Tarso Genro diz que Aécio faz “campanha de vereador”
Eleito em primeiro turno em 2010, o governador Tarso Genro (PT) tenta agora em 2014 um feito inédito no Estado desde a redemocratização: tornar-se o primeiro governador reeleito dos gaúchos. A disputa, reconhece o próprio Tarso, que polariza a corrida com a senadora Ana Amélia Lemos (PP), é difícil. Mas, por isso mesmo, admite, as chances de que se decida de novo no primeiro turno são grandes.
Atacado em bloco pelos principais adversários, o governador optou por responder detalhadamente aos questionamentos, o que vem lhe rendendo pontos nos debates. Aos 67 anos, ele acumula uma longa trajetória na ocupação de espaços políticos seja no cenário estadual ou do país. No PT, assumiu a presidência nacional durante o escândalo do Mensalão, e ganhou ainda mais notoriedade ao defender a refundação do partido. Durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupou três diferentes pastas: Educação, Relações Institucionais e Justiça.
Advogado e pensador de esquerda, mantém relação de proximidade com intelectuais latino-americanos e europeus. Em diferentes situações, já teve seu nome associado a debates internacionais sobre Justiça e direitos humanos. Sobre o Brasil, o governador faz uma análise do momento atual tomando por base a força da mídia e sua relação com a sociedade e a política. Veja a conversa que Tarso Genro teve com o Terra:
Terra: Qual a avaliação que o senhor faz do cenário político nacional neste momento?
Tarso Genro: Tem um grande ente político nacional, que é o de maior influência sobre a agenda política e as conjunturas do país, que se chama sistema Globo. E tudo depende de como a Globo vai tratar. Que tipo de imposição de agenda que ela vai fazer em relação a estas mudanças. Porque é sabido que hoje os partidos políticos perderam a capacidade de desenvolver uma agenda nacional e hierarquizar de maneira democrática as grandes questões nacionais.
Então, se a Globo apostar em uma Marina como apostou em um fenômeno Collor, por exemplo, essa conjuntura leva a um novo embate político aqui no País: de um lado um neoliberalismo mitigado com ambientalismo, que é a Marina, e de outra parte, a herança do presidente Lula e da presidenta Dilma. Se esta situação for tratada por esse sistema Globo de televisão como um decurso normal de campanha, a conjuntura não se altera. Dilma pode derrotar qualquer um dos dois no segundo turno.
Terra: O senhor acredita que só depende disso?
Tarso Genro: Tem outros fatores, é claro. Estou falando no fator dominante. No grande ser político que decide a agenda nacional. Mas, claro que há outros fatores. Articulação federativa, com os Estados, que a Marina pode fazer com maior ou menor competência, capacidade de unificar o PSB e a reação do Aécio. A presidente Dilma já mudou a agenda dela, para mobilizar mais no país, com a população. O Aécio...
Terra: O senhor quer dizer que o senador não mostra reação?
Tarso Genro: O Aécio faz uma campanha meio que de vereador. Não há nenhum lance de grande envergadura. Os tucanos têm dificuldade de fazer esta alteração. Eles sempre ganharam as grandes posições nacionais através do apoio sistemático da grande mídia, e não de mobilizações populares, que são mais a característica do campo da esquerda. Você pode ver que a reeleição do presidente Fernando Henrique, que foi um presidente de muita importância para o país, também não se projetou como um movimento de massas. Tornou-se uma eleição midiática.
A própria eleição do Fernando Henrique contra o Lula naquela oportunidade mobilizou muito menos que o próprio Lula, que foi o candidato derrotado. E aí é uma questão de base social. A base social do PT e da esquerda são os movimentos populares, os sindicatos, a classe média baixa, os servidores públicos que confiam no governo, ou grande parte deles. São os movimentos sociais de luta pela terra, pela moradia, são os estudantes, o campo libertário da esquerda, que em maior ou menor grau tem proximidade com nossas propostas. Então a conjuntura realmente não é favorável ao Aécio. Acho que o Aécio está meio perdido não porque ele seja um político incompetente. A conjuntura não é favorável para ele. Ninguém pode imaginar que o Aécio vai ser o herdeiro dos movimentos de julho. Seria um certo exagero.
Terra: E a Marina capitaliza parte desses movimentos?
Tarso Genro: A Marina pode tentar capitalizar. Se terá sucesso ou não, é difícil saber. A Marina, qual o campo de que ela é originária, em que se formou? No campo da esquerda. No espaço junto ao presidente Lula.
