Entenda o que é o Plano Diretor e por que ele importa nas eleições 2020
Futuro prefeito de São Paulo terá que enviar, em 2021, projeto de revisão das diretrizes atuais
O prefeito eleito de São Paulo nas eleições 2020 será incumbido da tarefa, prevista na legislação, de revisar o Plano Diretor da cidade em 2021. Mas o que é esse plano e por que ele importa? Trata-se de uma lei municipal aprovada pela Câmara de Vereadores e que contém as diretrizes de crescimento da cidade. Ele determina, por exemplo, a altura máxima de prédios nas diferentes regiões do município. O texto diz ainda quais bairros devem ter mais preservação ambiental ou devem reservar mais espaços para moradias populares.
O texto também orienta outras leis importantes, como a Lei de Zoneamento, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e o Código de Obras e Edificações.
"O Plano Diretor é sempre uma luta mortal, é o terror do vereador sério", afirmou Gilberto Natalini (PV), que está em seu 5º mandato na Câmara de São Paulo e acompanhou a tramitação dos últimos dois textos aprovados. "Esse texto define se você vai ter bairros horizontais (com casas) ou verticais (com prédios), da permissão para o funcionamento de fábricas e comércio em determinados tipos de região, determina quanto que as incorporadoras vão ter que pagar para construir prédios acima do permitido, etc", acrescentou ao Estadão.
De acordo com Natalini, toda vez que há um plano sendo discutido, há pressão de incorporadoras e setores do comércio e da indústria para que passem a ser permitidas mais atividades em áreas residenciais. "A Prefeitura é sempre alvo de pressão de interesses econômicos que avançam sobre o direito do sossego urbano", afirmou. Ele acrescenta que há até casos de Igrejas que fazem pressão para regularizar templos erguidos sem seguir normas.
Um dos principais conflitos que se observa é entre a indústria imobiliária, que quer permissão para construir torres em bairros horizontais, com predominância de casas, e associações de moradores.
Por que o plano tem que ser revisto?
De acordo com o texto que está atualmente valendo, um projeto de revisão deverá ser enviado à Câmara de Vereadores de São Paulo no ano que vem pelo prefeito que estiver ocupando o cargo. Trata-se, portanto, de quem vencer a disputa das urnas em novembro.
"O Executivo deverá encaminhar à Câmara Municipal proposta de revisão deste Plano Diretor, a ser elaborada de forma participativa, em 2021", afirma a lei.
Especialistas apontam que é necessário que o texto seja mesmo revisado periodicamente, para que se ajuste conforme as necessidades da cidade.
Quais candidatos à Prefeitura citam o plano em seus programas de governo?
Andrea Matarazzo (PSD), que foi presidente da Comissão de Política Urbana na Câmara dos Vereadores quando o plano atual ainda estava sendo discutido, inclui em seu programa de governo diversas menções a metas estão em vigor, como em relação a arborização. "Daqui a pouco vamos ter veículos autônomos (carros que dirigem sozinhos), tudo isso tem que estar previsto", explicou ele ao Estadão, sobre a necessidade de atualizar o plano.
Arthur do Val (Patriota) cita as diretrizes atuais na parte do seu programa que fala de problemas de urbanismo e de mobilidade. Além disso, ele fala publicamente de propostas para a revisão do Plano Diretor. Já o documento entregue por Celso Russomanno (Republicanos) à Justiça Eleitoral menciona a intenção de "refazer o plano diretor de logística de abastecimento e trânsito por meio de bicicletas e patinetes".
Guilherme Boulos (PSOL) cita as diretrizes atuais e promete combater a especulação imobiliária em zonas urbanas e áreas proteção ambiental. O programa de Jilmar Tatto (PT) fala em definir indicadores e metas de sustentabilidade na revisão do plano. A equipe de Joice Hasselmann (PSL) entregou propostas específicas a serem defendidas pela Prefeitura durante a revisão, como o aumento potencial construtivo em empreendimentos sociais.
