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Guilherme Mazieiro

Opinião: Lula recebe cartas amargas do Senado e da Câmara

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27 out 2023 - 15h55
(atualizado às 16h05)
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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista com jornalistas no Palácio do Planalto
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista com jornalistas no Palácio do Planalto
Foto: Reuters

Após três semanas se recuperando de duas cirurgias, o presidente Lula (PT) voltou a despachar do Palácio do Planalto. Na caixinha de Correio tinha duas mensagens amargas para ler. Vamos a elas.

O primeiro recado veio do Senado. A indicação que Lula fez para o cargo de defensor público-geral federal, posto mais alto da Defensoria Pública da União (DPU), foi barrada pelos senadores. O nome de Igor Roque ficou sob fritura de julho até esta quarta-feira, 25, quando finalmente foi rejeitado. A recusa de senadores a indicações de nomeações do Palácio do Planalto é incomum.

A DPU é a instituição que fornece assistência e defesa jurídica a pessoas em situação de vulnerabilidade e sem acesso à Justiça Federal.

Após a derrota do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), que lidera a sigla de Jair Bolsonaro (PL) no Senado, foi às suas redes sociais anunciar: “Derrubamos o indicado do Lula para a DPU. Recado dado. Gesto forte! Tenho dito: se colocar o Dino pro STF vai passar vergonha!”, disse fazendo referência ao ministro da Justiça, cotado para ser indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Quem fizer uma leitura desavisada pode imaginar que houve uma articulação da oposição para barrar o tema. Ou mesmo que havia um descontentamento com Roque porque haveria, na DPU, um seminário sobre acesso ao aborto legal, em agosto. O evento foi cancelado com a repercussão dos conservadores da oposição. 

O senador Eduardo Girão (Novo-CE), em 29 de agosto, condenou o evento. Ele disse no plenário que o seminário seria uma “incitação explícita ao crime e apologia ao aborto”. Na realidade, isso não faz sentido e não passa de populismo reacionário, já que há previsão legal para alguns casos de aborto legal no país.

A votação do indicado à DPU chegou a entrar na pauta de votação em agosto e foi retirada, quando o governo viu que perderia. Ainda assim, mesmo com quase três meses para trabalhar a aprovação, quando posta em votação, o Planalto se deparou com uma derrota.

Mas o ponto que interessa é: para avançar a nomeação de Igor Roque - e a vitória do governo - seria necessário que 41 dos 81 senadores votassem favoravelmente. Mas foram apenas 35 votos. Outros 38 votaram não, e houve uma abstenção. Aí que está a questão.

Em fevereiro, a oposição votou no ex-ministro de Bolsonaro Rogério Marinho (PL-RN) para presidir o Senado. Ele teve 32 votos. Rodrigo Pacheco (PSD-MG) venceu com 49. A gordura da oposição diminuiu e costuma oscilar entre 24 e 27 votos, a depender do tema. Ou seja, na votação do indicado à DPU, a oposição teve um ganho de 11 a 14 votos. Esses votos são a má notícia para Lula. Não refletem um trunfo da oposição, mas sim um descontentamento entre aliados com a articulação política do governo. 

Isso fica mais evidente quando se nota que, na mesma sessão, foram aprovados três nomes para o Superior Tribunal de Justiça (STF): Daniela Teixeira, Teodoro Silva e José Afrânio Vilela. No jogo político, a DPU tem menos peso que o STJ. Se todos os quatro indicados tivessem sido barrados, não seria recado, seria obstrução e crise.

Esse é o recado que Lula recebeu do Senado, onde, nas próximas semanas, tentará aprovar a reforma tributária. Ainda que pelos corredores da Secretaria de Relações Institucionais - ministério que cuida da articulação política - tente se minimizar o impacto da pancada, dizendo que era uma derrota prevista pela questão do seminário do aborto, o recado do Senado está dado: há insatisfação.

“O fato de eles não terem aprovado o Igor para a Defensoria Pública, possivelmente eu tenho culpa porque estava hospitalizado, não pude conversar com ninguém a respeito dele, não pude sequer avaliar se ele fosse ser votado ou não", disse Lula durante café da manhã com jornalistas, nesta sexta, 27. A tentativa de mea culpa não cola, porque a votação estava no radar do Senado desde agosto, antes de sua operação.

A outra mensagem que estava na caixinha de Lula era da Câmara. Sem muito alarde, os deputados, como um time que está chegando ao final do jogo com vantagem no placar, começaram a cadenciar o passe de bola, sem criar, sem avançar ao ataque, só fazendo o tempo passar. Mas o governo tem pressa para aprovar projetos da área econômica, e correu para demitir Rita Serrano da presidência da Caixa e cumprir o acordo firmado meses atrás. No lugar, um aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o economista Carlos Antônio Vieira. Tanto Vieira quanto Serrano são funcionários de carreira da instituição.

Coincidentemente, horas após a troca ser anunciada, a Câmara destravou a votação e aprovou a taxação de offshores e de fundos dos super ricos. A queda de Rita Serrano elevou para três o número de mulheres demitidas por Lula para acomodar aliados do Centrão em troca de apoio político.

Seria cômico se não fosse - e infelizmente é - trágico que no dia da demissão da presidente da Caixa, a primeira-dama participava de um evento intitulado: Brasil sem Misoginia.

Serrano não foi ao evento. Mas ela falou sobre o tema em um texto publicado no seu site, nesta quinta-feira, 26:

“Ser mulher em espaços de poder é algo sempre desafiador. Não foi fácil ver meu nome exposto durante meses à fio na imprensa. Espero deixar como legado a mensagem de que é preciso enfrentar a misoginia, de que é possível uma empregada de carreira ser presidente de um grande banco e entregar resultados”, escreveu Rita.

Hoje, o presidente Lula (PT) disse que nem sempre os partidos com os quais faz acordo político “têm uma mulher para indicar”.

Nesta sexta, 27, Lula faz aniversário e completa 78 anos. Por mais que tenha o que comemorar, o bolo da festa traz um toque de amargura para boca do presidente.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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