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Guilherme Mazieiro

Opinião: EUA tem disputa entre incapaz e criminoso, reflexo da democracia fragilizada

A encruzilhada da campanha capenga de Biden acende alerta para Lula e os países democráticos.

28 jun 2024 - 14h26
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Após duelo desta quinta, Donald Trump e Joe Biden devem se enfrentar novamente em setembro
Após duelo desta quinta, Donald Trump e Joe Biden devem se enfrentar novamente em setembro
Foto: DW / Deutsche Welle

O primeiro debate entre os candidatos a presidente dos Estados Unidos mostrou o quão grave é a situação americana e a importância dos partidos políticos trabalharem a eleição como um processo de construção e conquista. A disputa se dá entre um candidato que não tem credenciais mínimas e não deve ser presidente, Donald Trump, e outro a quem falta saúde física e mental para exercer o cargo, o atual presidente Joe Biden.

Na noite desta quinta, 27, o republicano Trump seguiu mentindo como sempre e fantasiando teses ridículas, como a de que teria super poderes para impedir conflitos tão complexos como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. O concorrente democrata, Biden, mostrou uma enorme dificuldade em completar o raciocínio simples. Gaguejando com voz rouca e baixa mostrou uma fraqueza espantosa e falhou miseravelmente na tentativa de desbancar o adversário.

Entre os democratas o desespero é tal que cogitam sacar Biden por um outro nome, informam a CNN americana e o The New York Times. Não se sabe quem, nem como e se vão fazer isso. A vice, Kamala Harris, tem baixa popularidade. Caso o partido escolha um nome que se sobreponha ao dela, automaticamente assumirão que nem mesmo a vice que governou por três anos e meio tem a confiança dos democratas. Se nem ela tiver esse respaldo, por que o eleitor deveria confiar em outro nome?

Não foi pensada uma transição de governo, justamente por apostarem que Biden, aos 81 anos, seria o nome para reeleição a bater o favorito, Trump. Se eleito, assumirá o segundo mandato com 82 anos, que completará em novembro. Trump, que mostra muito mais vitalidade, completou 78 anos em junho.

Os Estados Unidos e o mundo assistiram a um debate ruim, com pouquíssimas propostas, alguma baixaria e troca de ofensas entre dois homens brancos disputando, de novo, o poder da Casa Branca. Falta renovação de ideias e de lideranças em um momento em que o mundo vê a democracia se fragilizar sob o ressurgimento de movimentos de raízes fascistas e nazistas.

No livro Peril (Perigo, em português), os jornalistas Bob Woodward e Robert Costa contam como Biden decidiu ser candidato em 2020 para resgatar a “alma” do país frente aos desmandos e arroubos de Trump. No cenário atual, Biden mostra ter pouca condição para ser candidato e tampouco presidente. Biden é um obstáculo para os americanos derrotarem Trump.

No Brasil, dadas as diferenças sociais e políticas, é possível identificar um quadro com alguma semelhança no que tange à falta de renovação. Há duas lideranças quando se fala em eleição presidencial: Lula (PT) e Bolsonaro (PL). O petista com 78 anos e o capitão com 69 anos. É uma diferença considerável para Biden e nenhum dos dois demonstra falta de vitalidade. Ao contrário, esbanjam vigor rodando o país semanalmente em eventos e reuniões, o que sugere que a concentração de poder que eles têm pode ser ainda mais duradoura do que a do debilitado Biden.

Lula disse, em entrevista ao UOL nesta semana, que sua marca será “recuperar a democracia” e melhorar o nível de renda do brasileiro. Lembra o discurso de Biden, de resgate da alma (valores) americana. E lembra também que Lula é o mesmo político que está em cena há 40 anos.

A versão mais tosca e brasileira de Trump, o inelegível Bolsonaro tem algumas viúvas do seu governo e pupilos governando São Paulo (Tarcisio de Freitas, Republicanos), Minas Gerais, (Romeu Zema, Novo), e um aliado à frente de Goiás, (Ronaldo Caiado, União Brasil). O capitão que confrontou a ordem democrática, também resiste a passar o poder.

Lula já mostrou que sabe como poucos transferir votos. Elegeu Dilma Rousseff (PT) em 2010 e, mesmo preso, levou Fernando Haddad ao segundo turno contra Jair Bolsonaro em 2018. Hoje, seu governo vive com uma disputa nem tão velada, mas sutil, entre duas figuras chave: os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e o da Fazenda, Haddad. É bom que a esquerda tenha alternativas.

Com histórias políticas próprias, eles são os potenciais quadros do PT para disputar a Presidência em 2026 caso Lula desista. Neste campo há ainda Guilherme Boulos (Psol), candidato apoiado pelo PT à prefeitura de São Paulo, mas, hoje, sem estatura política para cadeira presidencial.

Dizia o filósofo italiano Nicolau Maquiavel, que “nos estados hereditários e acostumados a ver reinar a família do seu príncipe, há dificuldades muito menores para mantê-los, do que nos novos; porque basta apenas conservar neles a ordem estabelecida por seus antepassados, e em seguida contemporizar com os acontecimentos”.

Em um sistema democrático, a transferência de poder, de capital político e por fim, de votos, não se dá de maneira automática. Essa construção de capital político para Lula e Bolsonaro ficou ainda mais difícil no mundo atual em que surgem diferentes verdades e falsas verdades a todo tempo.

A diferença é que a construção de Lula ou qualquer outro campo democrata é muito mais difícil do que a seduzente tese de destruição negacionista de Bolsonaro. A encruzilhada da campanha capenga de Biden acende esse alerta para Lula e os países democráticos.

A Folha de S. Paulo relatou esta semana que Lula planeja reunir lideranças globais democratas para combater o avanço da extrema direita. Lula reconhece que “tem que se mexer”. É pouco, mas já é um bom sinal.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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