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Emergência global da mpox: não há risco de pandemia como a de Covid-19, mas doença não deve ser subestimada

Países africanos enfrentam surto grave da doença, que tem taxa de letalidade de até 10%. Num mundo conectado, evitar a transmissão da mpox tem sido um desafio.

25 set 2024 - 09h47
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Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a mpox como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, em 14 agosto de 2024, o anúncio causou apreensão na população mundial. Afinal, ainda está fresca na memória coletiva o sofrimento da recente pandemia ocasionada pelo SARS-CoV-2.

Os impactos em saúde pública sentidos pela Covid-19 trazem um temor a cada nova emergência em saúde declarada pelos órgãos internacionais, e com a mpox não seria diferente. Depois da pandemia, a ocorrência de eventos de saúde em níveis globais passou a chamar a atenção e vários setores da sociedade e a população em geral continuam em alerta.

Há uma busca frequente por informações sobre vírus e patógenos causadores de doenças humanas. Questionamentos sobre vacinas disponíveis, características dos patógenos, risco de complicações e óbitos são temas que hoje fazem parte do interesse do público geral.

O cenário atual exige preocupação, e por isso a recomendação da OMS e a prioridade de vigilância adotada pelo Ministério da Saúde. No Brasil, já são mais de mil casos da doença registrados esse ano.

Apesar do número crescente de casos em vários países, não há motivos de apreensão quanto ao surgimento de uma pandemia similar à Covid-19. Mas é importante conhecer a mpox e os riscos que ela traz.

O que é a mpox?

A doença que deixou o mundo mais uma vez em alerta é causada pelo vírus monkeypox. Essa é a segunda vez que a OMS declara a doença como emergência de saúde pública de interesse internacional. A primeira vez havia sido em 23 de julho de 2022.

Ainda existem alguns questionamentos sobre a mpox que permanecem sem respostas. Mas muito já se sabe sobre o vírus. O monkeypox é incluído num grupo de vírus bastante conhecido pelos virologistas, a família Poxviridae, que apresenta importância médica e veterinária.

Dentro desse grupo se destaca o gênero Orthpoxvirus, no qual estão incluídos vírus já reconhecidos como atores de saúde pública global: o vírus da varíola, causador de uma das doenças humanas mais mortais da história; o vírus vaccínia, utilizado na vacinação que tornou possível a erradicação da varíola; e o vírus cowpox, que circula especialmente na Europa e Ásia.

Assim como os outros ortopoxvírus, o monkeypox é um vírus que tem DNA como seu material genético. Esses vírus apresentam partículas virais grandes em comparação com outros vírus já descritos. Outra característica bem marcante desse grupo é a capacidade de infectar uma ampla gama de espécies, podendo causar doenças em seres humanos e outros animais, sejam eles domésticos, de produção ou silvestres.

Nas atuais emergências em saúde que afetam a nossa espécie, os vírus têm desempenhado um papel importante. São vírus os causadores da Covid-19, Dengue, Zika, Oropouche e Influenza, por exemplo. E todas essas doenças compartilham uma característica comum: são consideradas viroses zoonóticas (doenças que são transmitidas naturalmente dos animais para as pessoas). Com a mpox, o contexto é o mesmo: o vírus monkeypox circula em animais silvestres há décadas no continente africano.

Um breve histórico da mpox

O vírus monkeypox foi descoberto em 1958, após ser isolado de um macaco infectado. Os primeiros casos da doença em humanos foram registrados na década de 1970 na República Demócrática do Congo (RDC). Este país se tornou o epicentro da doença desde então. Gostaríamos de deixar claro que, quando mencionamos alguns países, é simplesmente uma questão de traçar a epidemiologia e a história da mpox, e não de apontar culpa pela origem da doença.

Entre 1980 e 2009, os casos humanos aumentaram, mas foram poucos países africanos que registraram casos. O primeiro surto fora do continente africano ocorreu nos EUA, em 2003, após a importação de animais silvestres comercializados como pets exóticos.

A partir de 2010, além do aumento dos casos na RDC, mais países africanos registraram casos da doença. Após quase 40 anos sem casos confirmados, a Nigéria voltou a registrar a doença. E, no surto iniciado em 2017, os pesquisadores nigerianos observaram mudanças nos sinais clínicos apresentados e diferentes grupos afetados pela doença.

A partir de 2022, ocorre a disseminação do vírus para outros continentes — um surto nunca antes registrado para vários países não endêmicos. E o contato sexual foi a principal forma de transmissão observada, diferentemente de surtos anteriores no continente africano. Anteriormente, a transmissão por contato com animais silvestres ou com pessoas infectadas que viviam na mesma casa era mais comum. Apesar disso, ainda é discutido se a mpox é uma doença sexualmente transmissível, mais estudos precisam ser realizados.

Manifestação e transmissão da mpox

Os sintomas clássicos da mpox incluem erupções e lesões na pele, febre, inchaço dos linfonodos, dor no corpo e mal-estar. Podem ser observados também sintomas respiratórios, e comumente o início dos sintomas ocorre após 21 dias de exposição ao vírus, com duração média de duas a quatro semanas.