Então, como ela vai vestir esta sua candidatura, apoiada por setores de direita, aí é imprevisível. Não se sabe qual a capacidade. Mas tem condições de cortejar este campo. A candidata Luciana Genro (a ex-deputada, filha do governador, que disputa a presidência da República pelo Psol) fez uma frase em uma entrevista ao Estadão que, em minha opinião, está correta. A de que a Marina pode ser tentada a ser uma terceira via, uma terceirização do projeto Aécio. E isto não é um julgamento moral em relação à Marina. Isto são determinações desta conjuntura complexa que estamos vivendo hoje no país.
Terra: De que maneira esta mudança no cenário nacional influencia a eleição para o governo?
Tarso Genro: Não tem influência nenhuma. Em minha opinião, nenhuma. A troca do Beto (Albuquerque, que disputava o Senado e agora é vice de Marina Silva) pelo Simon (o senador Pedro Simon, que entrou na chapa estadual no lugar de Beto) deixa três candidatos fortes. Nenhum eleitor do Olívio (Dutra, candidato ao Senado pelo PT) vai migrar para o Simon. Os eleitores do Olívio são o um terço nosso dentro da esquerda. É a votação da esquerda aqui no Estado. A única coisa que tem como consequência a saída do Beto é a despotencialização do PSB para as eleições proporcionais tanto estaduais como federais.
Terra: O senhor não acredita que o senador Simon possa alavancar a campanha de José Ivo Sartori ao governo e estabelecer um elo entre Sartori e Marina, como forma de reforçar o PMDB na disputa estadual?
Tarso Genro: O PMDB aqui no Estado tem vínculos muito fortes com o agronegócio, semelhantes aos do PP. Isto não é um juízo deletério. É um fato social e político conhecido. Parece que a candidatura da Marina, na verdade, ela gera mais desunião no PMDB do que unidade. Ao contrário do Campos, que havia conseguido provavelmente envolver de 60% a 70% do PMDB. Acredito que esse percentual vai cair. Em compensação, a Marina pode pegar alguns votos que até agora estavam em dúvida, ou indo para o voto nulo. Mas uma coisa vai compensar a outra. Não vai ter influência decisiva na repartição do eleitorado aqui, entre os três candidatos fundamentais.
Terra: Então, na eleição estadual, não há mudança de estratégia?
Tarso Genro:
Não, nossa estratégia está muito bem pautada. Retomar as mobilizações de rua, que há muito tempo estavam pequenas, reduzidas aqui no Estado. Isto já estamos fazendo. Apostar em um programa de TV informativo a respeito do nosso governo. E valorizar um alinhamento estratégico com o governo federal, particularmente no que se refere à questão da dívida. Esta é a nossa estratégia. Nossa estratégia não é de destruir os adversários, e nem de atacá-los, mas sim de afirmar nosso projeto.
Terra: O senhor tem sido sistematicamente atacado pelos três principais adversários em relação à questão financeira. Há uma perspectiva concreta de como resolver a questão? Quando o Estado conseguiria retomar um nível de investimentos próprios adequado?
Tarso Genro: Se os meus adversários não me atacassem com uma questão de fundo como essa, a questão financeira, meu governo seria um governo nulo. Nós não temos divergências a respeito do diagnóstico da situação financeira do Estado. Ninguém mais do que eu vem dizendo desde o começo que a crise financeira do Rio Grande do Sul, ela é estrutural.
Nós temos divergências é sobre como sair do atual diagnóstico. E aí eu estou dizendo que temos uma política de transição em direção a 2028 que é composta de quatro itens claríssimos. Primeiro: reestruturar a dívida, isto está garantido. Segundo: aumentar a receita melhorando a tecnologia de cobrança e fiscalização, imprimindo um ritmo de crescimento econômico superior ao RS, o que já está acontecendo. Terceiro: obter financiamentos internacionais, considerando o fato de que o meu governo é o que vai reduzir a dívida em R$ 15 bilhões. Podemos ter pelo menos o financiamento de um terço destes R$ 15 bilhões e ainda ter rebaixado a dívida. E quarto: um alinhamento estratégico com o governo federal para continuar drenando para cá investimentos públicos e privados, o que já está em curso. Fora disso, ou é tentação manipulatória, ou é gestual romântico sobre o que fazer com o Estado.
Por exemplo: a minha adversária, Ana Amélia (Lemos, do PP), diz que vai acabar com os cargos em comissão (os conhecidos CCs). O Executivo tem pouco mais de 2 mil CCs. Vamos supor que ela acabe com todos, o que é impossível. Além de despotencializar o governo para governar, vai abater 0,3% da folha de pagamento. Portanto, este é um argumento de quem não conhece o Estado, não conhece finanças públicas.
Os outros cargos em comissão são do Legislativo, do Judiciário, Tribunal de Contas. O outro meu adversário, deputado Vieira (da Cunha, candidato do PDT), diz que vai entrar na Justiça. Bom, é um processo judicial que demora uns 15 anos, mais ou menos, para decidir uma questão sobre a constitucionalidade ou não da dívida. E até este processo já está na Justiça há muito tempo, desde a época do Collares (o ex-governador Alceu Collares, do PDT), do Olívio. E o Zé Ivo (Sartori) eu me dispenso de contestá-lo, porque ele não diz nada a respeito disso. Então, simplesmente não tenho contestação.
