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Não pretendo ser "Posto Ipiranga" de Moro, diz conselheiro

Para economista, desafio é estabelecer um "arcabouço macroeconômico para refazer a responsabilidade fiscal do País"

18 nov 2021 - 17h02
(atualizado às 18h11)
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Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Liderado pelo ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, o plano para a economia do agora assumidamente presidenciável Sérgio Moro (Podemos) terá foco no combate à pobreza, crescimento com distribuição de renda e responsabilidade fiscal.

Moro postou ontem nas redes sociais foto do livro 'Erros do Passado, Soluções para o Futuro' do economista, de 83 anos, como um recado da escolha de Pastore como seu conselheiro econômico. O grupo que Pastore reuniu vê o ex-juiz e ex-ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro como a terceira via nas eleições de 2022 e já começa a desenhar plano econômico.

Ao Estadão, Pastore detalha como se aproximou de Moro e as ideias que pensa para o Brasil em 2023. Mas diz que não tem pretensão nenhuma de ser o "Posto Ipiranga" de Moro como o ministro Paulo Guedes é de Bolsonaro.

Por que o sr. topou ajudar Moro na candidatura à Presidência em 2022?

Moro, tanto quanto o Eduardo Leite, o (João) Doria, o (Luiz Henrique) Mandetta e outros, está tentando construir uma terceira via que não é nem o PT e nem o Bolsonaro. Eu não sei, nem o ministro Moro e nem outros candidatos sabem exatamente onde isso vai dar, mas a ideia é ter um mapa sobre que tipo de contribuição se pode dar numa discussão sobre terceira via, na qual cada um desses nomes que eu mencionei pode ser o candidato. O ministro Moro julga que ele tenha a possibilidade de vir a ser o candidato e que haja discussões muito bem feitas sobre o tipo de País que precisaria mudar do ponto de vista de retomada do crescimento econômico e distribuição de renda. É natural que ele procure economista. Eu conheço ele há muito tempo, desde quando a Cristina (a economista Maria Cristina Pinotti), minha esposa, escreveu o livro sobre Lava Jato e Mãos Limpas. O que ele quer de mim é uma contribuição do campo econômico para ver se essa terceira via se torna viável.

O sr. não pode virar o 'Posto Ipiranga' do ex-ministro Moro?

Eu não tenho nenhuma pretensão de ser 'Posto Ipiranga' de ninguém. O que eu tenho feito com o ministro Moro é expor minhas ideias e ouvir os contrapontos. Desculpa, eu não vou falar em nome dele. Ele vai falar em nome dele. Eu não tenho nenhum engajamento de dar repostas por ele. O que me anima é que ele está disposto a me ouvir. Eu vou dizer o seguinte: ele tem uma noção muito clara dos problemas econômicos e é capaz de colocar perguntas inteligentes que encaminhem a discussão para respostas que façam sentido. É uma coisa muito diferente de uma relação de economista com alguém que não entende nada e não quer entrar na discussão.

O sr. está sozinho ou representa um grupo de economistas que está conversando com ele?

Evidentemente, não se consegue fazer isso tudo sozinho. Outras pessoas vão colaborar. O que estamos fazendo é conversar com pessoas que possam ajudar. O importante não são as pessoas, mas os temas. Eu tenho conversado com pessoas que possivelmente vão colaborar. Estamos ainda montando isso. Por isso, prefiro agora falar dos temas. No devido tempo, teremos as pessoas que estarão trabalhando.

Quais são os temas principais?

Será preciso um arcabouço macroeconômico para refazer a responsabilidade fiscal do País. Não porque isso seja um objetivo em si de um governo. Mas são necessárias condições para que se possa criar um programa que retome o desenvolvimento econômico e melhore a distribuição de renda dentro do País. Na promoção do desenvolvimento econômico há um conjunto de coisas que é preciso fazer. Precisamos de reformas tributárias de bens e serviços e do Imposto de Renda. Precisamos criar as condições para abrir a economia brasileira ao setor externo. É importante que se dê uma correta dimensão de qual é o tamanho do Estado na economia. Eu quero gastar um tempo discutindo isso.

O combate à pobreza será uma questão central?

O CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas) está preocupado com isso porque o Brasil tem uma desigualdade de distribuição de renda muito grande. Nós estávamos começando a melhorar esse problema e fizemos o Bolsa Família, que ataca um pedaço da pobreza e condiciona a transferência de renda para que a criança vá para escola. Mas o País voltou para trás nesse campo. A pandemia provocou um efeito muito grande deixando uma quantidade de pessoas desassistidas. Mas que dimensionar o que é preciso fazer para eliminar o problema de pobreza absoluta e pode ser numa linha do trabalho que o CDPP fez. Tem trabalho do Vinicius Botelho, Fernando Veloso, do Marcos Mendes. Mas tem outros. Tem o Ricardo Paes de Barros trabalhando numa linha como essa. Ele montou o Bolsa Família. Essas são pessoas que no fundo você envolve numa discussão de combate à pobreza, que num governo de terceira via, de centro, tem obrigação de fazer. A ação do governo não é ser o Estado mínimo. Ele tem funções sociais extremamente importantes. Não é só maximizar a taxa de crescimento econômico. Mas como a sociedade como um todo se beneficia do crescimento econômico.