De maneira geral, as infecções por ortopoxvírus são conhecidas classicamente pela formação das erupções e lesões na pele. Essas lesões podem se manifestar nas mãos, pés, tórax e rosto, além de regiões genitais. São descritos ainda estágios da formação dessas lesões, sendo relevante destacar que um paciente infectado pode transmitir o vírus durante a presença dessas lesões, e apenas após a completa resolução e cicatrização das feridas a transmissão cessa.

A principal forma de transmissão é por contato próximo, especialmente com as lesões. Entretanto, pode ocorrer a infecção por gotículas respiratórias, por meio de roupas de cama e outros utensílios contaminados, além do contato com animais infectados.

Vacinas disponíveis contra a mpox

Existem duas vacinas disponíveis que podem proteger da mpox: a ACAM 2000, usada para proteção contra a varíola; e a Jynneos, mais recente e com menos efeitos colaterais. Essa nova vacina está sendo usada em mais grupos, como pessoas com HIV ou portadoras de outras doenças que afetam o sistema imune, além dos profissionais de saúde.

Mas, no Brasil, pesquisadores do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (CT Vacinas / UFMG) estão se preparando para obter a permissão da Anvisa para iniciar a primeira fase de ensaio clínico do imunizante brasileiro contra a mpox. As pesquisas se iniciaram em 2022 e, segundo os pesquisadores, a vacina se mostra muito segura e eficaz.

O novo alerta internacional sobre a doença

A emergência internacional da mpox declarada em agosto de 2024 se deve essencialmente ao surgimento na RDC de um clado diferente do que se disseminou em 2022. Cientificamente, grupos ou clados virais são definidos por apresentarem diferenças genéticas em seu DNA, mas essas diferenças não os distinguem como espécie.

Quando análises do DNA são realizadas com diferentes isolados do vírus monkeypox detectados ao longo do tempo, são observados dois agrupamentos, chamados de Clado I e Clado II. Os clados do vírus monkeypox também eram conhecidos por circular majoritariamente em regiões específicas: o Clado I relacionado especialmente à África Central e Bacia do Congo e o Clado II relacionado à África Ocidental.

Em 2022, um novo subclado, chamado de IIb, foi o responsável pelo surto global e apresentou transmissão sustentada de humano a humano, indicando que o vírus estava circulando entre as pessoas sem ser possível saber a origem. Ou seja, os novos casos de mpox não tinham mais relação com viagens a países africanos afetados, por exemplo.

A partir do fim de 2023, foi observado o surgimento de um outro subclado, o Ib, que se tornou uma ameaça. Além disso, outros países africanos estão registrando a mpox pela primeira vez em seus territórios. Todas as cinco regionais do continente africano registram casos da doença, com mais de 26 mil casos suspeitos e mais de 700 óbitos somente neste ano, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doença da África (Africa CDC.

Esse novo surto também apresenta como característica a transmissão principalmente pelo contato sexual. Desta forma, há uma preocupação de um novo surto global por esse novo subclado de forma similar ao que ocorreu com o subclado IIb em 2022. Dados científicos sempre demonstraram uma letalidade maior associada ao Clado I (ao qual pertence o subclado responsável pelo surto atual na RDC), com taxa de letalidade de até 10% quando comparado a 4% referente ao Clado II (ao qual pertence o subclado que gerou o surto de 2022).

Uma nova pandemia está por vir?

Considerando a história, com a ocorrência de surtos da mpox nos países africanos que foram negligenciados pelas autoridades de saúde global, a eclosão do recente surto global da mpox era provável e já anunciada por membros da comunidade científica. Os patógenos zoonóticos não são erradicados facilmente. Assim, demandam uma vigilância constante da vida animal e acompanhamento dos surtos para que, em situações de emergência, as melhores respostas e medidas sejam adotadas.

Nesse cenário, a natureza zoonótica dos patógenos virais — incluindo o vírus monkeypox e os outros com os quais seguimos convivendo ao longo dos últimos anos — diz muito para a ciência e para os tomadores de decisão em saúde a respeito dos gargalos que devem ser priorizados e resolvidos.

Para uma doença se configurar como uma pandemia, diversas características devem ser levadas em conta. Uma delas, é a ocorrência de casos em países e continentes diferentes, mas também ter uma transmissão do patógeno de pessoa a pessoa de forma sustentada e rápida. Além disso, o número de pessoas que são infectadas após contato com um único caso deve ser considerado.

A biologia do próprio vírus monkeypox e a forma de transmissão da mpox, principalmente através de contato próximo, são características que limitam uma disseminação tão excepcional como a observada para o SARS-CoV-2, um vírus de transmissão respiratória.

No entanto, o surto grave que vem se estendendo nos países africanos (em populações vulneráveis sem acessos básicos à saúde e informação), agravado por cenários geopolíticos complexos, mostra que enfrentar a mpox tem sido um desafio. A emergência global de 2022 e a situação atual ressaltam o quanto o mundo conectado pode contribuir para disseminação de patógenos e quão essencial é não subestimar epidemias em qualquer local do globo.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Ana Gabriella Stoffella Dutra recebe financiamento do CNPq, Câmara Pox-MCTI e INCT-Pox.

Débora de Meneses Souza de Oliveira recebe financiamento da CAPES, CNPq, FAPEMIG, Câmara POX-MCTI e INCT-POX.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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