O que eu estou dizendo é que temos todos um diagnóstico idêntico, aliás, o diagnóstico que eu coloquei no início do governo. Mas temos diferenças sobre como sair desta situação. E digo também que finalmente nós vamos desencadear, depois de aprovada em novembro a mudança dos índices de correção da dívida, vamos para uma outra campanha, que é reduzir os repasses mensais. Isso é uma outra campanha. É um debate ao qual vou me dedicar novamente a unir os estados, as cidades, e, novamente, farei o enfrentamento.
Terra: Qual a eleição mais difícil, a nacional ou a estadual?
Tarso Genro: Ambas são eleições difíceis, como foram outras. Estamos, aqui no Rio Grande do Sul, em uma clara polarização entre dois projetos estratégicos. Temos bem claro que, dentro destes dois projetos, de um lado está a Ana Amélia e de outro a nossa candidatura. As demais se movem, eu diria, bicando milho dos dois lados. E toda a eleição que tende à polarização é uma eleição difícil.
Temos confiança que vamos crescer muito e ganhar a eleição. Porque temos o que dizer a respeito do que fizemos. E esta informação, ela foi sonegada durante todo o nosso governo pela grande mídia aqui no Estado. Então, se você está vendo nossos programas eleitorais, pode perceber que 80% das coisas que estamos informando ali você não sabia ou pelo menos não tinha conhecimento em profundidade. Temos confiança sim no nosso projeto e este momento precioso do horário no rádio e na televisão vai ser muito importante.
Terra: Vocês se preparam para um segundo turno e para a possibilidade de o PMDB então apoiar o PP, ou uma parte do PDT apoiar o PP e haver uma grande frente contra o PT?Tarso Genro: Não, não trabalhamos com essa possibilidade. Trabalhamos é com a possibilidade de que esta eleição se decida no primeiro turno. Dada a polarização. Agora, como as forças vão se posicionar se houver um segundo turno, é impossível de se prever agora. Isso vai se determinar pelo debate político que for processado neste primeiro turno e a influência que ele vai ter na cabeça das lideranças partidárias. E é sabido também que, em segundo turno, os partidos dificilmente enquadram em bloco suas bases.
Terra: O senhor acredita mesmo em uma definição no primeiro turno?
Tarso Genro:
Eu acho que é uma eleição cuja tendência predominante é que se decida no primeiro turno.
Terra: O senhor preferiria um outro adversário que não a senadora e o PP? Nacionalmente, o que se coloca é que a presidente preferiria um segundo turno com Aécio Neves (PSDB), possibilidade que parece agora mais distante. Vocês prefeririam enfrentar o candidato José Ivo Sartori, do PMDB, por exemplo?
Tarso Genro:
Esta pergunta é um pouco metafísica. Mas, de qualquer forma, a Ana Amélia é uma boa adversária, porque ela é uma pessoa transparente, ela diz o que pensa. Ela diz que vai cortar gastos públicos, ela entende que o Estado está inchado, ela diz que vai acabar com os cargos em comissão. O nome disso é um nome já marcado historicamente, é o choque de gestão. Que foi o que o Britto (o ex-governador Antônio Britto, então PMDB) fez aqui no RS.
A menos que ela esclareça o que significam estas mudanças, a gente fica com este pensamento. E este pensamento, ele é frontalmente oposto ao que nós defendemos. Nós estamos fazendo concursos para professores, para brigadianos, para o serviço público em geral, recuperando o arrocho salarial dos servidores. Estamos restaurando a força constitutiva que um Estado tem de desenvolver políticas públicas. A tendência que a Ana Amélia apresenta é a tendência do estado mínimo. Então, esta transparência ajuda, dá nitidez para as propostas dela. E isso é uma coisa boa para a política e boa para que o Rio Grande do Sul faça a opção sobre o que quer para o próximo período.
Terra: Esta polarização se coloca muitas vezes como esquerda x direita. A senadora costuma dizer que o mundo não se divide mais desta forma. O senhor concorda?
Tarso Genro:
Normalmente, as pessoas que dizem que não existe mais esquerda e direita são pessoas de direita. O Sartre, ou a Simone de Beauvoir, ou ambos, já fizeram esta colocação. Quando a pessoa diz que não existe diferença entre esquerda e direita, ela está dizendo que a sociedade pode ser unificada em torno de uma posição e esta é a primeira vocação totalitária de um candidato. Acreditar que vai extinguir o posicionamento entre as pessoas.
