Filiados do PRTB contestam validade de convenção que tornou Marçal candidato; ação segue na Justiça Eleitoral
Ação apresenta provas de que convenção que escolheu o ex-coach como representante da sigla foi votada por membros irregulares
Em meio a racha na sigla fundada pelo falecido Levy Fidelix, filiados do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) contestam na Justiça Eleitoral a validade da convenção que escolheu Pablo Marçal como candidato à Prefeitura de São Paulo e pedem a cassação da candidatura. Na ação de impugnação, que o Terra teve acesso, são apresentadas provas de irregularidade na maior parte dos membros da Comissão Executiva Provisória que votou pela candidatura do ex-coach. O desrespeito ao estatuto do partido é a base da ação.
A Comissão Executiva Provisória do PRTB, criada no dia 2 de abril deste ano para definir o candidato que representaria o partido nas eleições municipais de São Paulo, é composta por 5 membros. Mas apenas um deles, Levy Fidelix Filho, atual presidente da instância do PRTB, poderia ter seu voto a Marçal computado na Convenção Partidária -- evento, que aconteceu no dia 4 de agosto, onde o ex-coach teve a candidatura oficializada.
Levy Fidelix Filho foi procurado pela reportagem para se pronunciar sobre as questões em torno do processo na noite de quarta-feira, 22, e, até a publicação desta matéria, não se pronunciou. A assessoria do partido --que responde ao âmbito nacional e municipal-- também não se pronunciou, mas citou que a ação de impugnação já estaria indeferida, o que não é verdade, pois o juiz ainda não deu sua decisão final. O espaço segue aberto.
Na largada inicial da campanha, em meio a polêmicas, debates eleitorais e processos que correm no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE), Pablo Marçal registrou um crescimento de sete pontos nas intenções de votos. Agora, o candidato do PRTB aparece empatado na liderança da corrida eleitoral pela Prefeitura de São Paulo com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), segundo a pesquisa do Datafolha, divulgada nesta quinta-feira, 22.
O que diz a ação de impugnação?
Como mostram as provas anexadas à ação de impugnação, quatro dos cinco membros da Comissão Executiva Provisória do PRTB não estariam aptos a votar. Ao cruzar as certidões de filiação partidária da Justiça Eleitoral de cada um deles com a ata da convenção do PRTB, é possível identificar que esses membros não cumprem os requisitos do estatuto do partido.
Entenda a situação de cada:
- Maiquel Santos de Assis, que está no cargo de primeiro vice-presidente da Comissão Executiva Provisória do PRTB de São Paulo, sequer é filiado ao PRTB – mas, sim, ao Republicanos, desde o ano passado. Antes, já foi do Podemos (Pode) e do Partido Renovação Democrática (PRD). Com Fidelix Filho, ele subiu ao palco e ficou ao lado de Marçal na convenção.
- Euclides Gonçalves Vieira Filho foi filiado ao partido um dia após ser nomeado secretário da Comissão, em 3 de abril. Sendo assim, na convenção, ele possuía quatro meses de filiação – menos do que os 6 meses mínimos obrigatórios, exigidos no estatuto, para que pudesse participar da escolha de qualquer candidato.
- Paola Kuhn Dupont também não tem os 6 meses de filiação que a permitiriam atuar de forma íntegra na convenção. Ela foi incluída no partido em 15 de julho e integrou a Comissão Executiva Provisória por 3 meses mesmo sem a filiação. Na data da convenção, ela possuía menos de um mês como filiada.
- Livia Maria Rodrigues Fidelix da Cruz, irmã de Levy Fidelix Filho e candidata a vereadora, havia se desfiliado do PRTB em 2023. Porém, quase um mês antes da convenção, teve o processo revertido. Além disso, ela não estava presente no evento, de acordo com a ata e os registros do dia, mas seu nome aparece na lista de presença.
Além disso, a Convenção Partidária também é apontada como nula pelos impugnantes por não ter contado com autorização formal do diretório nacional do partido. A obrigatoriedade, segundo o estatuto do PRTB, é imposta a cidades com mais de 200 mil habitantes, como é o caso de São Paulo. Sendo assim, a diretoria nacional do partido precisaria emitir essa autorização. Mas o que é pontuado pelos filiados é que o aval foi apenas do presidente nacional, Leonardo Avalanche, sem ser formalizado.
Esse processo, que já conta com mais de 300 páginas compiladas, corre no Tribunal Eleitoral de São Paulo. São três impugnantes, membros do PRTB: Marcos Andre de Andrade, que é secretário-geral do partido; Paula Michelle Dias; João Matheus Pereira Guedes dos Santos e Cassio Luiz Ferreira e Silva do Nascimento.
O PRTB municipal tem até domingo, 25, para apresentar defesa, o que ainda não foi feito.
E agora?
Especialista na área, o professor de Direito Eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo Fernando Neisser explicou ao Terra que após a defesa se manifestar em ambos os casos, haverá o prazo de três dias para que sejam apresentadas as alegações finais das partes.
Depois, é preciso que o Ministério Público se pronuncie. Por fim, então, vem a decisão do juiz eleitoral de São Paulo, dizendo se acolhe ou não as impugnações. Mesmo assim, ainda cabe recurso ao TRE de São Paulo. Por fim, se for o caso, o debate é levado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Portanto, em meio a todo esse trâmite, Neisser afirma: "Numa eleição municipal, não dá tempo de um processo de registro ser julgado na primeira instância, no TRE e no TSE até 6 de outubro."
