Resort de Marçal expulsou funcionário, mulher e crianças pequenas a três dias do Natal
Caso foi citado por Guilherme Boulos no debate do último domingo; Justiça mandou empresa pagar pouco mais de R$ 80 mil entre direitos, dano moral e honorários; procurado, Pablo Marçal não respondeu; nos autos, resort afirmou que não há provas no caso
Passava das 21h do dia 22 de dezembro de 2021 quando Raphael da Silva Lima, então gestor do Resort Digital, em Porto Feliz, interior paulista, recebeu a ordem para deixar a fazenda com a mulher e os três filhos pequenos - um deles ainda bebê. Sem saber o que fazer, pediu ao responsável geral Fabio Bueno para reconsiderar a determinação. Sem conseguir convencer a direção, ele deixou o local com a família, só com a roupa do corpo, até chegar a uma pousada, que estava lotada. "A proprietária da pousada, vendo a situação, as crianças chorando, apiedou-se e permitiu que eles passassem a noite na recepção do estabelecimento", consta na inicial de uma ação trabalhista movida por Lima contra o Resort Digital.
A empresa, que tem Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo nas eleições deste ano, como um dos sócios desde 2021, foi condenada em primeira instância e teve recurso negado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT-15). O processo foi citado pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL) no domingo, em debate da TV Gazeta.
O acórdão relatado pela desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, ao qual o Estadão teve acesso, aponta que "as condições em que ocorreu o dano moral são gravíssimas" e afirmou que o funcionário foi dispensado "de forma abrupta, em horário noturno, sem tempo de minimamente se programar para encontrar um local para abrigar sua família, o que configura inequívoca humilhação e sofrimento para o recorrido".
Procurado, Pablo Marçal não se manifestou até o momento. A defesa do Resort Digital alegou nos autos que nenhuma prova da expulsão foi apresentada (leia mais abaixo).
O motivo para a dispensa feita pela administração do resort teria sido um pedido do então funcionário para conseguir um fiador para um empréstimo bancário. Isso porque Lima não era registrado em carteira, recebia mensalmente R$ 1.997,00 e acumulou dívidas. Ele era obrigado a emitir nota como pessoa jurídica.
Segundo consta nos autos, a prática ocorria para menor incidência de impostos para o empregador. Lima juntou recibos dos depósitos de pagamento vinculado ao resort e testemunhas para confirmar que não era registrado na empresa. De acordo com dados apresentados na planilha de cobrança, verbas e FGTS somaram pouco mais de R$ 14 mil em dívidas. Dano moral, R$ 50 mil. Já as contribuições, somam R$ 10,5 mil.
Lima trabalhou no local por um ano. De acordo com seus advogados, ele morava na fazenda, cumpria horário específico para entrar ou sair do trabalho, trabalhava de segunda a sexta, com uma hora de almoço e recebia um salário mensal, nunca tendo, porém, recebido aviso prévio, férias, décimo terceiro, FGTS, ou ao menos os 40% que diz respeito ao cargo de gestor do qual fazia jus de acordo com a CLT.
A empresa em que Marçal é sócio foi condenada pela primeira vez no dia 19 de agosto de 2022 pela juíza substituta Michele do Amaral, da Vara do Trabalho de Tietê, a pagar dano moral e recolher valores referentes ao registro profissional. O caso foi julgado à revelia, ou seja, o Resort Digital não apresentou defesa até aquele momento.
Posteriormente, o advogado Tassio Renam Souza Botelho, um dos mais próximos de Marçal na campanha deste ano, apresentou recurso junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15). Ele afirmou que Lima não apresentou nenhuma prova da expulsão do Resort Digital. "Ora, se por um lado o recorrente sustenta ter sido expulso, o mínimo que se poderia esperar de situação tão absurda é que (...) trouxesse aos autos como prova pré-constituída de suas alegações uma foto da situação esdrúxula alegada; algum vídeo; o local para onde teria ido passar a noite; ou alguma testemunha que tivesse presenciado a situação excepcional. Todavia, não trouxe nada!", argumentou na ocasião.
Os desembargadores, porém, rejeitaram as alegações e, em fevereiro de 2023, o TRT-15 negou recurso por unanimidade. O caso ainda pode ser encaminhado para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).