Opinião: Congresso farto de emendas estimula violência e lacração nas redes
Quer espetáculo mais pulsante do que a violência nas redes? É um prato cheio para quem conta votos a partir do número de seguidores.
“Vamos! Só nós dois! Eu e ocê!”, gritava o deputado André Janones (Avante-MG) para o também deputado mineiro Nikolas Ferreira (PL-MG). O bolsonarista respondia: “Vâmo! Vâmo!”. "Pode vir, bate, bate, 'rachadinha'", continuava Nikolas. "Moleque golpista. Pau no seu c*, seu moleque. Dou na sua cara com um soco, seu otário", ameaçava Janones. Exaltados, o empurra empurra era contido por colegas parlamentares e assessores. Ainda assim, os gritos seguiam pelos corredores por entre puxões de terno, selfies e câmeras filmando ao vivo.
Essa tosquice se deu na quarta, 05, na Comissão de Ética da Câmara. Pouco antes, o pré-candidato a prefeito de São Paulo, aliado de Lula (PT), Guilherme Boulos (Psol-SP), havia apresentado o parecer pelo arquivamento da representação contra Janones por “rachadinha” - prática em que o parlamentar recebe valores pagos pelo Estado a seus assessores de gabinete. Um acordão livrou Janones com 12 votos a favor e 5 contrários e carimbou em Boulos a pecha de passador de pano. Seus adversários já exploram a postura nas redes sociais.
O espetáculo foi tão deplorável que ainda teria que melhorar muito para parecer aquelas brigas de moleques na escola, que não passam de uma performance chinfrim de valentia ante os colegas de classe.
No show de horrores, Janones ainda disparou xingamentos homofóbicos a Nikolas, o chamando de “boiola”, e só no dia seguinte divulgou nota à comunidade LGBTQIA + para se desculpar pelas falas.
Não bastasse a treta com Janones, Nikolas se meteu em outra confusão violenta na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na quinta, 7. A deputada Erika Hilton (Psol-SP), que assim como Duda Salabert (PDT-MG) é uma parlamentar trans, discutia com Júlia Zanatta (PL-SC) e a xingava de “ridícula”, “feia”, “ultrapassada” e sugeria que a colega fosse “hidratar esse cabelo”. Foi quando o deputado mineiro tomou o microfone para dizer que “pelo menos ela é ela”.
Pode ser difícil para muita gente entender o que é um ataque transfóbico - que aliás é equiparado ao crime de racismo desde 2019. Sugiro ao leitor a entrevista, em texto e vídeo, com Duda que publicamos nesta semana no Terra. Ela ilustra casos de violência que uma travesti enfrenta na política e nas ruas.
Outro episódio lamentável envolveu a deputada Luiza Erundina (Psol-SP). A parlamentar de 89 anos passou mal durante o clima tenso de embates e trocas de acusações na Comissão de Direitos Humanos. A parlamentar foi hospitalizada na UTI. Após o susto, seu quadro melhorou e, segundo a assessoria, se recupera.
Isso tudo nessa semana. Recentemente teve também o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) retirando da Câmara à força e com chutes um membro do MBL que o provocava.
A violência em si não é uma novidade na política. A espetacularização dela, talvez seja um diferencial do que há no Congresso, atualmente. Há uma mistura do uso de redes sociais como ferramenta para divulgar o mandato, as ações e discursos com o espetáculo. A interação momentânea com apoiadores, adversários e toda sorte de seguidores. Quer espetáculo mais pulsante do que a violência nas redes? É um prato cheio para quem conta votos a partir do número de seguidores.
Há uma banalização da violência, onde os parlamentares se sentem à vontade para xingar e ofender, impunemente, uns aos aos outros. É uma política pensada a partir dos algoritmos das redes. O compromisso do mandato de parte dos deputados é viralizar, criar narrativas. Seja ela pelo ataque, por demonstrações pífias de valentia ou deboche.
É difícil um deputado viralizar em um vídeo sobre reforma tributária. Afinal, ele está disposto a sentar a bunda na cadeira com seus assessores, ler, estudar e entender o que está em discussão? Isso custa um tempo que as redes sociais não têm.
Alguém pode se questionar: qual retorno efetivo esse parlamentar dá à população que garantirá sua reeleição? Há uma certa comodidade quanto a isso. Deputados têm, este ano, R$ 37,8 milhões em emendas próprias (individuais) e de execução obrigatória. Senadores têm outros R$ 69,9 milhões cada. Ou seja, é uma dinheirama que será destinada a sua base, cabendo ao governo apenas pagar.
Esse fortalecimento do Congresso permite que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), coloque a faca no pescoço do governo para cobrar cargos e mais emendas em troca de avançar com propostas e interesses que batem à porta de seu gabinete. E permite também que deputados alimentem suas bases com emendas e entregas pontuais, ficando mais à vontade para a lacração nas redes.
Ocorre que muitas das vezes, as emendas individuais vão para ações isoladas: ambulância, pequenas obras. São entregas que têm sua importância para população - e principalmente para prefeitos e congressistas fizeram foto de campanha -, mas ignoram a elaboração de políticas públicas para regiões, estados e para o país. Nesses embates animalescos no Congresso, quem perde é você.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.