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Fundo amplia em 25 vezes dinheiro público a partidos políticos

Caso reserva eleitoral de R$ 3,7 bi seja aprovada no Congresso, repasses de verba pública em 2020 atingirão um crescimento de cerca de 2.400% ao longo de 24 anos

21 jul 2019 - 05h12
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Criado há dois anos para compensar o fim do financiamento empresarial de campanhas políticas, o fundo eleitoral pode atingir nas eleições de 2020 uma cifra recorde que supera em R$ 1 bilhão o valor total doado por empresas aos candidatos a prefeito e vereador de todo o País em 2012, último pleito municipal em que a prática foi permitida. O novo aporte proposto no Congresso faz com que os repasses de dinheiro público a partidos políticos no ano que vem sejam 25 vezes maior do que em 1996, após a aprovação da Lei dos Partidos.

Uma alteração feita semana passada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 pelo deputado federal Cacá Leão (PP-BA), relator do projeto, autoriza o repasse de até R$ 3,7 bilhões de recursos públicos para as campanhas municipais do ano que vem. A quantia é mais do que o dobro do valor distribuído nas eleições gerais de 2018 (R$ 1,7 bilhão), primeiro ano de vigência do fundo criado após a extinção das doações empresariais - definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015.

Somada a verba anual do Fundo Partidário, criado em 1995 para custear o funcionamento dos partidos, os repasses de dinheiro público para as legendas podem chegar a R$ 4,63 bilhões em 2020, valor 25 vezes (ou 2.400%) maior do que os R$ 181,7 milhões distribuídos às siglas há 24 anos. Desde então, só o valor do fundo permanente quadruplicou, chegando a R$ 927 milhões neste ano.

Segundo Cacá Leão, o aumento do valor do fundo eleitoral foi solicitado pela "maioria dos partidos" com o argumento de que o montante destinado às eleições de 2018, que contou com 26 mil candidatos, seria insuficiente para financiar as campanhas de prefeitos e vereadores dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros no pleito de 2020, do qual devem participar cerca de 500 mil candidatos.

A ideia de turbinar o fundo eleitoral recebeu o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não considerou o valor de R$ 3,7 bilhões exagerado. "Acho que uma eleição municipal, com 5 mil municípios com milhares de candidatos a vereador, é uma campanha que vai requerer um custo um pouco maior que a eleição do regime geral", disse Maia, na semana passada.

O relator do Orçamento, deputado Cacá Leão (PP-BA). 
O relator do Orçamento, deputado Cacá Leão (PP-BA).
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil / Estadão

'Gordura'

Levantamento feito pelo Estado com base nas prestações de contas das campanhas de 2012 divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra, porém, que o valor de verba pública proposto para financiar candidaturas no ano que vem é 34% do que todo o dinheiro repassado pelas empresas nas eleições sete anos atrás - em 2016, as contribuições empresariais já estavam proibidas, mas o fundo eleitoral ainda não havia sido criado pelo Congresso.

Segundo os registros do TSE, empresas como bancos, construtoras e mineradoras doaram R$ 2,75 bilhões (em valores corrigidos pela inflação) para cerca de 440 mil campanhas em 2012. O PT, com R$ 414,3 milhões, o então PMDB (R$ 303,3 milhões) e o PSDB (274,5 milhões) lideraram as arrecadações de empresas. Os números mostram que o novo fundo eleitoral proposto repõe todo o financiamento empresarial de 2012, quando foram feitas as campanhas mais caras da história para prefeito e vereador, e ainda gera uma "gordura" de R$ 1 bilhão.

Para analistas ouvidos pelo Estado, o valor de R$ 3,7 bilhões proposto sugere a inclusão no novo fundo eleitoral dos gastos de campanha não contabilizados e revelados pela Operação Lava Jato. Só a Odebrecht admitiu em seu acordo de delação premiada ter repassado R$ 46,7 milhões de caixa 2 para campanhas a prefeito de ao menos sete capitais em 2012. Na lista, aparecem as candidaturas do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) e do ex-prefeito carioca Eduardo Paes (ex-PMDB e hoje no DEM). Ambos negam as acusações.

"A mensagem que esses dados sugerem é a de que uma parte das eleições só existia graças aos repasses irregulares, como se os partidos estivessem embutindo nesse R$ 1 bilhão a mais o peso do caixa 2 nas campanhas passadas", afirma o cientista político Humberto Dantas, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em Salvador, por exemplo, executivos da Odebrecht afirmaram ter doado legalmente R$ 400 mil para a campanha do prefeito ACM Neto (DEM-BA) e mais R$ 1,8 milhão por fora. Outro caso citado pelos delatores foi a campanha de Luiz Marinho (PT), ex-prefeito de São Bernardo do Campo, que teria recebido R$ 50 mil de forma declarada e R$ 550 mil por meio de caixa 2. Ambos negam as irregularidades.

Fiscalização

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, nem mesmo o fundo eleitoral turbinado garante que não haja a prática de caixa 2 nas próximas eleições. "A eleição de 2018, que teve financiamento público com fundo eleitoral, já mostrou que esse modelo não evita o caixa 2, até porque não temos um sistema de fiscalização crível que possa assegurar que isso não ocorra", afirmou.

Para ele, o debate político deveria ser feito mais sobre os gastos de campanha do que sobre as receitas.

"O problema principal não está na arrecadação. Nenhum partido faz questão de debater os gastos, o formato de campanha, que é caro e pouco eficiente do ponto de vista do debate democrático. Basta ver como foram as eleições de 2018. É um modelo que não atende mais as necessidades do País, mas eles preferem discutir dinheiro para a campanha e mais nada", completou.

O diretor executivo do Movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa, argumenta que as novas ferramentas de divulgação política, como as redes sociais, reduziram os custos da campanha de tal forma que não se justifica um aumento de R$ 2 bilhões no fundo eleitoral.

"Embora as eleições municipais tenham muito mais candidatos, os custos dessas eleições podem ser substancialmente menores porque a base territorial é menor do que nas eleições estaduais e a nacional. E hoje também é possível realizar uma campanha competitiva com custos bem menores pelas redes sociais", disse.

Além disso, destaca o promotor de Justiça Roberto Livianu, a ideia de ampliar o fundo vai na contramão do atual momento do País. "Estamos com a economia estagnada, 14 milhões de desempregados, e eles querem mais dinheiro para a campanha. Isso precisa ser debatido", disse Livianu, que preside o Instituto Não Aceito Corrupção.

Estadão
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