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Pablo Marçal: o ex-coach que embaralhou a disputa em São Paulo e virou alvo da família Bolsonaro

Empresário nascido em Goiânia surpreendeu as campanhas adversárias ao aparecer empatado com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) nas intenções de voto na capital

25 ago 2024 - 03h11
(atualizado às 07h24)
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Pablo Marçal durante debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo
Pablo Marçal durante debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

Diante de um ginásio lotado, Pablo Marçal tentou operar um milagre: fazer uma mulher em cadeira de rodas voltar a andar. Durante quase 10 minutos, o então coach messiânico assumiu papel de líder espiritual, orientando a mulher a se imaginar "dançando com o Senhor" e a repetir mantras como "eu aceito a cura". Com o auxílio de dois homens, Marçal ergueu a mulher, insistindo para que ela encontrasse "força nos nervos" para caminhar, mas ela não conseguiu e quase foi ao chão. "Concentra, tire esse estado de curiosidade", insistiu Marçal, percebendo que o milagre não se concretizava. Após minutos de tentativas frustradas, ele devolveu a mulher à cadeira de rodas e, sem reconhecer a falha, perguntou: "Você se sente culpada?", referindo-se ao acidente que a deixou sem os movimentos nas pernas.

De operador de som de igreja a sucesso milionário nas redes

Dono de uma fortuna declarada de R$ 169,5 milhões e um engajado exército de seguidores nas redes sociais — só no Instagram são 12,9 milhões —, Marçal se tornou conhecido por vender palestras e infoprodutos de autoajuda, com títulos sobre "como tomar o governo da sua própria vida" e "como fazer pelo menos 6 mil por mês do zero".

O candidato conta que seu primeiro emprego formal foi na Igreja Videira, aos 16 anos, como operador de som. Depois, segundo pessoas próximas, ele trabalhou na Brasil Telecom por um período de quase seis anos. Procurada, a empresa disse que Marçal trabalhou de dezembro de 2007 a junho de 2013 no call center da antiga BRT. "Foi contratado como instrutor de treinamento e saiu da companhia na função de gerente de operação", informou a Oi, que comprou a BRT em maio de 2009.

Após sair da Brasil Telecom, ele deu início à sua transição de carreira e conquistou o primeiro milhão com investimentos imobiliários em Goiás, participando da construção de diversos prédios, relatam aliados. Paralelamente, Marçal começou a ministrar treinamentos, sendo o primeiro deles o Método IP (MIP), um curso de inteligência emocional baseado em Programação Neurolinguística (PNL), que, segundo aliados, formou 145 turmas.

Inicialmente, os treinamentos eram presenciais, limitando o faturamento do ex-coach, mas com a migração para o formato online Marçal ampliou seus ganhos e adquiriu outras empresas, diversificando seus negócios. Hoje, conforme relatos de pessoas próximas, suas empresas de tecnologia, que oferecem automação de ferramentas de marketing digital e streaming de vídeos, são as mais valiosas de seu portfólio.

Nas últimas semanas, Marçal se dedicou a capturar o eleitorado bolsonarista da cidade que não se identifica com Ricardo Nunes. O prefeito é apoiado formalmente pelo ex-presidente e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Para isso, Marçal passou a mimetizar Bolsonaro. Na convenção que oficializou sua candidatura, Leonardo Avalanche, presidente nacional do PRTB, repetiu o slogan "Deus, Pátria e Família", utilizado na campanha de Bolsonaro. O ex-coach se refere aos seus filhos da mesma maneira que Bolsonaro, utilizando números para identificá-los.

O sucesso de Marçal em atrair parte do eleitorado bolsonarista sem o apoio do ex-presidente virou motivo de incômodo para o clã Bolsonaro, que passou a mirar sua artilharia em Marçal. O ex-presidente usou o seu canal no WhatsApp na última quinta-feira, 22, para compartilhar um vídeo reunindo diferentes momentos em que Marçal fez declarações contrárias a ele, inclusive comparando-o a Lula. No Instagram, o ex-presidente também alfinetou o ex-coach ao reagir, com ironia, a um comentário em que Marçal dizia: "Pra cima, capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós". Bolsonaro respondeu: "Nós? Um abraço".

Sem jamais ter ocupado um cargo público, Marçal adota uma abordagem eleitoral que rompe com os padrões tradicionais. Embora tenha consultado renomados marqueteiros, decidiu não contratar ninguém para liderar sua campanha, convencido de que ele mesmo é a melhor pessoa para desempenhar essa função. O ex-coach faz questão de afirmar, sempre que pode, que é seu "próprio marqueteiro".

O estilo do empresário chama a atenção até dos adversários, que se surpreendem ao receber mensagens do ex-coach no WhatsApp com feedbacks — alguns até positivos — sobre suas participações em entrevistas. Esse comportamento inusitado é parte da estratégia singular de Marçal, que, durante a pré-campanha, também procurou aconselhamento de políticos como o ex-presidente Michel Temer (MDB), o ex-governador João Doria (sem partido) e até Bolsonaro.

Embora aprecie a interação com todos, até mesmo com concorrentes, aliados de Marçal afirmam que ele dá ouvidos a poucas pessoas e geralmente segue a sua própria intuição. O ex-coach nega ter um estilo centralizador, afirmando que essa percepção é de quem não o conhece. "Eu treino delegação, sou profissional nisso. Uma cidade do tamanho de São Paulo precisa de gente competente em todas as áreas e eu sei recrutar, treinar e cobrar resultados", afirmou ele.

