Justiça Eleitoral suspende redes de Pablo Marçal: o que acontece agora?
Candidato do PRTB pode ter violado dispositivos legais que tratam de abuso de poder econômico e gastos não declarados de campanha, dizem especialistas em direito eleitoral. Mas eles divergem se a decisão de derrubar os perfis é correta.
A Justiça Eleitoral de São Paulo determinou na sexta-feira (23/8) a derrubada dos perfis em redes sociais de Pablo Marçal (PRTB), candidato à Prefeitura de São Paulo.
A liminar atende a pedido do PSB, partido de Tabata Amaral, também candidata à prefeitura. Cabe recurso à decisão.
Na ação, o PSB acusa Marçal de abuso de poder econômico pelo suposto pagamento de apoiadores para editar e difundir cortes de vídeos do candidato nas redes sociais, em um esquema envolvendo mais de 5 mil perfis.
De acordo com a ação, o candidato do PRTB realiza concursos entre seus apoiadores, com premiações.
Na decisão liminar, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, avalia que "há por certo razoável indicação que o requerido Pablo tem fomentado há algum tempo, por meio da rede social, uma arquitetura aprofundada e consistente na capilaridade e alcance de sua imagem".
Ainda segundo o juiz, Marçal "fideliza e desafia seguidores, que o seguem numa desenfreada busca de 'likes' em troca de vantagens econômicas".
"'Monetizar cortes' equivale a disseminar continuamente uma imagem sem respeito ao equilíbrio que se preza na disputa eleitoral", diz ainda o juiz, na decisão.
Como resultado, a Justiça determinou a suspensão dos perfis de Marçal no Instagram, X (antigo Twitter), TikTok e YouTube e de seu site pessoal até o fim das eleições.
A decisão determina ainda a proibição de que o candidato renumere "cortadores" de seus conteúdos até o final das eleições. Também impõe a suspensão do canal de Marçal na plataforma Discord.
O juiz indeferiu, no entanto, os pedidos do PSB para bloquear a monetização para cortes feitos até a data da decisão; para quebra do sigilo bancário e fiscal das empresas de Marçal; para que Marçal seja notificado para informar dados de quem faz os cortes; e para oficiar plataformas para que informem quem são os "cortadores".
Após a decisão, Marçal postou diversos vídeos nas redes sociais.
"Toda perseguição acelera o processo", disse o candidato em um dos vídeos publicado no Instagram e reproduzido também no X.
"Por favor, cumpra a decisão (...), derruba as minhas redes sociais, vocês vão ver eu aparecer até dentro da sua geladeira", provocou, indicando ainda perfis alternativos para serem seguidos, caso os oficiais fiquem inoperantes devido à decisão liminar.
Marçal está tecnicamente empatado com o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e com o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) na disputa eleitoral paulistana, segundo pesquisa Datafolha publicada na quinta-feira (22/8).
Pagar pessoas para divulgar cortes de vídeos de candidatos é ilegal?
Para Horacio Neiva, advogado especialista em direito eleitoral e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), se confirmados os fatos apontados pelo PSB na ação inicial, Pablo Marçal pode ter incorrido em três possíveis ilícitos.
O primeiro deles seria o abuso de poder econômico, a depender do volume de recursos empregados.
"Nesse caso, é preciso considerar não só os valores gastos pelo candidato, mas também o montante gasto pelos usuários com seu consentimento", explica Neiva.
Segundo ele, esses valores devem ser considerados porque o próprio candidato estaria incentivando os usuários, mediante a competição de cortes.
O segundo ilícito, na avaliação do especialista, seria o de gastos irregulares de campanha (o famoso "caixa dois") pela não declaração dos valores gastos com as premiações aos seguidores.
"Ainda que o candidato declare os valores gastos com as premiações dos cortes — o que também seria um gasto ilícito, já que não há autorização legal para pagamento de 'prêmios' durante a campanha — há o fato de que os competidores também estão fazendo gastos em benefício da campanha, e eles deveriam ser contabilizados", acrescenta Neiva.