Enquanto o candidato estiver recorrendo aos processos, ele tem o direito de continuar com sua campanha, de usar o horário eleitoral, pedir votos e ter seu nome inserido na urna. "Ele só perde esse direito depois que o pleno do TSE analisar a questão. Ele pode disputar a eleição 'subjúdice', ou seja, estando sob questionamento judicial", diz Neisser.
Outro processo contra Marçal
Essa é uma das ações que podem resultar na cassação da candidatura de Pablo Marçal. Além dela, há outro processo que se trata do pedido de impugnação com participação do Partido Socialista Brasileiro (PSB), de Tabata Amaral, que também concorre pela Prefeitura de São Paulo. Nessa ação, há novamente a participação do secretário-geral do PRTB como impugnante. A terceira parte é Lilian da Costa Farias, outra filiada do PRTB.
Nesse caso, a ênfase do pedido é referente à data de filiação do próprio Marçal ao partido que o representa, que também não está dentro das diretrizes do estatuto do partido. O Terra também teve acesso ao processo.
Marçal se filiou ao PRTB no dia 5 de abril, na mesma semana em que a Direção da Comissão Provisória Municipal foi criada. Pelo estatuto do PRTB, até o dia da convenção que o colocou como candidato do partido, ele teria que ter 6 meses de filiação para votar ou, no caso, ser votado. Prazo que não foi respeitado.
Art. 19 do Estatuto do PRTB – Somente poderão participar das Convenções Partidárias, com vistas à Constituição de Diretório, em qualquer nível, os eleitores filiados com, no mínimo, 6 (seis) meses de antecedência da realização da mesma.
Parágrafo 1o - Se a convenção for realizada por Diretório ou Comissão Provisória Partidária, seja de nível Municipal, Regional ou Nacional, com vistas à escolha de candidatos a cargos eletivos, o filiado com direito a votar ou ser votado deverá possuir filiação mínima de 6 (seis) meses.
Essa questão difere quando se tratam das normas do Tribunal Superior Eleitoral. Nesse caso, é preciso que o candidato tenha 6 meses de filiação até a data do primeiro turno da eleição – no caso, 6 de outubro. Considerando apenas essa régua, mesmo que quase estourando o prazo, Marçal é tido como apto.
Na ação, promovida pelo partido de Tabata ao lado de membros do PRTB, Pablo Marçal e a instância municipal do partido também tem até domingo, 25, para apresentarem defesa.
Nesta quarta-feira, 21, o juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, não aceitou o pedido de suspensão liminar da candidatura [ou seja, a suspensão que seria imediata]. Isso não significa que o processo foi indeferido, pois a Justiça ainda precisa dar sua decisão final.
O especialista em Direito Eleitoral, Fernando Neisser, pontua que a jurisprudência tradicional da Justiça Eleitoral diz que são as pessoas filiadas que têm legitimidade para questionar a violação de uma regra do estatuto que autorizou alguém que supostamente não atende a um requisito partidário.
"Tenho dúvidas se a Justiça Eleitoral reconhecerá a legitimidade de terceiros, outros candidatos, outros partidos ou coligações de trazer esse debate de impugnação", pontua, em referência a como é o caso do processo que conta com a participação do PSB.
Além disso, sobre o juiz não ter acatado o pedido liminar, Neisser diz ter sido algo ‘natural’, por pedidos do tipo não terem embasamento na jurisprudência. “É muito natural que tenha sido negado esse pedido. Isso não significa que o juiz tenha adiantado a posição dele, a favor ou contra, quem quer que seja. É só porque, de fato, é um pedido que não tem cabimento”, finaliza.
E o Ministério Público Eleitoral?
Em paralelo a esses dois processos de impugnação, foi aberto um terceiro processo referente a Pablo Marçal no Tribunal Eleitoral. Nesse caso, a ação é movida pelo Ministério Público Eleitoral e aponta suposto abuso de poder econômico do candidato no período pré-eleitoral.
É evidenciado o caso da 'legião' de pessoas que seriam contratadas por Pablo Marçal para espalharem conteúdos do então candidato nas redes sociais – no caso, cortes de vídeos.
Por isso, o MPE pediu para que Marçal informe o total de recursos financeiros pagos aos titulares desses perfis, quem são eles e qual a origem desses recursos. Também foi solicitada a quebra de sigilo fiscal e bancário das empresas do candidato.
Pela ação, Marçal pode ter sua candidatura cassada e ficar inelegível por oito anos.
Foi o PSB, de Tabata Amaral, que fez a representação ao Ministério Público sobre a questão, no dia 22 de julho, resultando na ação formalizada contra o candidato em 17 de agosto. A defesa ainda não se manifestou e, nesse caso, o pedido liminar de suspensão de registro de candidatura de Marçal segue sendo analisado pela Justiça Eleitoral.
Racha no PRTB
O PRTB enfrenta disputas pelo comando desde 2021, mesmo ano da morte do seu fundador Levy Fidelix. Júlio Cezar Fidelix da Cruz, irmão de Levy, chegou a assumir a presidência nacional do partido, apesar da contestação de alguns membros, entre eles Aldineia Fidelix, viúva do político.
Em dezembro de 2023, o TSE determinou uma intervenção temporária no partido até a realização de uma nova assembleia, que foi realizada em fevereiro de 2024 e elegeu Leonardo Avalanche como presidente. A nova eleição, no entanto, não cessou as insatisfações internas. A ala ligada a Júlio Cezar Fidelix ainda questiona o resultado, bem como a candidatura de Marçal, que foi negociada e bastante defendida por Avalanche.