SC: violência leva medo a usuários de coletivos em eleição
"Um barril de pólvora prestes a explodir". É assim que João (nome fictício), motorista de ônibus de Florianópolis, descreve a situação na capital catarinense, em meio à onda de violência que já dura dez dias e já causou ao menos três mortos e 84 ataques, entre eles 35 incêndios de coletivos.
A violência atinge o Estado justamente no período eleitoral, quando se espera que quase cinco milhões de eleitores vão às urnas.
João, 59 anos, com 15 anos de profissão, diz que tem vivido dias de tensão e muita incerteza. "Já saio de casa nervoso. A verdade é que a gente não sabe o que vai acontecer", disse.
Alvos principais dos ataques, diversos ônibus de várias cidades do Estado, sobretudo da capital, têm sido incendiados e viraram símbolo da onda de violência que, segundo as autoridades, estaria relacionada ao PGC (Primeiro Grupo da Capital), o principal grupo do crime organizado catarinense, que explora principalmente o narcotráfico.
Medo
Motoristas, cobradores e passageiros estão assustados. Além do medo têm que enfrentar as dificuldades de ficar sem transporte público.
No sábado, véspera da eleição, a cidade contou com ônibus apenas até às 18h, e neste domingo os coletivos só circularão entre 7h e 19h (garantindo o acesso às urnas, abertas entre 8h e 17h).
Luiza, 19 anos, é estudante universitária, e disse ter ficado sem aulas durante a semana. "Estudo fonoaudiologia na UFSC, e as aulas foram suspensas por conta dos ataques. Também cheguei atrasada no trabalho várias vezes, porque há menos ônibus, e ninguém está se sentindo seguro aqui. À noite não dá para sair, não dá para fazer nada", explica.
Questionada sobre o voto neste domingo, ela diz que só vai votar porque vai pegar carona com o pai, de carro.
Carla, 37 anos, diz que só vai votar porque pode ir de bicicleta, já que a seção eleitoral é próxima de sua casa. Ela diz que vai evitar andar de ônibus no domingo. "Na verdade, vou procurar ficar em casa, para garantir."
Voto sob tensão
Por questões de segurança, a maioria dos entrevistados preferiu não se identificar com o nome completo e não quis ter suas fotografias publicadas na reportagem.
O motorista João explica que as imagens vistas na televisão assustam, e que é difícil sair para trabalhar no dia seguinte. Para ele, é "um absurdo" o transporte público ter toque de recolher devido a "ações de bandidos".
Já o cobrador Mário, 24 anos, diz que poucos lembram das dificuldades de quem trabalha no transporte. "Quando encerra o expediente, como eu faço para chegar em casa, se não tem mais ônibus? É complicado."
"Quando entra alguém de mochila. Já fico nervoso, penso que o cara pode ter um coquetel Molotov", acrecenta ele.
Para o motorista Carlos, 38 anos, o importante é não pensar. "Não posso ficar pensando nisso, senão entro em parafuso. Um colega foi afastado ano passado, na outra onda de violência. Ficou dois meses fora do serviço, em choque. Tem que manter o bom humor, porque a gente não tem controle sobre nada", disse.
Quanto ao voto, ele diz que está de folga, mas que só comparecerá às urnas de bicicleta. "Quero ficar longe dos ônibus no domingo."
No sábado, quatro linhas só circularam sob escolta da Polícia Militar, e no domingo novamente diversas rotas de coletivos só poderão trafegar escoltadas por viaturas policiais.
A cidade reforçou o policiamento, e o governo federal enviou tropas da Força Nacional para monitorar as fronteiras aéreas, terrestres e marítimas. Além disso, as Forças Armadas foram enviadas a mais de 20 cidades para garantir a segurança da votação.
O taxista Sebastião Amorim, 64 anos, teme que a atenção que a mídia está dando a Florianópolis por conta da violência acabe tendo impacto sobre a economia. “É um absurdo isso. Um bandido fazer tudo isso, ter todo o esse poder, os ônibus não poderem circular. Quem diria que isso ia acontecer em Santa Catarina. Os turistas veem tudo isso, e não vão querer vir. O verão está aí, você vai ver. Vamos perder com isso”, avalia.
Motivos da crise
As origens da crise ainda não estão 100% claras. No ano passado, um vídeo mostrando tortura e abusos de presos em Joinville, foi o estopim da segunda onda de violência no Estado, que durou 33 dias e resultou em 114 ataques.
Questionado sobre a prática de tortura no sistema prisional catarinense, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo disse que o número de denúncias foi reduzido desde 2012, quando o governo federal enviou uma missão, mas que nenhum Estado do país está isento do problema.
Uma carta assinada por presos foi enviada à Justiça na semana passada relatando problemas.
Acredita-se que as ordens dos ataques tenham partido de presídios de Santa Catarina e do presídio federal de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para onde foram levados detentos catarinenses ligados ao grupo no ano passado. Autoridades negam e argumentam que a violência também seria resposta às condições dos presídios catarinenses.