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Parentes firmam pacto de silêncio para evitar briga política em casa

Acordos preveem que preferências partidárias fiquem fora dos almoços de domingo; dificuldade em dialogar e violência marcam eleições de 2022

17 set 2022 - 16h21
(atualizado às 16h34)
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Lula e Bolsonaro em eventos em agosto de 2022.
Lula e Bolsonaro em eventos em agosto de 2022.
Foto: Ricardo Stuckert e CNA/Divulgação / Estadão

Manuelly dos Santos, de 34 anos, e Miller dos Santos, de 28, cresceram juntos e sempre viveram em harmonia. Nos últimos três anos, no entanto, a relação dos irmãos foi posta à prova conforme divergências políticas passaram a marcar os almoços familiares de domingo. Discussões cada vez mais acaloradas e acusações mútuas estremeceram a amizade que só pôde ser retomada com a decisão de ambos evitarem temas político-eleitorais. Era o silêncio ou a distância.

Os irmãos Miller seguem uma conduta cada vez mais adotada nos lares brasileiros e não apenas em função de preferências eleitorais. A pandemia, em especial, também virou um fator de conflito. Segundo pesquisa realizada pelo centro de estudos InternetLab neste ano, 50% dos brasileiros optam por não falar sobre política em grupos familiares de mensagens para evitar brigas.

A pesquisadora Ester Borges, bacharela em Relações Internacionais pela USP e coordenadora do estudo, afirma que as pessoas têm se policiado cada vez mais para não politizar mensagens no WhatsApp ou outros aplicativos. "É uma ética criada pelas próprias pessoas. Não existe nada nas plataformas que incentive esse comportamento", diz.

A medida tem relação, de acordo com outros levantamentos, com o medo da violência que hoje marca a política nacional. Nos últimos anos, o cenário de polarização elevou o tom e hoje 67,5% dos brasileiros afirmam sentir medo de serem agredidos fisicamente pela sua escolha política ou partidária, segundo pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade).

Inimigos

Neste ano, a quantidade de atos de violência faz com que a eleição de outubro se diferencie de todas as demais. O radicalismo já culminou em episódios como o de Confresa (MT), onde o apoiador de Bolsonaro Rafael Silva de Oliveira, de 22 anos, matou o petista Benedito Cardoso dos Santos, de 44, e ainda tentou decapitá-lo.

Estudo feito pela UniRio indica que casos de violência política aumentaram 335% no Brasil nos últimos três anos. De janeiro a junho de 2022, foram mapeadas 214 ocorrências, número 4,5 vezes maior do que as 47 identificadas no mesmo período de 2019.

Os debates familiares não chegaram a tal ponto na casa de Manuelly e Miller, mas as acusações verbais também deixaram marcas. Os irmãos perderam a mãe em 2020 depois de ela contrair covid-19. "Não consigo entender como minha irmã consegue isentar o Bolsonaro", diz Miller, que é motorista de aplicativo.

Ele admite que votou no então deputado federal Jair Bolsonaro em 2018, mas diz que a atuação do governo federal na pandemia fez com que ele passasse a detestar o presidente. "Votaria até em um cachorro para tirá-lo do poder."

Já a irmã, a designer de cílios Manuelly, conta ter votado no PT durante toda a sua vida, mas os escândalos de corrupção a afastaram do partido e a tornaram antipetista. "Sei que Bolsonaro não é o candidato ideal, mas o considero o menor de dois males", diz.

Comportamento

    Manuelly acrescenta que a mãe não usava máscara e não respeitou o distanciamento social. "Meu irmão quer encontrar um bode expiatório para toda dor que está sentindo. Eu entendo a razão dele, mas não concordo e gostaria que ele respeitasse a minha opinião."

    Entre acusações de que Manuelly apoiava o homem que havia matado sua própria mãe, os dois irmãos chegaram a uma conclusão: enquanto falassem sobre política, o convívio pacífico seria impossível. Firmaram então uma espécie de pacto de silêncio que, por enquanto, tem dado certo.

    Diálogo

    Para o psiquiatra Daniel Martins de Barros, esse tipo de acordo evidencia a incapacidade que as pessoas têm em conversar. "Ele pode ser benéfico a curto prazo, pois evita uma briga, mas isso nos priva do diálogo", afirma o professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e colunista do Estadão.

    "Hoje abrimos mão da conversa política, mas amanhã vamos abrir mão do quê? Se não conversarmos, não vamos entender o lado do outro. E isso não é bom para a sociedade", completa. A pesquisadora Ester Borges, no entanto, enxerga um lado positivo nos acordos familiares. "Nossa pesquisa mostra que existe uma preocupação com o outro por trás do silêncio."

    Para André Basso, de 25 anos, conviver com a família é um desafio diário. O economista afirma que se identifica como uma pessoa de esquerda, mas que cresceu em um ambiente familiar de direita." Minha relação com meus pais hoje é de guerra fria. A pandemia agravou a situação", relata.

    Basso cita as vacinas, junto ao o posicionamento negacionista dos pais, como um dos principais entraves na relação. "O Bolsonaro zombava de pessoas que morreram sem ar. Não consigo entender como alguém pode apoiá-lo. Sinto que tenho um posicionamento de vida que é incompatível com o dele", relata.

    Segundo Barros, no entanto, é preciso buscar compreender os motivos da discordância. "Quando entramos em um diálogo sabendo que há uma razão por trás daquele discurso, que não é maldade ou burrice, é mais fácil conversar e entender o outro."

    Miller afirma que chegou a considerar cortar relações com a irmã por conta das divergências políticas, mas reconsiderou devido ao carinho que sentem um pelo outro. "Nós não conseguimos conversar sobre a nossa mãe, o luto ainda é muito pesado, mas priorizamos nosso vínculo afetivo e paramos de discutir."

    Estadão
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