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Guilherme Mazieiro

Na contramão de Lula, mercado aposta em aumento de juros ainda em 2024

Bancos e investidoras estimam que Selic pode subir até 1 ponto devido a quadro externo desfavorável e pressões fiscais internas.

3 jul 2024 - 05h00
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

Na contramão das cobranças feitas pelo presidente Lula (PT) pela queda da taxa de juros, gestores e analistas do mercado financeiro começam a projetar aumento da Selic ainda em 2024. A coluna consultou análises feitas por bancos e corretoras considerando a conjuntura internacional e o cenário do Brasil. Uma estimativa da Bloomberg, a partir dos contratos futuros de juros, indica que o mercado espera a elevação em cerca de 1 ponto percentual nos juros neste ano. Até dezembro, sob comando de Campos Neto, o Comitê de Política Monetária (Copom) terá mais quatro reuniões.

A última reunião do Copom do Banco Central, em 19 de junho, interrompeu a sequência de queda da Selic mantendo, por unanimidade, o patamar de 10,5%. A ata do Copom indicou “que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Nesta quarta, 3, após ter se queixado do aumento do dólarLula se reunirá com quatro ministros para discutir as contas públicas. São os membros da Junta de Execução Orçamentária: Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação). O órgão é responsável por centralizar as discussões sobre a distribuição do Orçamento e avaliar a evolução das contas públicas.

Desde o início desta gestão, em 2023, Lula critica a condução do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e as decisões do Copom sobre juros. O entendimento do governo e da equipe econômica, liderada pelo ministro Haddad, é de que a inflação está sob controle, o país tem crescido acima do esperado e o arcabouço fiscal (equilíbrio das contas públicas) será cumprido.

A coluna consultou relatórios e análises de bancos e gestoras (veja destaques abaixo) feitas nesta semana sobre o cenário externo e interno. Foram consideradas a Carta dos fundos Multimercado da XP Asset, a Atualização Quinzenal e Estratégia – Renda Fixa e Crédito Privado do BTG Pactual, a Carta Mensal da Adam Capital e o Comentário Mensal dos fundos multimercado da Ibiuna Investimentos. As publicações foram entre segunda, 1º, e terça, 2, antes das novas críticas de Lula ao dólar e ao Banco Central.

Em geral, a percepção é de que o cenário externo é desfavorável. Há dúvidas sobre o rumo dos juros americanos, o resultado das eleições americanas, o desempenho da economia da China e o comportamento de países como México, Índia, África do Sul, Reino Unido e França, que passaram ou estão em processos eleitorais polarizados. 

Soma-se a isso, no Brasil, o receio sobre o dólar, a inflação e o controle das contas públicas. O Boletim Focus do Banco Central (resumo das expectativas do mercado) desta semana estima a inflação em 4%, acima dos 3% de meta, cuja margem de tolerância é de 1,5% para mais ou para menos.

Veja destaques das análises:

Eleições EUA e cenário externo

O BTG considerou que a inflação americana “arrefeceu fortemente em maio, puxada por um recuo da inflação de serviços excluindo alugueis”. O banco tem a “expectativa de que as pressões inflacionárias permaneçam contidas nos próximos meses, o que, somado à acomodação do crescimento em curso, devem criar as condições para Fed [Federal Reserve] iniciar um ciclo cauteloso de cortes de juros em setembro”.

A XP destacou que os dados divulgados em junho apontam "para moderação da economia americana. A inflação veio bem baixa em maio e o crescimento no segundo trimestre talvez não seja muito mais forte do que o fraco desempenho registrado no primeiro trimestre". Comentaram também que a eventual vitória de Trump pode acarretar no afastamento da agenda de equilíbrio das contas públicas e que isso, se "influenciar algo no nosso fiscal, não parece que a derivada será positiva".

A Ibiuna também destacou que a antecipação do debate americano e o fraco desempenho do atual presidente Joe Biden indicam que Donald Trump pode estar em vantagem em uma corrida que se imaginava mais acirrada.

