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TSE precisa 'baixar a temperatura' das campanhas, diz advogado especialista em direito eleitoral

Fernando Neisser afirma que Corte eleitoral deve adotar o mesmo critério para ambos os lados no segundo turno.

20 out 2022 - 21h32
(atualizado às 21h45)
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Foto: Folha Dirigida

Especialista em Direito Eleitoral, o advogado Fernando Neisser afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem a prerrogativa de ser mais "intolerante" com o uso de informações descontextualizadas e também distorcidas. Segundo o advogado, a Corte, que também tem como atribuição a administração das eleições, pode agir de maneira mais "ativa" para "baixar a temperatura" das campanhas.

Neisser é defensor da ideia de que a Corte possa ter uma postura dura durante o pleito, mesmo que pontualmente venha a se debater o mérito das decisões referentes a retirada de conteúdo e direitos de resposta. Pondera, no entanto, que a Corte deve adotar o mesmo critério para ambos os lados no segundo turno.

Em entrevista ao Estadão, o advogado afirmou ainda que a nova resolução que acelera a retirada de conteúdo falso do ar tornará mais efetivo o cumprimento das decisões judiciais. Leia abaixo, os principais trechos da entrevista.

O TSE mandou tirar do ar materiais da campanha de Lula e de Bolsonaro que reproduziam fatos, como a declaração de um ex-ministro do STF e uma fala pretérita do candidato, mas que poderiam conter ofensas ou distorções. Excessos estão sendo cometidos?

Acho difícil essa compreensão. Eu acho que a leitura geral na sociedade com relação a 2018 foi de um fracasso do TSE no controle da disseminação. Essa foi uma leitura que foi concebida pelo TSE. Logo em seguida da eleição, assumiu a gestão do ministro Luís Roberto Barroso e conduziu um programa de enfrentamento à desinformação multifacetado que envolveu aproximação das plataformas, a criação de convênios com elas e termos de cooperação.

Houve um posicionamento da sociedade muito contundente nos últimos quatro anos, pedindo e exigindo da Justiça Eleitoral um posicionamento firme e contundente para evitar o que aconteceu em 2018. E é muito complicado fazer uma análise no varejo diante de um movimento tão amplo.

Sobre a questão da descontextualização, acho que isso é um ponto muito importante, porque a gente precisa entender por que a Justiça Eleitoral, de alguns anos para cá, passou a acreditar que era importante controlar a descontextualização. Ela não achava.

Mas o papel da Justiça é controlar fake news patente ou também analisar questões mais subjetivas como a descontextualização? Caso sim, isso não demanda um cuidado maior para evitar a retirada equivocada de material verídico?

Concordo que em qualquer controle de conteúdo você tem um espaço de subjetividade, não tem jeito. É assim no Brasil e em qualquer lugar. Agora, há seis ou oito anos atrás, dez anos atrás, praticamente o único canal de propaganda eleitoral era o horário eleitoral gratuito em rádio televisão.

Com isso, você garantia, de certa forma, que todos os candidatos tivessem acesso ao mesmo tipo de eleitor, que eram as pessoas que assistiam o horário eleitoral no rádio e na televisão. E a Justiça Eleitoral podia adotar uma postura mais minimalista, menos intervencionista de dizer: Ora, se eu tenho uma dúvida aqui do caráter sabidamente inverídico dessa afirmação, é melhor deixar fluir, porque o outro lado tem o seu horário eleitoral para responder para o mesmo público que vai ter acesso a essa informação. Essa lógica, esse monopólio que rádio e televisão para muitos, de certa forma jornais e revistas tinham da comunicação, foi quebrado pela internet. Hoje, qualquer pessoa que tenha um grupo de seguidores de uma página de um perfil tem acesso a fazer esse mesmo tipo de comunicação para muitos, de uma forma que só aquele público vai ter acesso.

E aí essa argumento de que "a outra campanha que responda" não é suficiente, porque você não tem como garantir que a outra campanha consiga chegar nas pessoas que tiveram acesso àquele tipo de informação, ou pelo menos, daquele tipo de público.

