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Guilherme Mazieiro

Opinião: Brasil faz selfie sem filtro: réus no STF, Lula com Centrão e Bolsonaro operado

Condenação de golpistas é símbolo político e histórico para Democracia

15 set 2023 - 11h20
(atualizado às 12h17)
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Foto: Guilherme Mazieiro / Guilherme Mazieiro

O dia de ontem, 14 de setembro, foi um marco histórico para democracia brasileira. Pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou réus por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito nos atos do dia 8 de janeiro. Os crimes foram incluídos no Código Penal em 2021 pelo Congresso no sobressalto do governo Jair Bolsonaro (PL). A mudança legislativa revogou a Lei de Segurança Nacional, herança da nojenta Ditadura Militar (1964-1985) que o capitão político exalta.

“Nós poderíamos estar em algum lugar contando a história da nossa derrocada. Mas estamos aqui, graças a todo um sistema institucional, contando como a democracia sobreviveu”, disse o ministro Gilmar Mendes durante seu voto. Essa fala retrata o simbolismo do julgamento de ontem.

Desde ontem, Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro carregam consigo o registro criminal e histórico de golpistas. Desta primeira leva de julgamento, resta a última acusação feita pela Procuradoria Geral da República, contra Moacir José dos Santos, que deve se dar na próxima semana.

Além dos crimes e da condenação, teve bate-boca entre ministros. Assista:

Alexandre de Moraes e André Mendonça batem boca no STF: 'Não coloque palavras na minha boca':

Além disso, a patética e tosca mentalidade bolsonarista foi registrada.Na defesa de seu cliente, uma advogada atacava a Corte aos prantos e soluços. Confira:

Advogada de réu do 8/1 chora e diz que Moraes a ignorou: 'Sequer nos cumprimentou':

Outro advogado confundia uma obra de ficção juvenil  (O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry) com um livro clássico da política (O Príncipe, de Nicolau Maquiavel). É um puro retrato de Brasil. Assista também:

Advogado de réu do 8/1 confunde 'O Príncipe', de Maquiavel, com obra infantil:

Por um capricho da História, enquanto os golpistas eram julgados, o militar responsável pelo acampamento de onde saíram a bomba colocada no Aeroporto Internacional de Brasília e os traidores que destruíram os prédios públicos em Brasília era inquirido por parlamentares da CPMI do dia 8 de janeiro.

No Senado, Gustavo Henrique Dutra de Menezes, o general da ativa fardado (atenção à simbologia verde-oliva) , ouviu o deputado Rogério Correia (PT-MG) o taxar de golpista. E o ex-secretário nacional de Pesca e Agricultura de Bolsonaro e senador, Jorge Seif (PL-SC), fazer um discurso aloprado, chorar e chamá-lo de covarde. Isso mesmo, um bolsonarista agora chama o general que permitiu o acampamento em frente ao Quartel General do Exército de covarde.

Quem relata com maestria a relação política/simbologia/história, é a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, no seu livro “As Barbas do Imperador” (Companhia das Letras). Ela mostra como a política e o poder, muitas vezes, recorrem a imagens e simbolismos para construir a memória coletiva nacional. A professora da USP costuma dizer também que os novos regimes autoritários sequestram símbolos da pátria e conceitos (bandeiras, eventos, cores).

Vimos isso com Bolsonaro, que tentou tomar para seu grupo político datas nacionais como o 7 de Setembro (Independência) e dizia que seu partido era o Brasil, papo de fascista. O Brasil não é seu partido. Bolsonaro esteve em muitos, aliás, oito. O nono partido e (por enquanto) atual, é o PL, comandado pelo mensaleiro Valdemar da Costa Neto.

Bolsonaro entende bem de simbologia na política. Montava imagens comendo pão com doce de leite e se emporcalhando com farofa para parecer um cara simples (e chucro), mas escondia da população que acumulava e vendia joias e relógios Rolex do Estado brasileiro por centenas de milhares de dólares.

Em momentos de dificuldade política, ele costuma recorrer às fotos do atentado a faca que foi alvo, em 2018, e retratos de si debilitado em mesas de cirurgia. Nesta terça, 12, poucos dias após a delação de seu ex-ajudante de ordens e tenente-coronel Mauro Cid ser fechada, postou mais um retrato deitado na mesa de cirurgia, antes de um procedimento médico.

Nesta semana, Lula também se valeu da simbologia. Fez uma posse envergonhada a dois novos ministros do Centrão, um do PP e outro do Republicanos. Ambos foram anunciados no apagar das luzes, às vésperas do feriado de 7 de Setembro. E a posse aconteceu quarta, 13, a portas fechadas, sem se deixar fotografar pela imprensa ao lado de Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e André Fufuca (Esporte).

A assessoria de imprensa de Lula divulgou 40 fotos da posse dos novos ministros, em boa parte delas o petista traz um sorriso miúdo ou sequer sorri. A decisão de Lula impediu que os novos ministros fossem celebrados em cerimônia pública no Palácio com familiares, amigos, aliados, autoridades e a imprensa. Mostra uma limitação de poder.

Para refletirmos, resgato um trecho de O Príncipe [esse sim, de Maquiavel], no capítulo XXI: “É muito conveniente a um príncipe dar raros exemplos quanto ao seu governo [...], quando alguém tenha realizado qualquer coisa de extraordinário, de bem ou de mal na vida civil, para premiá-lo ou puni-lo, o príncipe deve agir de modo tal que dê margem a largos comentários. E, sobretudo, deve um príncipe trabalhar no sentido de, em cada ação, conquistar fama de grande homem”.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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