Enigma revelado: Machado conceituou psicologia humana antes de Freud
Há uma correlação direta, nunca antes mencionada, entre Machado de Assis e Sigmund Freud, que ronda o conceito de Narcisismo na psicologia. Machado antecipou o Narcisismo quando definiu, desde jovem, sua futura ocupação como escritor literário.
Imortalidade na literatura
Ele tinha o desejo de imortalidade como um "êmulo de Ovídio", tal como escreveu aos vinte anos de idade, em 11 de setembro de 1859. Ovídio alcançou a imortalidade como autor de "Narciso e Eco" (8 d.C.), e emular Ovídio tem o sentido de segui-lo como escritor.
Por outro lado, o jovem Freud iniciou sua vida com profissão indefinida. Decidiu pela medicina. Formou-se médico em 1882. Em torno dos quarenta anos de idade, em 1896, começou a desenvolver a psicologia, que nomeou psicanálise, dentro da medicina. Mas, foi somente em 1914 que veio a se dar conta que a psicanálise envolvia o seu próprio Narcisismo, e publicou o grande artigo de nome "O Narcisismo: uma introdução" (1914). O Narcisismo denuncia a própria psicanálise. Freud, porém, o introduziu na teoria, pois, não poderia entregar à sociedade uma psicologia na qual faltasse o conceito de Narcisismo estrutural.
Apesar de conceituá-lo apenas em 1914, seu desejo Narcísico de imortalidade já estava expresso em carta a Wilhelm Fliess, de 12 de junho de 1900: "Você acha que, algum dia, será possível ler numa placa de mármore nesta casa, 'Aqui, no dia 24 de julho de 1895, o segredo do sonho se revelou ao Dr. Sigm. Freud'?".
O fato de Machado ter antecipado o Narcisismo visando a imortalidade literária facilitou-o na percepção de certos conceitos psicológicos presentes na cultura humana, conceitos esses similares aos que depois Freud descobriu na clínica.
Paralelos entre Machado e Freud na psicologia
Travessia do Rubicon, em Machado, é o cuidado em infringir a lei; em Freud corresponde à castração. Petalogia, o riso ou humor, em Machado, é uma forma de se aliviar das pressões psicológicas evitando os sintomas; em Freud, é o chiste. Similia similibus curantur, da homeopatia, é tomado por Machado como tratamento do mesmo pelo mesmo, que corresponde à cura pela palavra, em Freud; Caiporismo, em Machado de Assis trata da eventualidade, da surpresa psicológica, do susto, da sorte e do azar, da vitória e da derrota. O conceito correspondente em Freud é o de Acontecimento imprevisto, que derruba a pessoa de todas as suas expectativas. E desse mesmo modo existem outros conceitos paralelos.
Não se compreende por qual motivo até os dias atuais não se havia produzido nenhum livro que elucidasse melhor o enigma machadiano. A falha, com certeza, se deve ao fato de Machado ter deixado nas entrelinhas, aqui e ali, que sua obra continha uma "nova doutrina psicológica": "reúno em mim mesmo a teoria e a prática", "hão de traduzi-la em todas as línguas. As academias e institutos farão dela um pequeno livro", "as filosofias queimarão todas as doutrinas anteriores, ainda as mais definitivas, e abraçarão esta psicologia nova, única verdadeira", que seria descoberta em "2222".
Sua intenção estava expressa desde 1862, aos vinte e três anos de idade, em carta a Quintino Bocaiúva:
"Tenho o teatro por coisa muito séria, e as minhas forças por coisa muito insuficiente; penso que as qualidades necessárias ao autor dramático desenvolvem-se e apuram-se com o tempo e o trabalho; cuido que é melhor tatear para achar; é o que procurei e procuro fazer. Caminhar destes simples grupos de cenas — à comédia de maior alcance, onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se case ao conhecimento prático das condições do gênero — eis uma ambição própria de ânimo juvenil, e que eu tenho a imodéstia de confessar. E, tão certo estou da magnitude da conquista, que me não dissimulo o longo estádio que há percorrer para alcançá-la. E mais. Tão difícil me parece este gênero literário, que, sob as dificuldades aparentes, se me afigura que outras haverá menos superáveis e tão sutis, que ainda as não posso ver. Até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha perseverança? Eis o que espero saber de ti".
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* Adelmo Marcos Rossi é engenheiro civil, psicólogo, mestre em filosofia e microempresário. Se dedica há quase 15 anos aos estudos sobre psicanálise, e é autor do livro "O Imortal Machado de Assis - Autor de Si Mesmo".
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