Opinião: Debate tem Marçal ‘Nutella’, exame de Boulos e Nunes apagado
Mais importante do que o debate é o que acontecerá agora, a versão que mais vai convencer ou incomodar o eleitor.
No cenário de indefinição, com três candidatos disputando duas vagas no segundo turno, o último debate para prefeitura de São Paulo, na TV Globo, pode ser dividido em dois momentos: a apresentação de propostas e um tom manso evitando aumentar a rejeição, e algumas alfinetadas pegando em temas sensíveis no final do embate.
Cada um dos três candidatos que embaralham a liderança das pesquisas de intenção de votos se apresentou de uma maneira diferente. Pablo Marçal (PRTB), que segundo os levantamentos é o líder em rejeição, baixou o tom e tentou reverter a imagem violenta que apresentou ao longo da campanha. A versão Nutella surpreende, e pode causar estranheza até em parte do seu eleitorado que se encantou com sua atuação radicalesca.
Ricardo Nunes (MDB), que tenta se apresentar como um centro-direita com pé no bolsonarismo - mas o faz menos com refino do que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) - deixou uma imagem apagada, sem mostrar convicção ao rebater críticas e acusações.
Guilherme Boulos (Psol) foi vacinado contra alfinetadas de Pablo Marçal e apresentou - descumprindo as regras - um exame toxicológico. Na fala, no tom e na expressão corporal, Boulos pareceu mais enérgico, mais confiante que o tom acuado de Marçal e o morno de Nunes.
A mesma empolgação e motivação estiveram em Tabata Amaral (PSB), quarta colocada nas pesquisas de intenção de votos. Datena (PSDB) parecia à vontade, ainda que constantemente apoiado sobre o balcão, com "um quê" de durão indignado com a gestão da cidade.
Os cabos eleitorais mais conhecidos, pouco apareceram. Lula (PT) e Bolsonaro (PL) pouco foram citados. O ex-presidente apareceu nas falas de Boulos quando tentava emplacar a marca de bolsonarista na testa de Nunes e Marçal, e com isso tentar aumentar a rejeição de ambos junto ao eleitor de centro e mais pobre.
Momentos do debate
No primeiro momento, quando os candidatos optaram por baixar o tom acalorado e agressivo das últimas semanas e falaram de propostas, houve diálogos interessantes para o eleitor. Boulos e Marçal, por exemplo, mostraram quão divergente são as visões de mundo que carregam. Enquanto o ex-coach falava em prosperidade para alunos, educação emocional, Boulos propunha música, arte, psicólogos e tempo integral na escola.
Diante da incomum civilidad, Tabata até cutucou os demais adversários falando que os candidatos estavam “fofinhos”.
O estilo prefeito-gestor de Nunes, que rebate críticas apresentando dados e obras, não superou a dificuldade em refutar críticas e acusações duras, e acabou soando como morno e acuado, justamente no momento em que ele precisa de um impulso final para se garantir no segundo turno.
Nunes, tentando recuperar o voto bolsonarista, pregou palavras chave para esse eleitorado, falando em gestão de viés liberal, não aumentar taxas, nem criar impostos. Quando confrontou Tabata, perguntou porque ela não votou no projeto que aumenta a pena para criminosos, outro assunto que mobilizou a oposição no Congresso. Ela não respondeu.
Nesta fase do debate, Marçal falava em prosperidade, sobre ser cristão, dizendo que é empreendedor, filho de faxineira e que venceu na vida. As frases soavam mansas e traziam um leve tom de insegurança. Assim, perguntou a Boulos sobre inovação sem lhe fazer ofensas ou dar apelidos.
Longe da versão "de raiz", Marçal ainda buscou se apresentar como anti-sistema, por não usar fundo eleitoral e não ter tempo de TV.
De morno para quente
Na segunda etapa, o tom subiu um pouco. O modelo com tempo pré-definido e apenas dois candidatos se enfrentando por vez, como tradicionalmente são os debates no Brasil, não permitiu que as faíscas se espalhassem e incendiassem o palco.
Quando Marçal, provocado por Boulos que o chamou de “lobo em pele de cordeiro”, resolveu reagir, foi de maneira menos radical do que costumamos ver, falando em “ladainha de esquerdopatia”. Em outro momento insinuou que Boulos é usuário de drogas e que conheceria “biqueiras” (pontos de venda de drogas) na cidade. Boulos apresentou, então, o exame toxicológico e avisou aos telespectadores que poderiam vê-lo em suas redes sociais.
Encolhido na bancada, Marçal pediu perdão ao eleitor paulistano: “por favor, povo de São Paulo, me perdoe se alguma coisa eu fiz nessa eleição. Não tinha como fazer diferente, se não eu nem chegaria aqui. Me perdoa se te magoei com alguma palavra, meu coração é sincero”. Talvez só mesmo a rejeição elevada justifique essa postura.
Em live após o debate, Marçal falou sobre o tom ameno: "Tava comportadinho? Tava morninho? Tem um eleitor médio que assiste ao debate e ele não me conhece. então tem que ter aquela postura pra chegar nele", disse.
Mais para o final, Boulos mirou a artilharia pesada em Nunes citando uma reportagem do UOL sobre um chefe de gabinete do prefeito ter possíveis proximidade com lideranças do PCC. Nunes rebateu sem muita empolgação, no tom morno que soava como abatimento.
Marçal ainda insistiu no tema que fez Nunes se calar no debate anterior, o boletim de ocorrência que a esposa do prefeito registrou contra ele por violência doméstica em 2011. Falou também de investigações que pesam contra o prefeito e sua administração.
Nunes rebateu dizendo que a provocação de Marçal foi covarde por ter sido feita ao final de sua fala, sem que pudesse responder na sequência.
“Esse B.O. [boletim de ocorrência], sou casado há 27 anos, tive um problema 14 anos atrás que ficamos separados. Estamos casados, felizes. Leiam o BO, não tem nada de agressão física. É injusto o que ele faz, porque ele é malvado, é ruim”, disse Nunes.
Há dois dias da eleição, em um cenário incerto, o trio que briga para estar no segundo turno optou por se apresentar de maneira mais adocicada ao eleitor. Os últimos dias não terão campanha no rádio e na TV, mas está liberado o uso de internet. O mais importante do debate é o que acontecerá agora, a versão que mais vai convencer ou incomodar o eleitor.