Isso levou a Justiça Eleitoral, de certa forma, a baixar a baliza do controle, a pegar mais coisas. Algumas afirmações que ficavam no espaço de dúvida entre o fato falso, o fato descontextualizado, passaram a precisar ser controlados para que você tenha uma efetividade maior disso. A par dessa mudança tecnológica, as pessoas que estudam a desinformação como um fenômeno informacional, não só no Brasil, mas no mundo, têm diagnosticado algumas estratégias das máquinas de disseminação de desinformação.

Uma delas é efetivamente não usar fatos objetivamente falsos, mas preferir descontextualizar fatos. É exatamente para tornar mais difícil o controle das autoridades judiciais ou do sistema judiciário do país. O TSE não pode adotar uma postura ingênua, de deixar que essa estratégia dê frutos simplesmente porque não estou diante de, abre aspas, um fato sabidamente inverídico.

Em um dos caso de retirada de conteúdo do ar, uma propaganda mostra uma frase que foi efetivamente dita pelo adversário, mas num período não tão distante, como um ano atrás. Não deixa de ser um fato, a pessoa disse aquilo. Onde está a distorção?

Eu acho que no varejo a gente pode ter entendimentos de ali eu acho que descontextualizou, ou não. O que me parece é que o TSE fez, veja, simultaneamente no caso da pedofilia nas meninas da Venezuela e fez em questões da campanha do Lula, pediu para tentar adotar um padrão mais uniforme. Nos vamos ser mais intolerantes a essa descontextualização para baixar a temperatura do jogo.

Ao meu modo de ver, eu acho uma reunião à qual o TSE deu publicidade com os jurídicos das campanhas pedindo para baixar o tom. Mais ou menos como a gente viu o ministro Toffoli, em 2014, quando presidiu o TSE fazer com as campanhas do Aécio e da Dilma esse tipo de conversa. A Justiça Eleitoral tem uma peculiaridade importante de, ao mesmo tempo em que é um órgão jurisdicional que, portanto, decide diante de casos concretos, que são levados a ela, também é um órgão administrativo que tem a tarefa de tocar as eleições.

Ela pode assumir essa postura mais ativa, porque ela tem essa tarefa. Cabe a ela fazer com que o processo eleitoral seja conduzido de forma a garantir legitimidade, normalidade. Essa é a missão constitucional dela. Entender que o clima está tenso demais, e é importante que as campanhas abaixem um pouco a temperatura e, para isso, a Justiça Eleitoral adotar, desde que de forma uniforme para os dois lados, uma mesma regra me parece dentro da tarefa administrativa da Justiça Eleitoral de conduzir as eleições.

O TSE aprovou uma resolução para acelerar a retirada de conteúdo falso do ar. Sempre há muita reclamação das defesas de candidatos de que a Justiça Eleitoral nunca chegava a tempo para evitar que uma fake news se espalhasse porque demorava a retirada do erro. Como é que o senhor vê essa resolução?

Esse é um reclamo de todos os candidatos. Há duas questões em jogo e normas que foram aprovadas hoje que são muito relevantes? A primeira é esse cumprimento num prazo. Às vezes, 24 horas é muito.

E segunda questão é que, assim como o mundo das fake news tem adotado a descontextualização ao invés do fato objetivamente inverídico como estratégia, também adotou a ideia de você subir de novo o material já considerado ilegal em outra URL, outro endereço, outro perfil, outro canal. Depende da plataforma.

E você cria um jogo de gato e rato. Você coloca os candidatos a enxugar gelo, dedicar tempo pessoal, horas de trabalho para localizar novos endereços, ficar impetrando com novas ações de algo que a Justiça Eleitoral já decidiu, e, portanto, muito inteligente e eficaz a medida de simplesmente a própria Justiça Eleitoral, recebendo a informação de quem quer que seja, e verificando que se trata do mesmo material, poder dar uma ordem de extensão daquela decisão judicial que já havia sido dada.

Estadão
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