Ministros do STF veem ataques de Bolsonaro a Barroso como estratégia
Para magistrados, presidente quer eleger um inimigo público e desviar foco de denúncias de corrupção no governo
BRASÍLIA - Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que os ataques do presidente Jair Bolsonaro à Corte fazem parte da estratégia de sua campanha para eleger um inimigo público e desviar o foco de denúncias de corrupção no governo. O respaldo dos militares à ofensiva de Bolsonaro também foi interpretado no STF como uma tentativa de ofuscar acusações de mau uso de dinheiro público por parte das Forças Armadas, como a compra de centenas de comprimidos do remédio Viagra.
Convencidos de que os movimentos de Bolsonaro têm por trás uma estratégia bem planejada para a disputa eleitoral, magistrados não querem dar palanque para o presidente. Na avaliação de ministros do STF, o apoio do Congresso a Daniel Silveira (PTB-RJ) - condenado pela Corte a oito anos e nove meses de prisão, por estimular atos antidemocráticos - não é especificamente ao deputado, mas tem ligação com o espírito de corpo que permeia as relações no Legislativo.
Ao participar nesta segunda-feira, 25, da abertura da 27ª Agrishow - Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação -, em Ribeirão Preto, Bolsonaro disse que o decreto de perdão a Silveira é "constitucional" e "será cumprido". Ele também elevou o tom de confronto à Corte e ameaçou descumprir decisão do Supremo sobre demarcação de terras indígenas, caso o novo marco temporal seja aprovado.
"(Quero) dizer a vocês (...): decreto da graça e do indulto é constitucional e será cumprido. No passado, soltavam bandidos, ninguém falava nada. Hoje, eu solto inocentes", afirmou o presidente que, mais adiante, se referiu à demarcação de terras indígenas. "Vocês sabem que, dentro do Supremo, tem uma ação que está sendo levada adiante pelo ministro (Edson) Fachin, querendo um novo marco temporal. Se ele conseguir vitória, restam duas coisas: entregar a chave para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa", completou ele, numa referência ao ministro Edson Fachin, relator da ação sobre o marco temporal.
Bolsonaro decidiu desafiar novamente o STF um dia depois de o ministro Luís Roberto Barroso dizer a uma turma de estudantes da Alemanha, no domingo, 24, que "é preciso ter atenção ao retrocesso cucaracha de colocar o Exército envolvido com política". Para Barroso, as Forças Armadas foram orientadas a promover ataques contra as eleições no Brasil.
Em nota oficial, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, classificou os comentários de Barroso sobre as Forças Armadas como "ofensas graves" a "instituições nacionais permanentes". "O Ministério da Defesa repudia qualquer ilação ou insinuação, sem provas, de que elas (as Forças Armadas) teriam recebido suposta orientação para efetuar ações contrárias aos princípios da democracia", diz o texto divulgado neste domingo, 24.
Em julho do ano passado, o Estadão revelou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), havia recebido um duro recado do então ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por meio de um importante interlocutor político. O general pedira para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições neste ano sem voto impresso e auditável no País. À época, o Congresso ainda não havia rejeitado a proposta de emenda à Constituição que previa o retorno do voto impresso.
O próprio Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto em outras ocasiões. "Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", disse ele várias vezes. Braga Netto é hoje o nome mais cotado para candidato a vice na chapa do presidente, que disputará novo mandato.
Para magistrados ouvidos pelo Estadão, as declarações do titular da Defesa, classificando Barroso como "irresponsável", seriam, na verdade, uma tática para sair da agenda negativa. Os militares sofreram desgaste de imagem após o escândalo de compra de Viagra e próteses penianas pelos quartéis.
Embora haja no STF ministros que tenham considerado desnecessárias as afirmações de Barroso nessa escalada de ataques, há uma espécie de pacto pelo silêncio a partir de agora. Unidos em busca de uma solução para o impasse criado por Bolsonaro no caso Silveira — dos 11 integrantes da Corte, apenas Kassio Nunes votou pela absolvição do parlamentar -, os magistrados combinaram de evitar mais exposição para a Corte em um momento delicado.