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Gabinete paralelo: entenda o escândalo com pastores no MEC

'Estadão' revelou o escândalo no último dia 18; em áudio vazado, o ministro da Educação disse priorizar prefeitos encaminhados por pastor; líderes religiosos liberam verba no MEC em prazo recorde

22 mar 2022 - 10h59
(atualizado às 11h09)
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Sem vínculos com o setor de ensino e sem possuir cargo público, um grupo de pastores passou a comandar a agenda do ministro Milton Ribeiro, da Educação, formando uma espécie de "gabinete paralelo" que interfere na liberação de recursos e influencia diretamente as ações da pasta. O esquema foi revelado pelo Estadão no último dia 18.

O grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. Eles conquistaram acesso ao Executivo federal ainda em 2019, antes mesmo da chegada de Ribeiro ao Ministério, são próximos da família Bolsonaro e têm trânsito livre no governo. Os pastores agem como lobistas, atuando para liberar e ou acelerar o empenho de recursos a determinados municípios.

Agenda

O Estadão identificou a presença de Gilmar dos Santos e Arilton Moura em 22 agendas oficiais no MEC nos últimos 15 meses, sendo 19 delas com a presença do ministro. Algumas são descritas como reunião de "alinhamento político" na agenda oficial de Ribeiro, que também é pastor.

Em 2019, eles foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro ao menos duas vezes. Em 2020, mais uma audiência na Presidência da República. O vice-presidente Hamilton Mourão também os recepcionou.

Agilidade

Usualmente, a destinação de verbas para uma prefeitura é um processo burocrático e demorado. Com a ajuda dos pastores, contudo, certos municípios conseguiram a liberação do empenho de recursos em tempo recorde. É o caso da prefeita Marlene Miranda, de Bom Lugar (MA), que teve o pedido de dinheiro atendido em apenas 16 dias, prazo muito abaixo dos padrões da distribuição de recursos da pasta. A Secretaria da Educação de Pernambuco, por exemplo, levou 10 anos para obter R$ 198,7 mil do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Uma das principais atuações dos pastores é justamente esta: abrir a agenda do ministro para acesso de prefeitos e empresários próximos ao grupo, de modo que levem ao MEC suas demandas. Marlene Miranda, por exemplo, pediu R$ 5 milhões para a construção de uma escola em sua cidade. Ela esteve no gabinete de Ribeiro em 16 de fevereiro, por intermédio dos religiosos. Em 4 de março, o FNDE reservou R$ 200 mil para pagamento à prefeitura.

Favorecidos

Prefeitos do Progressistas, do PL e do Republicanos têm preferência para conseguir a ajuda dos pastores. Essas legendas integram o núcleo duro do Centrão. O bloco de partidos é justamente o que comanda o FNDE.

Só em dezembro do ano passado, o órgão firmou termos de compromisso - uma etapa anterior ao contrato - com nove prefeituras, totalizando R$ 105 milhões de repasses, após reuniões com os pastores. Além de levarem prefeitos a Brasília, participando de encontros no MEC, eles também acompanham o ministro em viagens pelo País.

Em um desses eventos, um encontro de prefeitos com Milton Ribeiro em janeiro do ano passado, na sede do MEC, o pastor Gilmar dos Santos detalhou a atuação do gabinete paralelo e expôs claramente suas intenções: "Nós solicitamos esta reunião com o ministro para trazer ao conhecimento dele vários prefeitos que trabalham também com a igreja", disse, deixando claro que pretende privilegiar pessoas ligadas à sua religião.

Áudio vazado

Em conversa gravada, Milton Ribeiro admitiu que prioriza o atendimento a prefeitos que chegam ao MEC por meio dos pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura. Falando a dirigentes municipais dentro do ministério, Ribeiro disse que segue ordem do presidente Jair Bolsonaro (PL). "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos)", diz ele - Arilton Moura e Gilmar Santos estavam presentes na reunião. "A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", ironizou, em gravação divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Investigação

Especialistas consultados pelo Estadão veem indícios de irregularidade e até mesmo tráfico de influência na ação do grupo de pastores. Na avaliação do advogado Cristiano Vilela, praticar atos dentro do gabinete do ministro e fazer anúncios oficiais em atos do governo poderiam ser enquadrados como usurpação da função pública.

"Qualquer pessoa pode levar determinados pleitos a algum representante do poder público. É legítimo. Agora, a partir do momento que passa a ser uma prática, um exercício de uma atividade pública (por alguém que não faz parte da administração), configura o crime", disse Vilela.

Após a revelação do esquema pelo Estadão, o Ministério Público Federal junto ao TCU solicitou a abertura de inquérito sobre o caso. Já o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) cobrou nesta terça que o MPF e a Procuradoria Geral da República abram investigação sobre Milton Ribeiro por suspeita de improbidade administrativa e tráfico de influência.

Estadão
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