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Guilherme Mazieiro

Opinião: Bolsonaro vs Xandão? Entenda o conflito que estremece Brasília

Congresso se ocupa mais em resolver questão de emendas do que com mensagens da atuação de Moraes no TSE; mas Bolsonaro tem o que celebrar.

16 ago 2024 - 12h09
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Bolsonaro acusa Alexandre de Moraes de ter problemas 'pessoais' com ele.
Bolsonaro acusa Alexandre de Moraes de ter problemas 'pessoais' com ele.
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

Quem vê o mundo a partir das redes sociais de bolsonaristas pode imaginar que estamos na iminência de um conflito entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal por conta das reportagens da Folha de S. Paulo sobre a atuação do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A bem da verdade, o combate já foi deflagrado. Mas por outra questão: as decisões do ministro Flávio Dino que suspenderam o funcionamento de emendas impositivas.

Para se ter noção, vamos aos valores de 2024. Deputados e senadores têm R$ 49, 1 bilhões dos pouco mais de R$ 200 bilhões do Orçamento sob comando dos ministérios para investimentos. Ou seja, um quarto do total. É muita grana e poder, pouca fiscalização, projeto e planejamento envolvidos.

O montante que os congressistas podem destinar às suas bases estão divididos em R$ 25 bilhões para as emendas individuais, aqui inclusos R$ 8,2 bilhões em “emendas Pix” [as mais difíceis de rastrear e por isso problemáticas]; R$ 8,5 bilhões em emendas de bancada; e R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão [também de pouca transparência]. Isso tudo apenas para este ano.

O caso do STF, que está em votação no plenário virtual nesta sexta, 16, é um marco, mas com alguns impactos ainda incertos. A decisão de brecar a tendência que vem numa crescente e se consolidando desde 2015 - o empoderamento do Congresso no uso e distribuição de quotas do Orçamento - caiu como uma bomba na Câmara e no Senado.

Dino considerou que “não é compatível com a Constituição Federal a execução de emendas ao orçamento que não obedeçam a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade”.  Na prática, na canetada, decidiu-se restabelecer o jogo de forças e chamar Executivo e Congresso para sentarem e encontrarem uma saída dentro da Constituição. Esse é o conflito.

Repare que ao longo da última década o poder foi sendo deslocado das mãos da Presidência para as cúpulas do Congresso - ainda que por razões distintas - em momentos de fragilidade política no governo Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Com um presidente mais fortalecido e habilidoso, como Lula (PT), na esteira dos ataques ao STF e dos escândalos reportados pela imprensa do mal uso do Orçamento por parte dos parlamentares, chegamos até aqui.

A questão das reportagens sobre a atuação de Alexandre de Moraes aparentemente fora do rito do TSE pode adicionar algum tempero na discussão toda. Mas a preocupação de quem tem poder e influências nas duas Casas representativas é com as emendas e a estrutura de poder. Bolsonaro e seus asseclas que se virem para cuidar da própria pele. Esse é o ambiente.

Com a habilidade e velocidade nunca antes vistas, bolsonaristas conseguem criar narrativas e disseminar recortes da realidade (ou da fantasia que creem) a seus seguidores para contaminar a percepção da sociedade sobre determinados assuntos que lhes interessa.

E agora volto à questão de Moraes. O STF, a Justiça Eleitoral e o ministro “Xandão” são alvo deste grupo há alguns anos. Não só porque querem minar bases democráticas do país, mas também porque ali que correm investigações que podem os colocar na cadeia. Há uma motivação ideológica e de interesse estritamente pessoal nessa cruzada.

A Folha de S. Paulo e a imprensa tradicional foram descredibilizadas e atacadas constantemente por Bolsonaro, que agora diz acreditar no que noticiam. É uma indignação seletiva e relativa ao que melhor lhe convém.

No calor da publicação da primeira reportagem, na noite de terça, 13, um senador de centro me disse que a repercussão era ainda incipiente, mas projetava que o assunto fosse "reverberar muito nos próximos dias". Sem muita clareza do impacto jurídico e das supostas irregularidades cometidas por Moraes, o tema cresceu nas bolhas bolsonaristas e desinflamou, ou ao menos parou de crescer, fora dela.

Esse burburinho todo foi suficiente para a extrema direita convocar manifestações para o dia 7 de setembro contra o ministro (parece que voltamos no tempo, não é mesmo?) e tentar nutrir um pedido de impeachment contra o magistrado no Senado.

Hoje é difícil vislumbrar uma mudança na inelegibilidade de Bolsonaro (que nada tem a ver com o que foi revelado pela reportagens da Folha). E é também tão difícil prever a prisão de Bolsonaro quanto refutar os indícios criminais trazidos pela Polícia Federal. Porém, o embate político ganha força para as eleições como um amálgama que unifica a base em defesa da tese tresloucada de perseguição contra o "mito" e de que vivemos em uma democracia relativa. Na situação de Bolsonaro, toda e qualquer ajuda conta muito.

Na decisão de Dino sobre as emendas, ele recorreu ao mito grego de Ícaro, que “ao não voar adequadamente entre o mar e o sol, excedeu-se e se aproximou muito deste último, resultando na queima da cera das suas asas e na sua morte. Em outras palavras, o método 'quero, posso, mando' destrói as instituições, em face da ausência de moderação, sobrepujada por excessos”.

Os gregos antigos eram profundos conhecedores do comportamento humano e por isso devemos tomar lições com eles. O recado lembrado por Dino serve para todos que ocupam ou passaram pelo poder.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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