Queixas, insultos e inconformismo com derrota; como foram as 45 horas de silêncio de Bolsonaro
Presidente reclamou da atuação do STF e do TSE e resistiu a admitir a derrota
As quase 45 horas do silêncio de Jair Bolsonaro (PL) foram marcadas por queixas, xingamentos e inconformismo por parte do presidente e também por muitas negociações de bastidores. Até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aderiram ao movimento de autoridades que tentaram convencer Bolsonaro a reconhecer logo a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A articulação foi deflagrada por ministros do próprio governo e também por militares, sob o argumento de que era preciso agir rápido para conter os manifestantes que bloquearam estradas de todo o País e evitar o agravamento da crise. Não adiantou.
O pronunciamento de Bolsonaro foi marcado para às 15 horas desta terça-feira, 1, mas começou com uma hora e 36 minutos de atraso. Inconformado com a derrota e alegando perseguição do Judiciário para favorecer Lula, Bolsonaro se recusou várias vezes a desestimular as manifestações.
Num discurso de 2 minutos e 21 segundos, o presidente falou que as manifestações são "fruto de indignação e sentimento de injustiça". Aos interlocutores com quem conversou antes, ele disse que era vítima de "perseguição" por parte do Supremo e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
O magistrado enquadrou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao ameaçar quem não desbloqueasse as estradas com multa diária de R$ 100 mil, além da prisão do diretor-geral da instituição, Silvinei Vasques, caso a ordem não fosse cumprida. Bolsonaro chegou a falar em fraude para beneficiar o PT, sem apresentar qualquer indício de irregularidade, e mais uma vez chamou Moraes de "canalha", de acordo com relatos de três interlocutores.
Na avaliação de Bolsonaro, as decisões do Supremo que obrigaram o transporte gratuito de eleitores no dia do segundo turno, além das ordens para apagar conteúdos de seus seguidores na campanha, foram decisivas para sua derrota. O deputado eleito Alberto Fraga (PL-DF) foi um dos amigos que estiveram com Bolsonaro nesse período. Fraga disse que ele pode se candidatar novamente ao Palácio do Planalto, em 2026. "Político sem mandato é abelha sem ferrão", comparou.
Bolsonaro também fez chegar ao Supremo que o Brasil poderia viver um inferno se o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) enviasse militantes para retirar barricadas e desbloquear estradas ocupadas por caminhoneiros. O presidente chegou a convidar ministros do Supremo para uma reunião no Alvorada. A presidente da Corte, Rosa Weber, e os ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux mostraram disposição para o diálogo. Decidiram, porém, só atender ao convite depois que Bolsonaro reconhecesse a derrota para Lula. Após o pronunciamento, o presidente foi pessoalmente ao STF.
Enquanto Bolsonaro estava em silêncio seus aliados mantiveram conversas com a chapa eleita. Na segunda-feira, 31, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, telefonou para o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para iniciar as tratativas sobre a transição de governo. Nogueira se colocou à disposição, mas destacou que ainda não sabia quem seria o indicado por Bolsonaro para trabalhar na transição. Pela lei, cabe ao ministro da Casa Civil conduzir o processo.
O vice-presidente Hamilton Mourão mandou uma mensagem para o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para parabenizá-lo pela vitória. Alckmin telefonou para Mourão em seguida e agradeceu. Mourão se antecipou a Bolsonaro e instruiu servidores da Vice-Presidência a facilitar o trabalho de transição, tornando disponíveis todas as informações para a equipe de Lula.
Força tarefa
A mobilização para convencer Bolsonaro começou na noite de domingo, depois que o TSE confirmou sua derrota. Na segunda-feira, 31, pela manhã, o presidente se reuniu com Mourão e à tarde com o ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira.
Bolsonaro rascunhou na segunda-feira, 31, um discurso com base em sugestões de ministros. O presidente indicou, ainda naquele dia, que não aguardaria o parecer formal das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas, como havia dito antes.
O Ministério da Defesa prometeu que o relatório conclusivo da fiscalização do sistema eletrônico de votação deverá ser enviado ao TSE em até 30 dias após encerradas todas as etapas do plano de trabalho, o que pode se estender até janeiro ou fevereiro de 2023.