que professa essa fé um cidadão pela metade, um incapaz que deve ser tutelado pelo Estado", afirmou.
Audiência
O processo em questão no TSE gira em torno da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela é acusada de usar a sua posição na igreja para promover a sua candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016.
Relator do caso, Fachin votou contra a cassação da vereadora, por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para confirmar o "abuso de poder religioso". No entanto, fez uma série de observações em seu voto sobre a necessidade de Estado e religião serem mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores. Ainda propôs a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente levar à cassação de mandato de políticos - de vereadores a presidente da República.
"A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade", disse Fachin no julgamento.
A bancada evangélica agendou uma audiência com o ministro para discutir a questão no dia 5 de agosto. A intenção dos parlamentares é tentar barrar o avanço da proposta pelo diálogo e com o apoio dos chefes de poderes, como Bolsonaro, Alcolumbre e Maia. Em última instância, eles consideram uma mobilização popular para pressionar os ministros.
"Se o TSE e os TREs (tribunais regionais eleitorais) cumprirem e fiscalizarem o que já está legislado sobre templos religiosos, já o suficiente para coibir qualquer abuso", disse Sóstenes. Para ele, a tentativa de punição configura uma perseguição aos religiosos. "É uma clara retaliação as bancadas católicas e evangélicas que vêm crescendo e isso assusta quem tem preconceito", disse.
Além da audiência com Fachin, a bancada evangélica pretende também pedir uma reunião com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, assim que ele assumir o comando do STF, em setembro.
Estigma
Em outra frente, o presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), Uziel Santana, vai elaborar um memorial para convencer os ministros do TSE a não incluírem o abuso de poder religioso como motivo para cassar mandatos de políticos.
"Criar, via Poder Judiciário, uma tese que, no próprio nome, já estigmatiza e cria um preconceito velado contra os religiosos, é um atentado ao princípio democrático que fundamenta nossa Constituição. A lei já criou as figuras de abuso e esssas devem ser aplicadas indistintamente a todos os segmentos, inclusive religioso. Tenho certeza que o TSE vai rever esta tese antidemocrática e estigmatizante", disse Uziel ao Estadão.