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Espetáculo infantil é censurado por grupos de extrema direita no RS

A decisão da prefeitura de cancelar a apresentação, tomada às pressas, impediu que crianças de 0 a 4 anos e seus familiares assistissem ao espetáculo

2 out 2024 - 21h58
(atualizado às 22h07)
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A 41ª Feira do Livro de Ivoti, no Rio Grande do Sul, foi marcada por um episódio de censura que gerou grande repercussão. O espetáculo teatral "Cuco - A linguagem dos bebês no teatro" foi retirado da programação às vésperas da apresentação, atendendo a pressão de grupos ligados à extrema direita que acusaram a peça de promover "doutrinação".

Foto: Cuco/Divulgação / Porto Alegre 24 horas

A decisão da prefeitura de cancelar a apresentação, tomada às pressas, impediu que crianças de 0 a 4 anos e seus familiares assistissem ao espetáculo. A justificativa oficial foi a necessidade de evitar "possíveis manifestações de protesto". No entanto, a reportagem apurou que a pressão para o cancelamento partiu de um grupo de WhatsApp denominado "Pais Atentos", conhecido por suas posições conservadoras e por promover a exclusão de livros e conteúdos considerados "inadequados" nas escolas.

O coordenador de seis candidaturas do Partido Liberal (PL) no município, Edvaldo Xavier Gomes, foi um dos principais articuladores do cancelamento. Em mensagens trocadas em um grupo de WhatsApp, ele afirmou ter conversado com o prefeito e solicitado a retirada da peça da programação.

O pedagogo Paulo Sergio Fochi, coordenador pedagógico do espetáculo, denunciou uma perseguição pessoal por parte dos grupos conservadores, que o acusam de "doutrinação de gênero". Fochi afirma que o objetivo desses grupos é limitar a liberdade de expressão e impedir que temas como diversidade e inclusão sejam abordados nas escolas.

O espetáculo "Cuco", reconhecido por sua qualidade artística e pedagógica, não apresenta qualquer conteúdo que justifique a censura. A peça, que já foi apresentada em diversos estados brasileiros e países como Itália, França e Canadá, tem como objetivo estimular a interação entre bebês e seus pais por meio de atividades lúdicas e estéticas.

O cancelamento da apresentação gerou indignação na comunidade artística e em diversos setores da sociedade. O Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS) se manifestou contra a censura, destacando a importância da liberdade de expressão.

Veja a nota de repúdio da Caixa de Elefante

Acusado de "doutrinador", espetáculo para bebês é retirado da programação da 41°Feira do livro de Ivoti. Os bebês e crianças pequenas, de 0 a 4 anos, da cidade de Ivoti/RS, ficaram sem poder assistir ao premiado espetáculo teatral Cuco - A linguagem dos bebês no teatro na programação cultural da 41ª Feira do Livro, prevista para o dia 29/09/2024. O espetáculo foi retirado da programação às vésperas da apresentação por determinação do prefeito, sem informar o motivo.

Produzido pela Caixa do Elefante Teatro de Bonecos, o espetáculo recebeu o Prêmio Tibicuera de Melhor Espetáculo, Melhor Direção e Melhor Produção, além do Prêmio Myriam Muniz de Montagem Teatral pela Funarte/MinC. Cuco é a primeira montagem teatral gaúcha para bebês e vem sendo apresentada há mais de 12 anos, já tendo realizado temporada no SESC de São Paulo, circulado pelo Palco Giratório do SESC Nacional em várias capitais brasileiras e por diversas cidades do RS, sempre com sucesso de público e crítica. Na peça, durante toda a apresentação, os bebês são acompanhados pelos seus pais e não são tocados pelos atores. Os bebês experimentam sons, cores e exploram objetos cênicos diversos, como bolas transparentes, sanfonados, pirâmides e tecidos. O espetáculo também tem sido apresentado em universidades e seminários de Educação Infantil como referência bem-sucedida em teatro para a primeira infância no país.

Uma campanha de desinformação sobre o espetáculo, partindo do grupo de Whatsapp "Pais Atentos" - que defende valores morais, cristãos e éticos da família -, chegou ao prefeito Martin Cesar Kalkmann (PP) como um alerta à população sobre supostas "doutrinações de gênero" contidas na peça teatral. A pressão para o cancelamento foi feita pelo coordenador de campanha eleitoral do Partido Liberal municipal, motivado tão somente por falta de cultura e puro preconceito. Às vésperas da apresentação no tradicional evento literário da "Cidade das Flores", a peça foi retirada da programação do site da prefeitura sem nenhuma justificativa. Certamente, nenhum dos censores assistiu ao espetáculo teatral. Não bastasse o cancelamento, o coordenador pediu a exoneração da Secretária de Cultura e Turismo. A secretaria comunicou o cancelamento por telefone, na quarta-feira, 25/09, mas até o domingo, dia 29, o grupo não foi oficializado. Na ligação, informou que o motivo era a "preservação da integridade do elenco".

A cidade de Ivoti é considerada referência na educação de qualidade no Estado, porém a proibição do espetáculo contradiz todas as práticas pedagógicas, privando as crianças pequenas do acesso à cultura, direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal.

Como diretor do espetáculo e coautor do roteiro, estou perplexo com o cancelamento da apresentação. A divulgação da peça ainda consta como atração nos sites de turismo e jornais da Serra e há mais de um mês vinha sendo veiculada nas redes sociais da Prefeitura. Nunca vivi esta situação. Nossa companhia tem 33 anos de existência, já apresentamos nossos espetáculos em vários festivais internacionais na Itália, França, Espanha e Canadá e em todos os estados brasileiros. Que tempos difíceis que o teatro está vivendo!, me lembra a década de 70 quando tínhamos que apresentar o ensaio geral para polícia civil antes da estreia. Naquela época um censor ficava sentado com o texto nas mãos acompanhando as falas dos atores para conferir com o original liberado. Era horrível atuar.

O teatro virou um problema para as secretarias de educação e cultura, as escolas e eventos culturais estão com medo do teatro. De repente, pessoas incultas e reacionárias passaram a intervir diretamente no conteúdo das peças, como se tudo que falássemos estivesse destruindo valores morais, pondo em risco a integridade das crianças.

O problema maior é a dificuldade dos gestores com a desinformação de alguns pais seduzidos pela terra sem lei das redes sociais. O professor, a principal fonte de conhecimento em décadas passadas, perdeu a credibilidade argumentativa frente a fake news e a influencers incultos. O projeto pedagógico das escolas está subordinado aos desejos dos pais. Não se educa para a vida, mas para o mercado competitivo, o que acaba formando gerações de jovens frustrados. Vejo tudo como uma degeneração civilizatória.

O acesso à cultura pelas crianças é estratégico no processo de desenvolvimento cognitivo, fundamental para a alfabetização e a interação social. Nosso espetáculo foi criado para pais e cuidadores viverem uma experiência sensorial juntos aos seus bebês e crianças, em lugar tranquilo e acolhedor. Não podemos nos apresentar num local onde existe um público hostil procurando violações e abusos, coisas que não existem no espetáculo. Somos atores profissionais que estudam a primeira infância e suas especificidades, conhecemos os temas que estamos abordando para espectadores tão pequenos.

O teatro, a arte rainha da abstração e do pensamento criativo, sempre foi e será a grande manifestação artística, exercício da imaginação, ferramenta mental sem a qual não conseguiremos sobreviver num planeta tão caótico. É um crime proibir o acesso de crianças a uma peça artística infantil.

Mário de Ballentti

Diretor Artístico da Caixa do Elefante

Porto Alegre 24 horas
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