Fogos de artifício e poluição do ar: um desafio global
A queima de fogos libera diversos poluentes. Um dos mais preocupantes é o Material Particulado, uma poeira tóxica ultrafina capaz de entrar profundamente no sistema respiratório.
Diversas cidades no Brasil e no mundo se preparam para celebrar a virada do ano, marcada por shows de luzes e a tradicional queima de fogos de artifício. Festas como a de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), da Avenida Paulista, em São Paulo (SP) e do Balneário de Camboriú (SC), prometem iluminar o céu por cerca de 12 a 15 minutos. Apesar do espetáculo visual, essa prática tem consequências relevantes para a saúde e o meio ambiente, que vão além do risco de incêndios.
No Brasil, discute-se atualmente o impacto da poluição sonora dos fogos, especialmente sobre bebês, crianças, pessoas com transtorno do espectro autista e animais. Porém, um aspecto igualmente preocupante - frequentemente negligenciado - é a poluição atmosférica gerada durante essas celebrações.
Uma queima tóxica
Os fogos de artifício são compostos principalmente por pólvora, uma mistura de agentes combustíveis, como o enxofre e o carvão vegetal, e de substâncias oxidantes, como nitrato de potássio e os percloratos, que fornecem o oxigênio necessário para queimar a mistura. Assim é causada a explosão.
Já as cores são geradas principalmente pela ação do fogo nos metais. Cada tipo provoca uma tonalidade diferente, por exemplo: a queima de estrôncio e lítio geram luzes avermelhadas, a do Bário é esverdeada, do cobre é azulada, do ferro é dourada e as esbranquiçadas são geralmente provocadas por titânio, alumínio, berílio ou pó de magnésio.
Portanto, a queima de todos esses componentes - muitos deles altamente tóxicos - libera poluentes gasosos perigosos, como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e ozônio troposférico. Entre os mais preocupantes é o Material Particulado (MP), uma poeira muito fina (de 10 ou 2,5 micrômetros), que é facilmente inalável e consegue entrar profundamente no sistema respiratório, causando problemas pulmonares e cardiovasculares.
No Brasil, os fogos são classificados em categorias que variam conforme a quantidade de pólvora e o tipo de explosão. Os de classe A e B têm entre 20 e 55 centigramas de pólvora e causam menos impacto ambiental. Já os de classe C e D contém 2,5 gramas ou mais de pólvora, com explosões mais intensas e maior emissão de partículas e gases.
Evidências globais: um problema recorrente
Estudos em diversos países mostram um aumento significativo na concentração de poluentes no ar durante festividades com fogos de artifício. Uma pesquisa da Brigham Young University, nos EUA, identificou um aumento alarmante na poluição do ar durante o feriado de independência, em 4 de julho. A grande queima de fogos de artifício emite vários metais tóxicos, incluindo chumbo e cobre.
Na Índia, o último Festival das Luzes (Diwali) foi marcado pelo decreto das autoridades da capital Nova Délhi proibindo a fabricação, armazenamento, venda e lançamento de todos os tipos de fogos de artifício. A medida veio após estudos comprovarem que a festividade causa grande impacto na presença de partículas finas na cidade, que chega a ser 30 vezes superior ao limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, foram identificados gases como dióxido de enxofre, monóxido de carbono e ozônio troposférico, que permaneceram elevados por muitas horas após as comemorações.
Na China, desde 2018, mais de 400 cidades proibiram os fogos de artifício durante as comemorações do Ano Novo Lunar. Foi comprovado que o excesso de fogos deteriora a qualidade do ar e chega a causar uma névoa regional durante a festividade, com muitas partículas finas ricas em metais, que são transportadas por longas distâncias. Esses exemplos mostram que, mesmo em eventos de curta duração, a queima de fogos pode gerar um impacto ambiental preocupante.
O caso de Copacabana
Com o apoio de medidores da prefeitura do Rio de Janeiro, nossa equipe do Departamento de Química da PUC-Rio analisou a qualidade do ar durante os Réveillons de Copacabana entre 2015 e 2020. Esse evento, que atrai cerca de 2,6 milhões de pessoas, inclui a queima de 17 a 25 toneladas de fogos de artifício a cada virada de ano.
O monitoramento da poluição atmosférica exige tecnologias sofisticadas que medem a concentração de poluentes e consideram diversas variáveis meteorológicas, como temperatura, umidade, vento e radiação solar. No Rio de Janeiro, órgãos como o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) operam estações automáticas e semiautomáticas para monitoramento contínuo. A análise de todos esses dados requer ferramentas estatísticas e modelagens computacionais que permitam entender a complexa dinâmica dos poluentes em diferentes cenários.
Um dos resultados mais importantes que identificamos foram alguns picos na emissão de partículas menores do que 10 micrômetros (MP10) à meia-noite, relacionados diretamente à queima dos fogos. As alterações mais expressivas ocorreram nos primeiros minutos de 2016 e 2018. O maior pico foi observado na virada de 2018, quando a concentração de MP10 atingiu 297 μg por metro cúbico, contrastando com apenas 18 μg poucos minutos antes da meia-noite.
No contexto nacional, a resolução 491 de 2018 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) estabelece limites para concentrações médias diárias de poluentes, mas não considera picos momentâneos. Segundo essa norma, os padrões para PM10 (120 μg/m³) não foram excedidos em nenhum dos Réveillons de Copacabana analisados, assim como para os limites diários de dióxido de enxofre (SO2) e ozônio (O3). Contudo, quando comparados aos padrões mais rigorosos da OMS, atualizados em 2021, foram excedidos os limites estabelecidos de PM10 (45 μg/m³) e de CO (10 ppm em 8 horas).
Esses dados fazem parte da dissertação de mestrado da Ana Carolina de Oliveira Carvalho, defendida em nosso laboratório. Vale destacar que Copacabana, por ser um bairro litorâneo, conta com a dispersão natural de poluentes pelo vento e pelo oceano, já que os fogos são lançados de balsas no mar. Em outras regiões mais afastadas da costa, porém, os impactos da queima de fogos podem ser ainda mais graves para a saúde e o meio ambiente.
As pesquisas e os monitoramentos constantes são essenciais para compreendermos a fundo os efeitos desse fenômeno complexo. Eles também reforçam a importância de repensarmos o uso de fogos de artifício e pressionar por soluções mais seguras e ecológicas, que preservem as tradições sem comprometer a qualidade do ar e a saúde pública.
Adriana Gioda não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.