Opinião: Quem se diverte e quem chora com os memes de Haddad taxador
O movimento desses memes, seja orgânico ou coordenado, serve para construir (ou desconstruir) uma imagem da política econômica de Lula.
A crítica, a sátira e o deboche político em forma de imagens são históricos. Por aqui, a bola da vez é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ou, “Taxadd”, como nomeiam os criativos e hilários memes que inundaram zaps e redes sociais nas últimas semanas.
A historiadora e imortal da Academia Brasileira de Letras, Lilia Schwarcz, conta em “As Barbas do Imperador” (Companhia das Letras), como as caricaturas eram utilizadas para ironizar e ridicularizar o imperador D. Pedro II. Com o avanço da imprensa livre a partir de 1850, começam a surgir desenhos chamando-o de “Pedro Banana”, carregando algum deboche sobre sua mania de erudição. Houve ainda críticas sobre sua idade e cochilos durante sessões públicas, as pernas finas…
Os traços desenhados contrapunham-se às imagens oficiais do mandatário, que começava a ser apresentado em fotos (uma novidade à época) sérias e oficiais. A análise da historiadora é de que mesmo pela gozação, as caricaturas, por um lado, geravam uma certa simpatia com relação ao governante, por outro, exposto à chacota, desmontava a imagem que o império tentava construir.
Esses pontos destacados, como a idade ou a erudição, persistem ainda hoje. Não por acaso o presidente americano, Joe Biden, é matéria prima para memes sobre sua idade, 81 anos.
Em 14 de abril de 2023, o ministro da Fazenda errou feio ao dizer que “vocês [jornalistas] falam da Shein como se eu conhecesse. Eu não conheço a Shein. O único portal que eu conheço é o da Amazon, eu compro um livro todo dia, pelo menos”. Na fala dizia que regular as taxas sobre essas importações visavam acabar com a concorrência desleal. Mas o mais importante da declaração foi o ministro dizer que desconhecia uma empresa que faturou R$ 8 bilhões no país em 2022.
O tom elitista, de quem não compra bugiganga da China, mas livros de uma empresa americana, poluiu a discussão. A medida só foi aprovada um ano depois, em 2024, com apoio intenso de bolsonaristas. O próprio Luciano Hang, o “Velho da Havan”, ligou para agradecer aos senadores. O senador Jorge Seif (PL-SC), bolsonarista de corpo e alma, defendeu a cobrança abertamente no púlpito da Casa. Mas o ônus de ser “taxador” ficou para Haddad.
Em política, a narrativa (para usar uma palavra da moda) importa tanto quanto, ou até mais do que a verdade. Lembre-se de como as mentiras de campanha de Jair Bolsonaro (PL) sobre “kit gay” e “mamadeira de piroca” em 2018 conquistaram corações e votos.
Curiosamente essas fake news espalhadas pelos bolsonaristas tentavam dizer, falsamente, que essas políticas “de esquerda” no Ministério da Educação destruiriam as famílias. O MEC que tinha sido comandado justamente pelo adversário de Bolsonaro, Haddad.
Sabemos que a esquerda apanha na comunicação há alguns anos. Haddad também sabe que essa é uma falha que ele possui e vem trabalhando nisso. A capacidade de movimentos conservadores e radicais em viralizar memes é surpreendente. Ao longo da semana, a percepção da Fazenda e da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência era de que os memes não preocupavam.
Essa análise parece um equívoco. O deboche sobre Haddad, que em muitas imagens trazia também o presidente Lula, não tem uma base totalmente verdadeira. O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas do governo em 2023, informa que não houve aumento de carga tributária na gestão petista. Ao contrário: “Em 2023, [a carga tributária] foi de 32,44% do PIB, uma redução de 0,64% em relação a 2022, interrompendo um período de crescimento na cobrança de tributos iniciado em 2020, durante a pandemia”; ou seja, durante o governo Bolsonaro.
Haddad taxou um pouquinho os super-ricos, que ganhavam dinheiro em investimentos sem pagar nada, também as apostas esportivas e blusinhas. Super-rico não é quem tem varanda gourmet, uma BMW, viaja uma ou duas vezes para fora do país todo ano, ou é herdeiro de alguma fazenda. Esse perfil é de quem se presta a ser papagaio de bilionário - um papelão constrangedor, aliás.
Voltando à onda de memes, não será isso que determinará o fracasso eleitoral de Lula, assim como as caricaturas também não derrubaram D. Pedro II. Eleição são outros quinhentos. Mas a pecha de taxador já foi carimbada na testa do ministro - e do governo - e terá custo político para discussão de propostas econômicas. Ou você acha que esses cards não vão ressurgir nas discussões tributárias e naquelas que propõem rever cobranças sobre bilionários, renda e patrimônio?
O movimento desses memes, seja orgânico ou coordenado, serve para construir (ou desconstruir) uma imagem da política econômica de Lula.
Diante disso, ao ministro Zé do Taxão, ou Taxa Humana, por ora, resta rir e focar para seguir colhendo frutos do árduo trabalho da Fazenda (melhora do PIB, queda do desemprego, inflação controlada). À esquerda fica a necessidade urgente de acertar a comunicação e a forma de se posicionar sobre o que o governo tem entregado, antes que a comédia se transforme em tragédia.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.