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Guilherme Mazieiro

Opinião: 'Saidão do Brazão’ fracassa, mas mostra que vale tudo para emparedar o STF

A tentativa de soltar o homem que a PF aponta como mandante do crime de Marielle é uma vergonha para o país.

12 abr 2024 - 11h10
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Sessão da Câmara que analisou e manteve prisão de Brazão
Sessão da Câmara que analisou e manteve prisão de Brazão
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Foi por pouco, mas a maioria absoluta da Câmara dos Deputados manteve Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) preso. O parlamentar é apontado pela Polícia Federal como um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol). Ela foi morta com tiros de fuzil na cabeça, em 2018. No episódio, também morreu o motorista Anderson Gomes. Ele nega envolvimento no crime e outras atividades ilegais.

Foi uma votação tensa, como contei no Terra. Governo, centrão e oposição não sabiam ao certo qual resultado esperar. A votação apertada, com apenas 20 votos a mais do que o necessário (foram 277 a favor, 129 contra e 29 abstenções), mostrou o tamanho do problema político e ético que há no país.

Trocando em miúdos, foram 277 a favor e 234 contra a soltura - descontando Brazão e o presidente Arthur Lira (PP-AL), que não votam. Quase metade (45% dos 513) da Câmara se posicionou para tirar da cadeia o homem que a PF aponta como mandante do duplo homicídio. Nesse caso, votar pela soltura ou se omitir dá na mesma.

Seria uma simpatia com Brazão? Não. Muitos deputados sequer o conheciam. O parlamentar encarcerado é mais um de tantos que têm influência local, junto às suas bases, e pouco trânsito dentro no Congresso.

Dispor de um currículo chinfrim na Câmara não é uma exclusividade de Brazão. Jair Bolsonaro (PL) fez sua vida e a dos filhos assim ao longo de 28 anos assim, como tantos outros. A política nas redes e nas ruas é uma, em Brasília é outra. O que determina o poder que um parlamentar terá não é a votação que o elegeu, e sim a habilidade de construir acordos, fazer valer sua vontade e manejar a dinâmica de forças internas e externas que atuam no parlamento.

Falando em Bolsonaro, seus aliados e o filho 03, Eduardo (PL-SP), votaram pela soltura do suspeito de mandar matar Marielle. Boa parte dos parlamentares que acabaram com “saidinha”, tentaram promover o “saidão do Brazão”. Na vida real, tem muito político-influencer digital sendo tigrão com os presos que vivem amontoados nas masmorras e gatinho com miliciano. Você pode conferir a lista no site da Câmara.

O fator determinante para deixar Brazão preso foi a votação aberta. Muita gente tinha prometido aos pares votar pela soltura, mas na hora do vamos ver, mudou de ideia com medo da repercussão negativa. O objetivo do “saidão do Brazão” era mostrar para o STF que a Câmara não aceita prisão de seus deputados, mesmo que seja por alguém acusado de duplo homicídio, ligação com a milícia e obstrução de Justiça. Não conseguiram a soltura, faltou pouco, mas o recado foi dado: vale tudo para ir para cima do Supremo.

O Congresso vem se fortalecendo há alguns anos, com uma guinada mais evidente após 2016, quando derrubaram sem crime a então presidente Dilma Rousseff (PT) e se arvoraram cada vez mais sobre o Orçamento, tirando poder do Executivo e aniquilando políticas públicas nacionais para atender interesses paroquiais.

Essa versão anabolizada do nosso parlamento é alimentada por interesses de diferentes bancadas, como a BBB (boi, Bíblia e bala), os extremistas de direita, apoio da esquerda. É um sentimento majoritário, com sutis diferenças entre uma ala e outra.

O embate com o STF é mais penoso e delicado do que com o Executivo. O Supremo não libera emenda, mas vota o foro privilegiado, processos criminais de parlamentares e foi um dos principais atores para manutenção da democracia no país durante e no pós-Bolsonaro.

Até quem tenta mostrar ares mais democráticos, tem suas rusgas com os togados. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), era contra a CPI da Covid. Ela só existiu porque o STF determinou. E quando a corte mandou que se instalasse o colegiado, em abril de 2021, Pacheco considerou “absolutamente inapropriada” a decisão. Dizia que era uma “antecipação” da eleição de 2022. Naquele momento, o país via morrer quatro mil pessoas por dia por covid. Repito: quatro mil pessoas por dia.

Há interesses diversos para o Congresso avançar sobre o STF. Mas quase todos eles trazem ecos de vingança.

Nesta semana, o presidente da Câmara jogou quatro anos de discussão do projeto que regulamenta - e não censura - as redes sociais num “grupo de trabalho”. A real é que o texto vai ser reformulado e fica cada vez mais distante de ser votado. Venceu o lobby contra a regulamentação. Perderam o governo, o STF e quem fica vulnerável nas redes.

No mundo ideal, as necessárias discussões sobre atuação e o papel do STF seriam feitas com um olhar constitucional e institucional, não pessoal como é hoje. O “saidão do Brazão” é uma vergonha para o país.

Bom final de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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