Gastos com a defesa do Brasil entre o Império e a República: um estudo econométrico histórico
Por causa da Guerra do Paraguai, a média do gasto militar brasileiro como percentual dos gastos do governo entre 1822 e 1945 foi de 30.4%. Já entre 1945 e 2020, caiu para 17.4%
Compreender as complexas dinâmicas na relação entre um governo e suas forças armadas é fundamental, não apenas para a estabilidade das instituições democráticas, mas como um pilar da sobrevivência da maioria dos regimes políticos. Isso é particularmente evidente na formulação de políticas de defesa - um aspecto multifacetado da governança que se expressa sumariamente através dos gastos com defesa.
Embora as relações civis-militares no Brasil tenham sido amplamente exploradas qualitativamente e os fatores explicativos dos gastos com defesa avaliados quantitativamente, estudos abrangentes, quantitativos e de longo prazo sobre os correlatos dos gastos com defesa no Brasil permanecem inexplorados.
Diante da escassez de dados e para preencher essa lacuna, temos realizado estudos econométricos pioneiros sobre recursos orçamentários destinados à defesa do país, traçando uma linha do tempo iniciada em 1822, até os dias atuais. E para cobrir esse extenso período, utilizamos pesquisa historiográfica e fontes primárias para a construção de um banco de dados original a partir do qual procuramos verificar algumas hipóteses. Entre essas, de que quanto mais vulnerável foi um governo, mais gastou com a defesa no Brasil.
Na primeira fase do nosso estudo, analisamos quatro regimes políticos distintos entre 1822 e 1945. No período Monárquico (1822-1889), sob o qual operavam um sistema parlamentar e um Estado centralizador, as Forças Armadas desempenharam um papel relativamente contido, com um comando civil claro, conforme estabelecido na Constituição da época. Neste período, o pico de gastos militares chegou a mais de 60% entre 1862 e 1870 por conta da Guerra do Paraguai. Durante o período de 1822 a 1889, a média dos gastos militares foi de aproximadamente 37,2%
Posteriormente, na Primeira República (1889-1930), sob um sistema de governo presidencial e Estado federativo, deu-se uma participação militar mais direta na política, a começar pelo golpe militar que pôs fim à Monarquia. Porém, o percentual médio de gastos militares caiu com relação ao período monárquico. A média de gastos militares em 1889-1930 foi de 20%.
Os primeiros anos Pós-Golpe de 1930 foram marcados por tentativas frustradas de democratização e pela promulgação de uma nova Constituição liberal, em 1934, que foi revogada três anos depois. Nesse período, os gastos militares como percentagem do total de gastos do governo federal cresceram para níveis mais altos do que os observados sob a Primeira República, 25,5%.
Durante o Estado Novo (1937-1945) - caracterizado pelo autoritarismo e pela centralização, com as Forças Armadas assumindo um papel central na governança - houve um aumento significativo nos gastos militares devido também ao envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial. A média dos gastos militares nesse período foi de 29,8%.
Entre as principais descobertas de nossa investigação, percebemos a vulnerabilidade política dos governos associada aos gastos com defesa. O estudo estatístico corroborou, assim, nossa hipótese: uma forte correlação entre a instabilidade percebida de um governo e a probabilidade de alocar mais recursos para a defesa. Governos mais vulneráveis eram mais propensos a aumentar os gastos militares, possivelmente para fortalecer sua posição contra golpes ou levantes populares.
Um outro destaque é para as relações civis-militares. Para nossa surpresa, maior participação militar no governo não está associada, automaticamente, a um aumento nos gastos com defesa. Os resultados mostram que, entre 1822 e 1945, a presença de militares ocupando ministérios nem sempre se traduz em despesas militares maiores. Além disso, as tensões políticas entre os governos e os militares também não tiveram relação direta com os gastos de defesa.
Outro dado interessante, para nós, é que a natureza dos regimes políticos, isto é, se mais ou menos democrático, não afetou de forma significativa os gastos com defesa no Brasil entre 1822 e 1945. A ausência de partidos políticos nacionais de massa neutralizou o impacto dos regimes políticos nos gastos com defesa ao longo desses 123 anos.
Com relação ao contexto internacional, nossas pesquisas demonstram que o envolvimento do país em conflitos internacionais, como a Guerra do Paraguai e a Segunda Guerra Mundial, levou a aumentos substanciais nos gastos militares, alinhando-se com a tendência global de reforçar capacidades de defesa em resposta a ameaças externas.
A média do gasto militar brasileiro como percentual dos gastos do governo, durante a primeira fase do estudo (1822-1945), foi de 30.4%. Em um comparativo com o período de 1945-2020, a mesma média de gastos militares cai para 17.4%.
Acreditamos que a pesquisa contribui para uma compreensão mais profunda da política de defesa, destacando o equilíbrio entre estabilidade política interna, relações civis-militares e ameaças externas.
Para este estudo, ressaltamos que os apoios financeiros de agências como a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram essenciais. O resultado do estudo recebeu a premiação de melhor trabalho em Segurança Pública e Democracia no 14° Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado em Salvador, em agosto de 2024. Em 2025, sairá um livro sobre relações civis-militares no Brasil entre 1945 e 2020, pela editora inglesa Palgrave.
Octavio Amorim Neto recebeu financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Igor Daniel Palhares Acácio não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.