Esse é um ponto central nas discussões com Moro?

Esse é o motivo central porque eu estou começando a me envolver com o doutor Moro. Mas é um tipo de discussão que é oferecida com um caminho através do qual se possa melhorar o desempenho País.

Por que o sr. avalia que Moro seria o candidato ideal?

Quando a gente se aproximou ele perguntou: "Você quer cooperar comigo?". Eu disse: "Vou dizer o que eu acho que precisa no Brasil e nós conversamos". Quando ele resolveu entrar para a política, ele começou a fazer contato comigo. Tivemos uma série de reuniões iniciais. Em primeiro lugar, eu não sei se ele será o presidente da República. Eu sei que ele está envolvido num exercício de construção de uma terceira via. Pode ser ele e pode não ser ele. Se for ele, o produto está feito. Se não for, o produto poderá ser entregue para quem for o líder da terceira via. O meu relacionamento com o ministro Moro é saber se ele concorda com o meu ponto de vista e se eu concordo com a visão que ele tem de como conduzir o Brasil. Esse é um projeto que me agrada. Eu fui procurado pelo Moro. Eu não fui procurado por outro candidato. E houve absoluta concordância de como transformar o Brasil. Um enfoque positivo e que valia a pena ser perseguido. É natural que eu coopere com ele trazendo mais pessoas que queiram cooperar. É uma coisa que está em progresso e eu gostaria de deixar os nomes para um segundo momento.

O ex-ministro Moro foi um dos avalistas do governo Bolsonaro. Esse ponto não o atrapalha a sua candidatura?

Essa é uma coisa que ele vai ter que explicar. Ele saiu do governo Bolsonaro por discordância. O que isso representa de custo ou benefício político eu não sou capaz de avaliar. O que eu sou capaz de avaliar é o que ele pensa de economia. O relevante para uma decisão minha não é ele ter entrado no governo passado e ter saído. É o que ele pretende fazer daqui para frente em relação a esse País, que é o meu. Nesse sentido, eu não tenho nenhuma discordância no plano econômico.

O presidente Bolsonaro também ganhou o aval durante a campanha do ministro Paulo Guedes e está fazendo uma política diferente do que ele prometeu.

Eu não sei o que o Paulo Guedes prometeu quando ele aceitou ser ministro. Eu não estou fazendo o jogo de virar ministro. Eu estou com 83 anos, quando o novo presidente - que eu espero seja da terceira via - ganhar, eu estarei com 84 e não pretendo gastar o resto da minha vida preso em Brasília. Eu estou dando uma cooperação espontânea de um cidadão que a vida inteira deu aula de economia e acumulou conhecimento. Eu não negociei nada.

Como o sr. avalia da atuação dele como juiz, que levou à prisão do ex-presidente Lula, tirando o adversário do presidente Bolsonaro na eleição de 2018?

Em primeiro lugar, eu não sou advogado. Em segundo lugar, não sou juiz. Eu vi o Supremo condenando o Lula e vi o Supremo livrando o Lula sem o absolver. Você está colocando uma dúvida como ele agiu como juiz. Eu levanto a questão: como os juízes todos de instâncias maiores e menores agiram no caso do Lula? Essa é uma pergunta que eu gostaria que fosse feita. O juiz Moro é criticado por ter usado erradamente a sua posição de juiz. Essa é a crítica. O juiz Moro não decidiu sozinho nisso. O Supremo também deu o respaldo e depois tirou o respaldo. Nós temos que ter uma profunda discussão sobre qual é o papel do sistema Judiciário no Brasil no combate à corrupção. Não tenho nada de religioso em relação à corrupção. Há uma coincidência de países que crescem pouco e países que têm altos graus de corrupção.

O governo Bolsonaro está promovendo medidas eleitoreiras que podem agravar a situação fiscal em 2023?

Já tivemos uma âncora fiscal com o Fernando Henrique com metas de superávit primário. Aquilo funcionou tão bem que o Lula no seu primeiro mandato usou com sucesso essa mesma âncora. Ele tinha um defeito porque, como não tinha controle de gasto, só foi mantida com aumento de tributos. Essa meta fiscal foi jogada fora pela Dilma quando ela criou uma nova matriz macroeconômica e o Brasil perdeu o grau de investimento. O Temer tentou com um gesto político fazer reformas que permitissem controlar gastos. Tivemos sucesso parcial, que foi a aprovação da reforma da Previdência, mas não se chegou ao fim da consolidação fiscal, infelizmente. Veio a pandemia e realmente eu diria que a política fiscal virou uma pandemia. Teremos que remontar um conjunto de procedimentos fiscais que imponha ao governo e ao Legislativo e todas as esferas de governo o compromisso com a responsabilidade fiscal. Qualquer governo que comece em 2023 vai ter que criar um arcabouço fiscal que tire o desequilíbrio desse problema da frente e construir a agenda de retomada do crescimento e melhora da distribuição de renda.

Estadão
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