A visão que a senadora coloca como substituta de esquerda e direita, a de que a política se divide entre lentos e rápidos, é um mero jogo de palavras. Porque o conteúdo das proposições tem que dizer: lento ou rápido para o quê? Aí é que as pessoas vão ser caracterizadas como mais à esquerda, mais à direita, mais ao centro.
Eu sou um homem de esquerda que acredita que o Rio Grande do Sul e o Brasil precisam atualmente de um governo de centro-esquerda democrático, participativo, afirmador de políticas sociais e que use o Estado inclusive para distribuir e regular a distribuição de renda. Isto é o que significa o máximo de possibilidade de ser de esquerda. E eu me identifico com esta posição. Não compartilho desta visão de que esquerda e direita terminaram.
Esquerda e direita não remetem apenas para o muro de Berlim, como disse de maneira encantadora a Ana Amélia há pouco. Remetem até para as grandes lutas antiescravistas que começaram ainda na época do antigo império romano. Ou seja, os de baixo contra os de cima, os humilhados e oprimidos contra os opressores e os que humilham. Os com poucos e escassos recursos para viver e os que têm faustosos recursos e querem mais. Isto é o que sempre caracterizou esquerda e direita. Não é uma mera localização de bancadas na assembleia da revolução francesa.
Terra: O senhor atribui à grande mídia uma posição mais ‘à direita’. A sociedade brasileira de modo geral, na sua avaliação, é de direita? Falta qualificação intelectual à sociedade para perceber as manobras da política e da mídia, ou ela concorda com elas?
Tarso Genro:
Esta questão da mídia não pode ser apanhada como conspirativa. Como se os grandes meios de comunicação estivessem em uma articulação clandestina e secreta com o grande capital para arrebentar com a humanidade. Esta é uma visão primária. O que existe, na verdade, é a imposição de um conjunto de interesses materiais, financeiros, que influenciam na conduta dos grandes meios de comunicação porque o financiamento do seu funcionamento, do seu processo de acumulação, dos meios privados, da acumulação privada, tem que responder a este grande capital.
Não se trata de identificar os meios de comunicação como um mal, não se trata disto. Trata-se de travar uma batalha política na qual, de um lado, estão estas estruturas de persuasão, de formação cultural, de propagação ideológica. E, de outro, os grupos sociais, as pessoas e os partidos que não concordam com essas posições.
A luta política moderna, e isto vem desde a revolução francesa, passa por dentro destas mediações. Ela se aguçou muito dentro dos processos políticos que percorreram a Europa a partir da revolução socialista. E da crise da revolução socialista, e da tragédia a que algumas dessas experiências levaram alguns países.
Terra: Então a mídia tem papel decisivo?
Tarso Genro:
Há três fatos históricos universais muito importantes sobre os quais a mídia teve muita influência. Um: a legitimação da invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Foi legitimado pela mídia. Depois se mostrou falso, mas já estava legitimado. Dois: a Guerra Fria. A indicação da União Soviética como o Império do Mal e como fonte de todas as desgraças da humanidade. A União Soviética caiu e a humanidade continua desgraçada. A grande mídia dentro da Guerra Fria fez uma persuasão estratégica, profunda em relação a isso, impregnando a conduta das pessoas. Três: os valores do mercado e o projeto neoliberal, que é um projeto de modo de vida, é um projeto cultural, um projeto de relacionamento entre as pessoas, profundamente elitista e meritocrático, que se imprime na vida das pessoas. É verdade que isto é uma decorrência até do processo democrático.
Nós, na época da ditadura, não tínhamos direito de contestar a Guerra Fria aqui no Brasil. Hoje temos espaço para nos contrapor a essa ideologia midiática que percorre a informação, as notícias, a produção da grande mídia. Eu encaro desta forma. E quando faço esta crítica, nunca ofendo nem aos jornalistas e nem aos donos dessas grandes corporações. Agora, eu identifico essas corporações como produtoras de uma ideologia, uma cultura e um projeto de sociedade. É necessário que se debata isso de uma maneira bem clara, bem frontal.
Terra: A sociedade como um todo percebe esta diferenciação?
Tarso Genro:
A mídia também não consegue criar uma visão unificada. Tanto é verdade que a mídia, até porque sofreu um combate muito grande, não conseguiu impedir a eleição do Lula. E nem a reeleição, embora estivesse maciçamente contra ela. Por que não? Porque no regime democrático a gente pode contestar esta dominação pela mídia.
Nada como lembrar isso, inclusive, para o esquerdismo desvairado. Só é possível combater esta dominação porque estamos dentro de um processo político democrático, que precisa ser preservado a qualquer custo. Mesmo que seja desigual, no sentido de que dá muito mais trabalho formar uma opinião contra-hegemônica do que produzir a hegemonia através dos instrumentos de persuasão que eles (mídia) possuem.