Marina Helou (Rede) promete aplicar instrumentos de gestão que já estão em vigor pelo plano atual, como o IPTU progressivo, que aumenta anualmente os impostos cobrados sobre imóveis ociosos a fim de evitar a especulação imobiliária. Filipe Sabará (Novo) diz que vai aproveitar a revisão para permitir que a região central da cidade fique mais densa, entre outras propostas.
Por que São Paulo possui um plano?
A Constituição Federal demanda que todas as cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes elaborem diretrizes do tipo, que precisam ser aprovadas pelos vereadores do município, para orientar o crescimento urbano.
"O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana", diz a Carta.
Esse ponto da Constituição é regulamentado por uma lei federal (nº 10.257/2001) conhecida como o Estatuto das Cidades. Nela, está prevista que o plano de uma cidade seja revisto ao menos uma vez a cada dez anos.
Apesar disso, em São Paulo, houve um intervalo de 12 anos entre o penúltimo plano, aprovado durante a gestão Marta Suplicy (lei municipal nº 13.430/2002), e o último, que está em vigor - diretrizes que passaram a valer na gestão de Fernando Haddad, em 2014. O ex-prefeito Gilberto Kassab tentou fazer um plano em 2006, mas não conseguiu.
Quando o último plano foi elaborado?
As diretrizes atualmente em vigor foram aprovadas como lei em 2014 (lei municipal nº 16.050/2014, do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo), na gestão de Fernando Haddad (PT), sendo que o processo de tramitação do projeto se iniciou em 2013 e foi acompanhado de inúmeras audiências públicas.
Ainda na gestão do petista, sofreu alteração com a aprovação, em 2016, da Lei de Zoneamento (nº 16.402/2016). Passou a ser liberada, por exemplo, a construção de apartamentos maiores e com mais de uma vaga de garagem nas avenidas com oferta de transporte público. Também se permitiu prédios com o dobro de altura em 8% do território da capital. Como várias mudanças significativas foram inseridas no texto pouco antes da aprovação do projeto, desconsiderando dezenas de audiências públicas, as mudanças foram alvo de ações na Justiça por entidades de arquitetos e de moradores e acabaram suspensas.
Já na gestão de Bruno Covas, houve a aprovação da lei nº 17.217/2019, que também alterou o plano diretor e foi alvo de críticas por privilegiar o transporte individual, em detrimento do transporte público.
Há casos de desrespeito ao plano?
Sim. Um dos principais exemplos é a devastação de matas em Áreas de Proteção Ambiental (APAs) criadas pelo Plano Diretor Estratégico que está em vigor. A fiscalização cabe à Prefeitura.
"As matas de mananciais de Parelheiros estão sendo colocadas abaixo. O plano diretor criou Áreas de Proteção Ambiental que não são respeitadas", disse Natalini sobre a Prefeitura não fiscalizar a ocupação irregular promovida por organizações criminosas na região. Ele também fala que a ocupação irregular ocorre em Capelas do Socorro e M'Boi Mirim.
"À revelia da prefeitura e do governo do Estado e com a complacência dos órgãos públicos, o que está em jogo é a água da Represa Guarapiranga, que abastece 4 milhões de pessoas na cidade de São Paulo", afirmou o vereador. De acordo com o vereador, o crime organizado criou 48 mil lotes irregulares cuja venda significará lucro de mais de R$ 2 bilhões.
Matarazzo questiona a classificação de algumas áreas como regiões de mananciais, que faz com que elas, pela regra, teriam que permanecer desocupadas.
"Se a área de manancial tem 2,5 milhões de pessoas em cima, aquilo continua sendo um manancial?", indagou o ex-vereador. Ele é favorável a permitir que as pessoas que já ocupam essas regiões sejam regularizadas a fim de se levar saneamento para esses locais, combater o loteamento criminoso e dificultar mais poluição. "Isso ajuda a regularizar também o comércio que está lá. Atualmente, apenas 10% dos empregos formais da cidade estão na periferia", argumentou.