Espaço é fonte de temores que podem gerar teorias da conspiração
O medo do espaço pode se combinar com a desconfiança sobre governos e instituições, levando-nos a adotar teorias da conspiração.
Há muitos problemas na Terra, mas ainda há motivos para se preocupar com coisas ruins que vêm do céu. O mais recente é o asteroide 2024 YR4, que pode ser um "assassino de cidades" se atingir uma área densamente povoada de nosso planeta nos primeiros anos da próxima década.
As chances de isso acontecer agora são estimadas em cerca de 0,001%. Mas houve um breve momento após a descoberta do asteroide no ano passado em que o risco estimado de um impacto direto ultrapassou o limite "confortável" de 1%.
É preciso se preocupar com a defesa planetária se quisermos evitar seguir o caminho dos dinossauros. Mas há muitas outras coisas que podem nos matar, inclusive as mudanças climáticas e as guerras. Então, o que há no espaço que chama nossa atenção? E como esses temores nos afetam - individualmente e como sociedade?
No longo prazo, algum objeto celeste grande nos atingirá, a menos que possamos redirecioná-lo. A responsabilidade pela preparação para isso começa conosco.
Se preparar, no entanto, também traz riscos. Daniel Deudney, professor de ciência política da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, alertou que as tecnologias usadas para a defesa planetária podem não apenas desviar os asteroides para longe da Terra, mas também trazê-los em direção a ela como uma ferramenta em um conflito militar.
Conforme explica em seu livro Dark Skies, a solução de Deudney é reverter, regular e abandonar a maioria das atividades humanas no espaço por vários séculos. Quanto mais agirmos no espaço, ele acredita, maior será a probabilidade de os Estados entrarem em um conflito catastrófico. "Evitar o desastre da civilização e a extinção de nossa espécie agora depende de discernir o que não fazer e, em seguida, garantir que não seja feito", escreve ele.
Em última análise, Deudney argumenta que a exploração espacial chegou cedo demais e que devemos reverter o processo até estarmos prontos. Dito isso, ele acredita que ainda podemos precisar de alguma forma de defesa planetária, mas que ela pode ser limitada.
Ficar em compasso de espera por séculos, no entanto, é uma escolha improvável. As chances de um impacto de um asteroide podem ser muito altas. E o interesse político na exploração espacial é, neste momento, irreversível.
O medo do espaço cresceu junto com os programas espaciais. As preocupações com os impactos de asteroides e com o excesso de militarização se apoiam em medos mais profundos sobre o espaço, como o desconhecido. No entanto, elas também se baseiam em preocupações com o lado autodestrutivo da Humanidade.
Ambos os temores são muito antigos. Um dos primeiros contos humanos rastreáveis, a história da "Caçada Cósmica", que remonta a pelo menos 15.000 anos, combina os dois.
Uma versão indígena Sami, que sobreviveu na Escandinávia descreve como uma grande caçada nos céus daria errado se o caçador ficasse impaciente e disparasse uma flecha que errasse o alvo e atingisse acidentalmente a estrela polar. Isso faria com que o dossel do céu noturno caísse sobre a Terra. Mais uma vez, os temores sobre as ações humanas equivocadas e a ameaça vinda de cima se manifestam.
Podemos ver isso nos medos modernos impulsionados pela tecnologia, como a Ufologia. Alguns crentes ferrenhos em óvnis não estão preocupados apenas com visitantes hostis, mas com colaborações secretas entre cientistas na Terra, ou com toda uma conspiração para manter a verdade longe do público.
Sem a crença em uma conspiração para suprimir as evidências, toda a ideia cai por terra. Mas sem a crença de que há de fato algo a temer do espaço, não há motivo para a conspiração. O medo do espaço é uma parte necessária desse quadro.
Essa é uma ideia perfeitamente capturada recentemente pelo autor chinês de ficção científica Cixin Liu, que compara o espaço a uma "floresta escura" na qual civilizações alienígenas estão tentando se esconder umas das outras.
Tudo isso pressupõe algo como uma mentalidade de bunker, uma separação excessiva entre a Terra e o espaço, ou entre o céu e o solo. Isso é algo a que me referi como viés terrestre. Esse preconceito permite que o espaço apareça como um exterior ameaçador, em vez de algo do qual nós também fazemos parte.
Vírus alienígenas
A racionalização para esse medo muda e não se restringe a asteroides, extraterrestres, meteoros e conflitos militares descontrolados. Existe até uma teoria de que os vírus vêm do espaço.
Quando os céticos da COVID-19 procuraram uma ideia para explicar por que o uso de máscaras era inútil, muitos deles se depararam com uma teoria obscura elaborada pelos astrofísicos Fred Hoyle e Chandra Wickramsinghe em 1979.
Algumas pessoas acreditam que a COVID-19 veio do espaço.Viacheslav LopatinNo final das contas, a dupla teve uma boa ideia que foi seguida por uma ideia ruim. A boa ideia era que os componentes para o surgimento da vida podem ter vindo do espaço. A má ideia era que eles vieram já formados, como vírus e bactérias, e que ainda estão chegando.
De acordo com essa teoria, pandemias bem conhecidas do passado (como a letal pandemia de gripe de 1918 e até mesmo epidemias na Antiguidade) foram aparentemente o resultado de vírus vindos do espaço e não o resultado da transmissão de pessoa para pessoa - muito menos de portadores assintomáticos.
A versão desta história sobre a COVID-19 envolveu a explosão de um meteoro sobre a China. Em uma entrevista, Wickramsinghe alegou que "um pedaço desse bólido contendo trilhões do vírus da COVID-19 se desprendeu quando ele estava entrando na estratosfera", liberando partículas virais que foram então transportadas pelos ventos predominantes.
A ideia ilustra a maneira pela qual os temores em relação ao espaço são usados para gerar ansiedade em relação às falhas ou irregularidades humanas. Desde então, o ceticismo em relação à COVID-19 chegou até a Casa Branca.
Mas os temores em relação ao espaço também podem ser usados para criticar aqueles que estão no poder. Em nossa época, eles são usados para alimentar narrativas sobre bilionários com agendas espaciais privadas e acesso presidencial, turistas espaciais ricos e possíveis colonizadores ainda mais ricos de Marte e além. É uma narrativa tentadora, mas que vê a Terra como um sistema fechado, que não deve ser aberto para o exterior.
É possível que, em algum nível, tenhamos medo do próprio espaço. Certamente temos um senso exagerado de nossa separação terrestre dele. E há algumas coisas específicas com as quais temos motivos para nos preocupar. Mas também há o risco de que o medo do espaço possa se combinar com suspeitas sobre governos, levando-nos a adotar teorias da conspiração como uma forma de consolidar diferentes tipos de preocupações em um único conjunto de crenças gerenciável.
Tony Milligan recebe financiamento do European Research Council (ERC) no âmbito do programa de pesquisa e inovação Horizon 2020 da União Europeia (acordo de subvenção No. 856543).
