Facada ainda reverbera na comunicação bolsonarista
Um ano depois, interpretação do atentado é revisitada no discurso do presidente e de seu entorno
Em sua última transmissão de vídeo na internet, na quinta-feira, 5, o presidente Jair Bolsonaro lembrou do atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora, e classificou o fato de estar vivo como "um milagre". Ao completar um ano do ataque, ele foi recebido por um grupo de cerca de 40 apoiadores que cantaram "Parabéns" na saída do Palácio da Alvorada, uma comemoração da data em que o presidente "nasceu de novo".
"Quem mandou matar Bolsonaro?", questionou seu filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro, há cinco dias em sua conta no Twitter. A mensagem foi replicada 2,6 mil vezes. Em outra, ressaltou que o autor do ataque, Adélio Bispo de Oliveira, foi filiado ao PSOL e afirmou: "Todos os bandidos do Brasil estão contra você e isso é cristalino".
Para analistas, o atentado contra o então candidato do PSL ainda reverbera na comunicação do presidente e seu entorno, mesmo um ano depois. Se durante a campanha o discurso bolsonarista já era pautado pelo enfrentamento à esquerda, a facada de Adélio Bispo serviu para cristalizar o clima de "nós contra eles", eles dizem.
A cientista política Vera Chaia, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), vê influência do atentado na "desconfiança" de Bolsonaro e seu entorno em relação ao que é dissonante no governo. "Ele tem um sentimento de perseguição", diz Chaia. "Em relação a esse aspecto do atentado, ele não se conforma, acha que é preciso ter alguém por trás desse atentado."
Em julho, a Justiça Federal considerou Adélio Bispo inimputável pelo crime, por causa de distúrbios mentais. O processo foi encerrado após a defesa do presidente não recorrer da decisão, mesmo após Bolsonaro dizer que havia um "circo armado" e que estava convencido de que houve pagamento para o ataque. A Polícia Federal ainda tem um inquérito aberto há quase um ano para investigar se Adélio foi orientado ao fazer o ataque, mas não apresentou conclusões.
Segundo o psiquiatra Daniel Martins de Barros, o episódio da facada apenas reforçou convicções anteriores no entorno de Bolsonaro. Ele lembra, no entanto, que outras situações também serviram de pretexto para reforçar a tônica de enfrentamento ao establishment - das queimadas na Amazônia até mudanças de layout no Instagram.
"Para qualquer coisa que aconteça, eles colocam interpretações algo conspiratórias", diz Barros. "Tudo que o cerca é colocado nessa lógica do 'nós contra eles', que é a lógica binária que pauta a estratégica política deles. Essa é uma lógica que é anterior à facada, e continua depois."
Rumos da campanha
Especialistas consultados pelo Estado concordam que o ataque a Bolsonaro foi mudou os rumos da corrida eleitoral. Ao interromper os ataques de adversários em um momento em que a rejeição ao candidato do PSL crescia, além do tempo de exposição espontânea na cobertura de sua recuperação, o atentado praticamente garantiu Bolsonaro no segundo turno.
"Se a facada não matou Bolsonaro, ela matou a campanha dos adversários", diz o cientista político Jairo Pimentel, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Era um momento em que Bolsonaro estava sofrendo muitas críticas, sobretudo na televisão com a campanha do (ex-governador de São Paulo, Geraldo) Alckmin, que tinha maior tempo de TV e estava usando seu arsenal contra ele.
Ele lembra que, uma vez garantido na segunda etapa da eleição, Bolsonaro tinha vantagens sobre Fernando Haddad (PT-SP), devido ao sentimento de antipetismo no eleitorado. "Fica a dúvida se ele foi eleito porque ele utilizou novas formas de comunicação, porque o contexto era favorável a alguém de fora do establishment, ou porque a facada tornou impossível que outras campanhas ganhassem corpo. Provavelmente é uma combinação desses três fatores."