O empresário mantém um círculo de confiança bastante restrito. O advogado Tassio Renam, que trabalha com Marçal há mais de quatro anos, é considerado seu "homem de confiança". Ele conheceu o ex-coach em 2019, após participar de seus cursos. Em 2020, Renam começou a atuar nas empresas de Marçal como especialista em leilões e ascendeu rapidamente até se tornar CEO do grupo Marçal, cargo do qual se afastou para atuar como conselheiro e coordenador da campanha.

Filipe Sabará (Republicanos), além de coordenador do plano de governo, é uma das poucas pessoas com acesso a Marçal e tem feito a ponte entre o ex-coach e o mundo político. Sabará foi secretário de Doria na Prefeitura e no governo de São Paulo, mas depois rompeu com o tucano e se aproximou do bolsonarismo, virando secretário-executivo de Desenvolvimento Social do governo Tarcísio de Freitas e presidente do Fundo Social, cargo do qual foi exonerado em fevereiro deste ano.

Condenado por furto qualificado, investigado pela Civil e PF

O maior problema de Marçal com a Justiça ocorreu nos anos 2000, quando foi acusado e, em 2010, condenado a quatro anos e cinco meses de prisão por integrar um bando que desviava dinheiro de contas bancárias. O caso ocorreu em Goiânia. Ao Estadão, Marçal disse que todo mundo tem problemas na vida e todo mundo de sucesso tem um passado que precisa ser explicado.

"Essa história é sobre uma grande e antiga injustiça que aconteceu comigo. O processo é de quase 20 anos atrás. Eu apenas consertava computadores para um pastor da minha igreja, alguém em que eu confiava pela autoridade que exercia na minha vida. Nunca me beneficiei disso e a própria sentença confirma que não obtive lucro", afirmou ele.

A sentença condenatória foi citada em debates e entrevistas de adversários do ex-coach na disputa eleitoral deste ano. Um recurso do caso foi apreciado em 2018 pelo Tribunal Regional Federal (TRF-1), em Brasília. Com a demora entre sentença e análise recursal, a pena prescreveu. O Código Penal brasileiro prevê prescrição pela metade do tempo para pessoas com 21 anos ou menos ou acima de 70 anos. No caso de Marçal, o crime ocorreu quando ele tinha 18 anos.

De acordo com as investigações da época, Marçal atuava na captura de e-mails de correntistas. Depois, o bando utilizava as informações para enviar programas maliciosos aos clientes das instituições financeiras, como Caixa Econômica e Banco do Brasil. A partir do momento em que as vítimas abriam os e-mails e clicavam no programa, os dados eram roubados.

Marçal também é investigado por tentativa de homicídio privilegiado por conta da escalada do Pico dos Marins, em janeiro de 2022. O empresário chegou a afirmar, nas redes sociais, que aquele havia sido o pior dia de sua vida. A postagem foi apagada. Marçal se defendeu dizendo que não organizou e nem obrigou nenhuma pessoa a subir a montanha.

A investigação é conduzida pela Polícia Civil de Piquete, a 208 km da capital paulista. Em julho último, a Justiça local autorizou a prorrogação do prazo de investigação por mais 90 dias. Sem necessidade de mais tempo, o caso será concluído em meados de outubro, mês em que Marçal será testado nas urnas.

Foi nessa investigação que o Ministério Público de Piquete pediu apuração sobre suposta quebra de cumprimento de medida cautelar por parte de Marçal. A defesa nega nos autos desrespeito ao decidido em juízo. O então coach foi proibido pela Justiça de realizar "qualquer atividade externa na natureza (seja em montanhas, picos, rios, lagos, mares ou em locais correlatos), por si ou por interposta pessoa sem prévia e expressa autorização".

No entanto, o MP afirmou ter tomado conhecimento do programa "La Casa Digital", reality show com participação de Marçal, em maio deste ano. Um dos integrantes diz ter sofrido maus-tratos durante o programa e ter sido submetido a testes físicos intensos.

Em petição recente, o advogado Matheus da Silva Carvalho, que representa Luiz Gabriel Godoy, afirma que os participantes do reality foram acordados às 5h para participar do evento em maio último. "É evidente que, para exigir tal esforço físico de pessoas que há muito tempo não praticavam esportes como o presente manifestante, era de se esperar que no mínimo fosse feito um exame atestando condição para tais atividades. Após três horas de exercícios intensos, os participantes foram submetidos a duas provas em um lago da fazenda de quase 50 metros de comprimento", cita o advogado.

A Polícia Federal também mantém inquérito aberto para apurar se Marçal cometeu crime de lavagem de dinheiro durante a campanha eleitoral de 2022. Há dois anos, o ex-coach despejou junto de seu sócio Marcos Oliveira R$ 1,7 milhão em suas campanhas. Porém, a verba foi utilizada com gastos registrados com empresas de Marçal.

O valor exorbitante e a forma de gasto chamaram atenção de investigadores para supostas ações de lavagem de capitais e apropriação indébita. O caso corre em sigilo. Marçal também negou irregularidades.

Um partido sob a mira da polícia

O partido de Marçal está imerso em polêmicas, enfrentando uma série de acusações sobre uma possível ligação de seus integrantes com o crime organizado. Nesta semana, o Estadão mostrou que antigos aliados do presidente nacional do PRTB e articuladores informais da legenda de Pablo Marçal são acusados de trocar carros de luxo por cocaína para o Primeiro Comando da Capital (PCC), financiando o tráfico de drogas e dividindo os seus lucros.

"Se há bandidos no meu partido como dizem, me ajudem a limpá-lo. Não compactuo com corrupção e não tenho rabo preso com ninguém. Estou sem aliança partidária justamente porque não cedi a esse jogo de 'loteamento'", disse Marçal.

Estadão
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