Memes, funk e quizzes: a eleição do TikTok
Campanhas apostam na descontração e em conteúdos educativos para conectar políticos ao público mais jovem, principal nicho do app
Memes, coreografias elaboradas ao som de funk e quizzes: está tudo liberado para os candidatos que se lançaram no TikTok, rede social chinesa de vídeos curtos, de até um minuto, e "lives". Na primeira eleição com a plataforma consolidada entre as mais baixadas em smartphones, as campanhas apostam na descontração e em conteúdos educativos para conectar políticos ao público mais jovem, principal nicho do aplicativo.
É o que defende Josué Rocha, coordenador da campanha do candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), que acumula mais de 20 mil seguidores na rede. Um vídeo que gerou cerca de 430 mil visualizações mostra o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) indicando sim ou não para perguntas como "Ficaria com alguém que defende Bolsonaro?" e "Já te mandaram para Cuba?" - a primeira resposta foi negativa e a segunda, positiva. "A campanha (no aplicativo) mira o público jovem e engajado. A proposta é mostrar o Guilherme como ele é: um ser humano como qualquer um de nós", diz Rocha.
Segundo a consultora em marketing político Gisele Meter, o meme e o remix são dois pontos-chave para entender o funcionamento da plataforma. Ela compara o TikTok a uma espécie de "Twitter de vídeos", na qual um usuário precisa ser o mais conciso e atraente possível para atrair a atenção dos demais. "Eu não preciso fazer a dancinha da moda, mas posso pegar elementos dela, como a música ou parte da coreografia, para passar a mensagem que desejo", explica.
O artifício é a aposta da candidata Joice Hasselmann (PSL), que também postula a prefeitura da capital paulista. Dois de quatro vídeos publicados em seu perfil, que foi criado há pouco mais de um mês com a ajuda de uma sobrinha de 12 anos, têm em comum referências às personagens Peppa Pig e Miss Piggy, da série Os Muppets, apelidos que ganhou em 2018 em meio ao rompimento com parte da família Bolsonaro. Em vez de rebatê-los, como já fez no passado, os assumiu como parte de sua comunicação até na propaganda eleitoral.
Outros dois candidatos à Prefeitura de São Paulo, Jilmar Tatto (PT) e Arthur do Val (Patriota), estão na plataforma. O petista publicou um trecho do jingle da campanha e convidou apoiadores a interpretarem a música em seus vídeos. Já o deputado estadual postou três versões editadas de uma discussão que protagonizou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp): uma com trilha de música eletrônica, outra com a voz afinada e uma última com alusão à franquia Star Wars.
Para Catarina Neres, coordenadora de conteúdo da campanha da major Denice Santiago (PT) à prefeitura de Salvador (BA), que também tem perfil na plataforma, o TikTok transcendeu a estrutura de rede e já se tornou uma linguagem nativa da internet, adaptável a diferentes temas. Um exemplo disso foi um vídeo da candidata dublando a música Eu ligo pra ela, da rapper MC Soffia. A letra da música, composta exclusivamente para uma campanha no TikTok de combate à violência contra mulheres, dá comandos para que o usuário marque os nomes das amigas mais próximas e aponte para eles. "O vídeo tem um tom mais descontraído, mas também se falou de coisa séria. A partir dessa linguagem, dá para abordar todos os temas com o devido respeito e seriedade que cada um deles pede", diz.
Outra estratégia possível é destacar a vida em família, deixando de lado a postura de político. Clarissa Garotinho (PROS), candidata à prefeitura do Rio de Janeiro, publica vídeos de sua família reproduzindo correntes da rede. Um deles, inclusive, gravou com o seu pai, o ex-governador Anthony Garotinho: a coreografia consistia em balançar os joelhos com um remix da música Sentadão, do grupo Tequileiras do Funk, como trilha. "Até poucos anos atrás, havia a moda da hashtag 'sem filtro', que começava a mostrar uma tendência do usuário em querer mostrar e ver mais verdade nas mídias sociais. É importante que as pessoas conheçam (a candidata) verdadeiramente e não só de ouvir falar", diz Daniel Gama, do marketing da campanha.
E não apenas políticos estão no TikTok. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estreou há menos de uma semana na rede com um perfil que deve dar informações a respeito do processo eleitoral e indicações de como serão os dias de votação: um dos vídeos publicados resume em menos de 30 segundos o que é necessário e permitido levar no primeiro turno. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, fez as boas-vindas no perfil, direcionando-se aos jovens. "Gostaria de dizer que eu sou jovem também, só que há muito mais tempo", ressalta no vídeo, no qual também convida os seguidores a votarem neste ano.
Nicho
O TikTok pertence à desenvolvedora chinesa ByteDance e chegou ao Brasil em agosto de 2018, às vésperas das eleições presidenciais, mas ganhou popularidade nos anos seguintes. Em 2019 foi o segundo aplicativo mais baixado em todo mundo e, em abril deste ano, rompeu a barreira dos 2 bilhões de downloads, segundo levantamentos da plataforma de análise de dados Sensor Tower. Estima-se que existam pelo menos 800 milhões de usuários ativos por mês no planeta. Procurada, a plataforma diz que não divulga números referentes ao Brasil.
Ao contrário de outras redes que se viram em meio a polêmicas envolvendo o impulsionamento pago de propaganda eleitoral, o TikTok proibiu, em outubro de 2019, a veiculação de anúncios que promovam organizações partidárias e figuras políticas. "Os usuários buscam o TikTok porque o aplicativo oferece uma experiência positiva, alegre e divertida, que incentiva e acolhe a criatividade. A natureza de anúncios políticos pagos não é algo que acreditamos que se encaixe com a experiência que nossos usuários esperam no TikTok", afirmou em nota Ricardo Tavares, head de políticas públicas da rede no Brasil.
Por outro lado, somente isso não foi possível para esquivar a rede de polêmicas com políticos. Ela está em meio a um embate com o presidente norte-americano, Donald Trump, que acusa a empresa dona da rede social de roubar dados de usuários e também ameaça interromper o funcionamento do aplicativo no país. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.