Extremismo, juros e tarifas: os desafios políticos e econômicos que o governo Trump deverá impor ao Brasil
Políticas protecionistas podem prejudicar as exportações de produtos industriais brasileiros, e aliança entre EUA e Argentina prejudicará os esforços do Brasil de integração da América do Sul
Nos últimos meses, os brasileiros acompanharam de perto a campanha presidencial dos Estados Unidos. Pelo menos desde 2016, o que quer que aconteça na política americana provavelmente se desdobrará no Brasil. De muitas maneiras, o abismo político americano reflete a polarização política do próprio Brasil.
A grande vitória de Trump nas eleições dos EUA provocou reações imediatas na política brasileira. Bolsonaro e seus apoiadores estão em êxtase, pois acreditam que a maré política mais uma vez virará a seu favor - agora, com uma pequena ajuda da Casa Branca.
A esquerda brasileira, por sua vez, está fazendo um exame de consciência. Depois de sofrer um grande golpe nas eleições municipais de outubro de 2024, Lula e seus aliados não podem mais contar com os EUA para promover suas agendas no país e no exterior.
O novo governo dos EUA apresentará vários desafios ao Brasil. Não se trata apenas de reconhecer a vitalidade da onda conservadora global. Precisamos agora entender como as decisões concretas tomadas por Trump afetarão a política brasileira - e como responder a elas.
O Trumpismo salvará o Bolsonarismo?
Em outubro de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil impediu Bolsonaro de concorrer a um cargo público por oito anos devido a acusações de abuso de poder político em sua candidatura à reeleição. A decisão do tribunal foi um choque para o bolsonarismo, que estava prestes a perder o ímpeto e o apelo eleitoral.
Desde então, os congressistas pró-Bolsonaro começaram a discutir com seus colegas pró-Trump como poderiam agir juntos para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro e seus aliados fizeram visitas oficiais a Washington três vezes entre novembro de 2023 e maio de 2024.
A narrativa comum era que as autoridades brasileiras estavam violando os direitos fundamentais de ativistas e políticos "conservadores". Para os republicanos, o enquadramento do Brasil de Lula como estando à beira de uma ditadura foi útil para mostrar o que poderia acontecer com os EUA caso os democratas permanecessem no cargo.
A causa da extrema direita ganhou ainda mais força com a briga entre Elon Musk e o Ministro da Suprema Corte do Brasil, Alexandre de Moraes. As críticas de Musk à censura no Brasil energizaram os apoiadores de Bolsonaro, que vislumbraram um caminho para futuras sanções contra as autoridades brasileiras, caso Trump voltasse à Casa Branca.
Agora Bolsonaro e seus seguidores estão convencidos de que o governo Trump, tendo Musk como peça central, os ajudará a voltar ao poder no Brasil. Eduardo Bolsonaro estava em Mar-a-Lago comemorando a vitória de Trump. Nos últimos dias, o ex-presidente tem dado entrevistas como se fosse apenas uma questão de tempo até que ele tome a presidência mais uma vez.
Trump está prestes a enfrentar o Brasil?
Mesmo que a Casa Branca considere sancionar o Brasil para pressionar as autoridades a permitir a candidatura de Bolsonaro, há outras maneiras de ajudar o aliado mais fiel de Trump. Por meio da política externa, os EUA poderiam prejudicar o Brasil e enfraquecer o governo Lula.
O presidente Lula, é claro, não quer antagonizar Trump. Embora tenha declarado seu apoio a Kamala Harris "como uma aposta mais segura para a democracia", Lula foi rápido em parabenizar o candidato republicano por sua vitória e disse que esperava uma boa relação de trabalho entre o Brasil e os EUA.
Lula sabe que o Brasil não é uma prioridade para Trump, mas também está ciente de que a promessa de lealdade incondicional de Bolsonaro ao presidente dos EUA pode ser bastante sedutora.
A política externa de Trump pode ameaçar o Brasil de pelo menos duas maneiras. A primeira diz respeito às tarifas. Políticas protecionistas podem prejudicar as exportações de produtos industriais brasileiros para os EUA. Caso essas políticas desacelerem a economia chinesa, o setor de agronegócios do Brasil também se encontrará em dificuldades.
Além disso, o temor de uma inflação alta nos EUA manterá as taxas de juros elevadas em ambos os países, levando a menos investimentos estrangeiros diretos no Brasil e aumentando os desafios para Lula manter a economia brasileira estável.
A segunda ameaça imediata tem a ver com o relacionamento de Trump com a Argentina. Javier Milei nunca escondeu sua antipatia por Lula e promete abandonar compromissos de longa data com o Brasil, como o Mercosul. Uma aliança preferencial entre a Casa Branca e a Casa Rosada da Argentina prejudicará os esforços do Brasil para conduzir a integração sul-americana.
Na quarta-feira 13, Trump nomeou Marco Rubio para ser o próximo secretário de Estado. Rubio é um linha-dura, que recentemente chamou Lula de "líder de extrema esquerda" e criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de suspender a rede social X no Brasil.
Será o fim da democracia no Brasil?
Os tempos são difíceis para o Brasil e para o mundo - e podem se tornar ainda mais problemáticos a partir de janeiro do próximo ano. No entanto, podemos olhar para o copo meio cheio e pensar em caminhos menos apocalípticos para o governo brasileiro.
A primeira tarefa é reforçar as regras básicas institucionais da democracia brasileira. A lista de possíveis acusações criminais contra Bolsonaro é longa e envolve o planejamento de um golpe de Estado, cujo resultado mais visível também foi uma insurreição que ocorreu em 8 de janeiro de 2023 - e quase inteiramente inspirada nos distúrbios de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio.
Apesar de todo o entusiasmo entre a extrema direita brasileira, não há garantias de que Bolsonaro poderá concorrer ao cargo - e que ele não será condenado por seus muitos crimes. Pode haver pressão por parte da Casa Branca, mas seus efeitos encontrarão limites políticos e legais.
Além disso, o Brasil pode tirar proveito do isolacionismo de Trump ao reforçar seu papel de liderança em questões como mudança climática, reforma da governança global e direitos humanos. A atual presidência do G20 permitiu que o Brasil encontrasse interlocutores significativos e continuasse a impulsionar essas agendas.
Essa é a beleza da política. As marés podem estar mudando, e os desafios certamente estão aumentando, mas cabe fundamentalmente aos atores políticos moldar seu próprio futuro. Só podemos esperar que o governo Lula e os defensores da democracia no Brasil estejam à altura da tarefa.
Guilherme Casarões não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.