“O consenso de analistas, certo ou errado, vê o Dólar se fortalecendo globalmente e a curva de juros com mais prêmio na ponta longa diante de uma plataforma que combina protecionismo tarifário, populismo fiscal, pressão potencial sobre o Fed e incertezas geopolíticas, entre outros aspectos”.

A análise citou que as eleições no México, Índia, África do Sul, Europa, França e Reino Unido “mostraram seu potencial de afetar preços de ativos, em um quadro marcado por uma mistura de polarização, que enfraquece posições centristas, com plataformas populistas de direita ou esquerda, que em geral exacerbam o risco de deterioração fiscal”.

A Adam Capital relatou que na China, "as autoridades continuam tentando estimular um crescimento de 5% do PIB neste ano, por mais difícil que isso possa parecer" e que o "cenário de deflação continua vivo, fazendo com que o juro real percebido seja alto para os padrões de uma economia que precisa ser reavivada. Não por outro motivo, os preços das commodities brasileiras exportadas para lá prosseguem em uma tendência de baixa".

Pressões fiscais no Brasil

As análises avaliaram que para além de temores no cenário internacional, há dúvidas sobre a execução das políticas fiscais, cumprimento do arcabouço fiscal e inflação.

A XP considerou que o aumento na taxa de juros pode se dar em setembro, “com endosso de todos os diretores do Copom. A construção da credibilidade da futura gestão exigiria que as altas adentrassem 2025, e o consenso eventualmente demandaria altas parcimoniosas”. 

“Esse cenário, com mais questionamentos sobre países emergentes e uma deterioração no quadro fiscal, associado à incerteza sobre a política monetária, tem pressionado o real e o mercado de juros, levando-nos a revisar nosso cenário para a taxa Selic, aumentando substancialmente a chance do BC se ver forçado a aumentar os juros ainda este ano”. 

A Adam Capital avaliou que a inflação medida pelo IPCA “voltou a acelerar, se aproximando do teto da meta de 4,5%, definida para este ano de 2024 e 2025”. 

“Olhando para a inflação, a tendência de alta deve prosseguir porque os indicadores de demanda e do mercado de trabalho devem continuar suportando a aceleração dos preços dos alimentos e dos serviços, uma vez que a taxa de desemprego está nos menores patamares em mais de uma década e a massa salarial ampliada disponível mantêm um crescimento anual em torno de 10%”. 

A gestora avaliou que a "rápida e expressiva depreciação cambial” tende a pressionar os preços dos bens comercializáveis e “neste ambiente, a pressão para que o Banco Central eleve a taxa de juros vai se tornando cada vez maior”.

O BTG citou a interrupção do ciclo de cortes de juros do Copom, “demonstrando maior incômodo com a crescente desancoragem de expectativas de inflação e com os impactos das incertezas fiscais” sobre o câmbio.

“O Copom apresentou ainda um cenário alternativo com a Selic constante em 10,5% a.a., em que a projeção de IPCA para 2025 (horizonte relevante para a política monetária) é de 3,1%, ligeiramente acima da meta. Essa projeção, juntamente com a mensagem de vigilância, sugere um cenário de manutenção da Selic nos atuais patamares por um período prolongado”.

Já a Ibiuna considerou que “apesar do aspecto técnico que cercou a decisão [do Copom] (cautela por desancoragem de expectativas, forte crescimento, menor ciclo de queda de juros nos EUA, enfraquecimento da âncora fiscal e dúvidas acerca da transição no BC ao fim do ano), o meio governista recebeu mal a decisão culminando com ataques diuturnos do Presidente da República ao Banco Central”. 

O entendimento é de que o atrito “resultou em uma grande subperformance dos ativos brasileiros, incluindo forte pressão por depreciação do Real, queda do Ibovespa e alta de juros ao longo da curva”. O documento não fala em aumento ou manutenção dos juros, e considerou que “sem uma resposta concreta do governo às pressões fiscais, e em meio a ventos externos potencialmente mais conturbados, temos dificuldade em ver como essa estória (sic) termina bem”.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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