Opinião: Não podemos nos cegar pelas respostas fáceis do zapzap sobre a guerra em Israel
Aquele seu colega que só fala de futebol e amenidades, de repente, virou um feroz especialista em conflitos no Oriente Médio
Neste exato momento há milhares de crianças chorando na Faixa de Gaza e em Israel e tantas outras mortas que já não choram mais. A escalada do conflito que brutalmente matou ao menos 5,5 mil pessoas em 13 dias é o reflexo do fracasso de anos da política e das negociações diplomáticas.
Todos nós temos direito a opinião e posicionamento político sobre a guerra. E todos nós temos direito de falar bobagem e passar vergonha com essas opiniões e esses posicionamentos.
Em uma rápida reflexão é possível concluir que os tempos em que vivemos nos empurra para busca de respostas simples, rápidas e fáceis para os mais diversos (e complexos) temas. Queremos a solução aqui e agora, na palma da mão. Por isso você vê aquele seu colega que só fala de futebol e amenidades, de repente, virar um feroz especialista em conflitos no Oriente Médio, relações exteriores e estratégias de guerra.
Essas opiniões não têm nenhuma relevância no conflito. A guerra de informação que tem peso de verdade se desdobra por outros caminhos. A explosão no hospital em Gaza é um exemplo disso. Não sabemos, até aqui, quem disparou e nem o por que uma explosão atingiu um hospital. Sabemos que causou mais mortes e destruição e há um jogo de empurra entre os envolvidos.
Sem possibilidade de perícia no local e uma análise mais detalhada, talvez nunca saibamos quem provocou a explosão. A britânica BBC e outros veículos internacionais fizeram apurações jornalísticas a partir de indícios e das poucas informações que conseguiram checar para tentar descobrir quem causou a destruição no hospital. Já te adianto: ainda não temos resposta. A vida real é mais complexa do que o grupo de zap nos leva a imaginar.
Essa complexidade está nas falas do ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. Em audiência no Senado, ele ponderou que a repatriação dos 1.135 brasileiros só foi possível porque o país “se dá bem” tanto com Israel, quanto com os palestinos. Reflexo de uma posição moderada e conciliatória que a diplomacia brasileira historicamente cultiva.
Em dado momento da audiência, o senador Carlos Viana (Podemos-MG), candidato de Jair Bolsonaro (PL) ao governo de Minas, em 2022, fez um longo relato de suas experiências e vivências in loco por Israel e no Oriente Médio. Tudo isso para embasar de credibilidade sua fala que pedia o fim do Hamas, grupo islâmico radical que controla a Faixa de Gaza, e cobrar que o governo os classifique como “terroristas”.
O ministro respondeu que o Brasil segue o entendimento da ONU, que não classifica o grupo como terrorista, e que se assim o fizesse, a já difícil negociação por um corredor humanitário sequer existiria. Sobre dar um fim ao Hamas, grupo que é um partido político com braço armado e que promoveu sim ataques terroristas, o ministro respondeu com alguma ironia que não saberia como poderia propor à ONU a extinção do Hamas. De novo, o tema é complexo.
O cerco e os milhares de mísseis que Israel dispara sobre os civis palestinos se assemelha ao terrorismo promovido pelo Hamas em 7 de outubro. Com apoio dos Estados Unidos, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ignora acordos internacionais e a enfraquecida ONU não consegue votar, sequer, a ajuda humanitária aos 2 milhões de palestinos confinados em Gaza.
Até mesmo os americanos, que costumam se valer de toneladas de bombas para "promover a democracia" no Oriente Médio, fizeram um alerta à contraofensiva de Israel. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que a ocupação da Faixa de Gaza seria um grande erro e traçou um paralelo com o 11 de setembro, dizendo que os americanos também ficaram furiosos, conseguiram “justiça, mas também cometemos erros”. E aconselhou o governo de Israel a não se deixar cegar pela raiva.
Parte desses erros aos quais Biden se referiu estão retratados no documentário “Ponto de Virada”, na Netflix, sobre o 11 de setembro, a resposta e, principalmente, as falhas e abusos dos EUA no combate ao terrorismo.
A busca por respostas fáceis que pipocam na palma da mão parece nos levar para o romance “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago. No livro, uma epidemia de cegueira nos faz refletir sobre moralidade, o comportamento humano e o desafio de buscar a lucidez.
Tenho conversado com um brasileiro na Faixa de Gaza, Hasan Rabee, que vê a morte da janela de casa a todo instante. Ontem, ele me relatou os intensos ataques em Khan Younis, cidade em que está abrigado. Mais tarde, me contou que o primo junto da esposa e os filhos tinham morrido em um ataque em Jabalia, ao norte de Gaza. Quando perguntei dos rumores de que hoje haveria liberação para ajuda humanitária, a resposta foi curta e direta:
“Esse amanhã NÃO chega. Há umas semana a gente escuta isso. Vivemos na esperança”, escreveu.
Bom final de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.