Por fim, há também a possibilidade de abuso decorrente do uso de um meio de propaganda proibido.
"A lei eleitoral permite impulsionamento de conteúdo, desde que utilizando ferramentas específicas disponibilizadas pelas plataformas", explica Neiva.
Nessas ferramentas autorizadas durante o período eleitoral, os dados são públicos, de modo que a Justiça Eleitoral pode saber quem impulsionou.
Além disso, pessoas naturais (isto é, não jurídicas) não podem contratar impulsionamento em benefício de candidato, diz o especialista.
Segundo ele, comprovando-se que era uma ação coordenada e com gastos desproporcionais, pode ser configurado abuso, mesmo que isso tenha acontecido apenas no período pré-eleitoral, já que atos de pré-campanha também podem afetar o equilíbrio da disputa.
Derrubar as redes de Marçal é correto?
Especialistas em direito eleitoral divergem quanto à decisão do juiz Antonio Maria Patiño Zorz de suspender as redes sociais de Marçal devido aos possíveis ilícitos decorrentes do pagamento de seguidores pela divulgação de cortes de seus vídeos.
Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, avalia que a decisão liminar foi correta.
"O problema é você conseguir separar na mesma rede social o que é a propaganda eleitoral ilegal e o que é a rede social dele, posto que ele tem liberdade de manter sua rede social", diz Rollo.
"Eu avalio que, neste momento, pelo abuso que já foi demonstrado — não é uma coisa isolada que aconteceu um dia, é algo que já vem acontecendo desde o começo da pré-campanha e da campanha eleitoral — que a Justiça Eleitoral agiu corretamente ao eliminar a ilegalidade como um todo, pela raiz", opina o advogado.
Já Neiva considera que a decisão pode ter sido exagerada e poderá ser revertida nos próximos dias, quando Marçal recorrer da decisão liminar.
"O grande problema da suspensão das páginas dele é que o esquema de competição de cortes não estava acontecendo na página do Pablo Marçal, era um sistema que estava acontecendo no Discord", observa.
"As pessoas iam lá e reproduziam esses cortes nas páginas pessoais delas ou em páginas criadas para essa finalidade e quem obtinha o alcance maior recebia compensação financeira."
"Então a página oficial do Marçal não era exatamente onde o ilícito estava ocorrendo. O juiz entendeu que ali era a fonte dos cortes posteriormente utilizados no esquema, mas aí me parece que extrapola um pouco o próprio sentido do ilícito", avalia o advogado.
Próximos passos
Segundo ambos os advogados, o que deve acontecer agora é que Marçal deve recorrer da decisão no Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Caso o juiz aceite os argumentos do candidato, ele pode obter um efeito suspensivo da decisão liminar ainda no fim de semana ou no início da semana, já que a Justiça Eleitoral tende a tomar decisões de forma rápida, devido ao período curto de campanha.
Caso não consiga uma decisão favorável no TRE, Marçal pode ainda recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Neiva observa que, se a ação do PSB for considerada procedente, Marçal pode vir a ter seu registro cassado ou seu diploma cassado, caso ele venha a ser eleito. Mas essa decisão não deve ocorrer ainda durante a campanha eleitoral.
Já Alberto Rollo lembra que o próprio registro de Marçal corre perigo, devido a ações que questionam o cumprimento por parte do candidato do prazo mínimo de filiação exigido pelo estatuto do PRTB para candidatos a cargos eletivos.
"A lei eleitoral diz que o prazo para filiação é de seis meses antes da eleição, ressalvado se o partido não tiver um prazo maior. E o partido que ele entrou tem prazo de nove meses, não de seis, e ele não cumpriu esse prazo de nove meses", diz Rollo.
"Então o registro dele pode ser indeferido e daí não importa se ele xinga o Boulos [de cocainômano] ou paga por cortes nas redes sociais, porque o registro dele pode não ser deferido."
Segundo Rollo, a Justiça Eleitoral tem até 20 de setembro para julgar os registros de candidaturas na primeira instância e no TRE, para que haja tempo para recurso, se for o caso.