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Guilherme Mazieiro

Sem diálogo com Lula, Frente Evangélica faz oposição na ‘trincheira de defesa de princípios’

Líder da bancada da Bíblia, Silas Câmara (Republicanos-AM), diz que cabe ao governo buscar contato com o grupo que reúne 149 congressistas

21 ago 2023 - 05h00
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Deputado Silas Câmara no plenário da Câmara dos Deputados
Deputado Silas Câmara no plenário da Câmara dos Deputados
Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Após oito meses de governo Lula (PT) e sem ter um canal de diálogo com o Palácio do Planalto, a bancada da Bíblia se classifica como um grupo de oposição em uma “trincheira na defesa dos princípios” cristãos. Quem diz isso é o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), que deu entrevista à coluna na última quinta-feira, 17. O segmento que foi fundamental na eleição de Lula ainda vê em Jair Bolsonaro (PL) um "líder" e defende sua inocência em meio aos escândalos de joias investigados pela Polícia Federal.

“A frente se considera uma trincheira em defesa dos princípios que ela acredita. Se tem um governo que não acredita no que você acredita, você é oposição. Não somos oposição é ao Brasil, ao governo somos”, disse.

Câmara é deputado federal há 20 anos e assumiu em agosto o comando da bancada da Bíblia. Ele contou que há interlocução do grupo com o ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), mas o contato é apenas porque professam a mesma fé, sem que isso reflita uma ação oficial com discussão de propostas e projetos. Afinal, este nem seria o papel de Messias, já que a articulação entre o Executivo e o Legislativo cabe ao ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

A pouca interlocução acontece também com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ainda assim, Câmara não vê que o grupo de 130 deputados e 19 senadores esteja sendo menosprezado.

“Não temos essa síndrome da insignificância ou da rejeição, não. A Frente Parlamentar Evangélica é expressiva, tem importância, e é estratégica. [...] Estamos aguardando o tempo correto para poder, esgotando a possibilidade de diálogo, usar a força regimental do voto parlamentar para poder fazer o nosso trabalho”, disse.

Entre as pautas que incomodam a bancada, destacou a resolução 715, apresentada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) à ministra Nísia Trindade (Saúde). O texto pede para colocar em debate pautas como a legalização do aborto, a prescrição de hormônios para menores de 18 anos e a descriminalização da maconha. Mesmo que seja homologada por Nísia, a proposta não terá efeito prático de mudança de legislação, mas provocará o debate da pauta de costumes.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Terra: Como o governo lida com os evangélicos? O ministro Messias tem sido uma das principais vozes nessa articulação.

Silas Câmara - Primeiro queria te dizer que não existe essa organização ou essa articulação do governo para se relacionar com os evangélicos. Não existe isso. Oficialmente isso não existe. Não tem, pelo menos nesses poucos dias que estou presidindo a Frente, não reconheço e não tive contato com nenhuma ação articulada do governo.

Do ministro Messias, nosso diálogo é como cristão. Ele é evangélico e tem uma uma conversa conosco, não de agora, mas de sempre, como cristão, como evangélico. Mas não tem nenhuma ação oficial do governo, pelo menos até agora, para dizer que a fulano ou a sicrano está delegado um diálogo com os evangélicos.

Terra: Como que o senhor vê essa situação de um governo que chega a oito meses e não tem interlocução com os evangélicos?

Entendo que o governo que tem essencialmente sua estrutura de esquerda e com pensamentos contrários às principais bandeiras do segmento evangélico, que eles não tenham se interessado em se organizar para um diálogo. É um governo que está começando, portanto, tempo é o que não falta, para que o governo se articule, se organize e possa iniciar um diálogo. 

Da minha parte como presidente e da maioria absoluta dos parlamentares, não vejo dificuldade nenhuma em dialogar. Diálogo não é compromisso com ideologia de esquerda. Diálogo é parte do Parlamento. Em função do diálogo você pode achar solução para os embates do dia a dia e dos interesses que a Frente Parlamentar Evangélica tem na defesa da vida, da família, contra as drogas, contra o aborto, contra hormonização de crianças com 14 anos.

Terra: Desses temas que o senhor estava elencando, já tentou falar com o governo? 

Não, porque não compete à Frente tentar falar com o governo. Compete ao governo tentar falar com a Frente. A Frente tem sua ferramenta democrática de reação e de combate, que é a sua representatividade no Congresso Nacional com 130 deputados e deputadas na Câmara e 19 senadores e senadoras do Senado.

As nossas armas para o enfrentamento a gente tem. Portanto, quem tem a caneta para criar iniciativas como essas de resolução, portarias e decretos sem ouvir o Congresso é que precisa dialogar. Na verdade, dialogar não. Precisa enfrentar as consequências, porque para dialogar deveria conversar antes de assinar decretos, portarias e resoluções que sabe que terão consequência de enfrentamento natural por conta da representatividade evangélica no Congresso.

Terra: Discussões prévias sobre as decisões do governo isso não acontecem?

Não.

Terra: O senhor vê incômodo entre os membros da bancada?

Não tem incômodo aqui. Do lado de cá tem comportamento Constitucional. Somos todos congressistas e na medida em que as coisas vão acontecendo, a gente enfrenta com as ferramentas do Parlamento. Seja com PDL [Projeto de Decreto Legislativo], seja ação direta de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. As armas que são constitucionais e legitimamente dadas por prerrogativa de congressistas, vamos usar.  A gente já esperava que essa fosse a movimentação de um governo de esquerda.

Terra: Desses instrumentos todos, nas votações importantes para o governo foi necessário lançar mão de algum deles?  A pauta econômica tem pontos de contato com a representatividade da bancada. 

Não porque a Frente Parlamentar Evangélica tem consciência da sua limitação como frente. Existem questões que os partidos coordenam e questões que a frente parlamentar evangélica enfrenta. Ao contrário do governo, temos vencidos muitas, muitas, infinita batalhas no plenário com diálogo. Diálogo parlamentar dentro do ambiente legislativo.

Terra: O senhor pode me dar alguns exemplos de pautas que motivam a reação da bancada contra o governo?

Eu vou citar apenas uma, que é a que vocês mais têm falado ultimamente, a resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde, que está no Ministério da Saúde para ser homologada, há pontos que são gravíssimos: hormonização de crianças de 14 anos é algo bizarro. A liberação de drogas e avanço na pauta do aborto é outra questão inacreditável. 

E algo que nunca imaginei que fosse ser colocado em uma resolução do CNS: o reconhecimento, nada contra a religiosidade dos umbandistas, não tem aqui nenhuma discriminação, mas colocar numa resolução que o atendimento religioso de uma só religião no Brasil, que é um país laico, pode se considerar como entrada do SUS é algo absolutamente inconstitucional, para não dizer absurdo.

Terra: Sobre essa resolução, os senhores foram falar com o governo? Com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), a ministra Nísia Trindade (Saúde)? 

Tivemos uma audiência com o ministro Jorge Messias, com a ministra Nísia e a equipe dela e colocamos os nossos pontos.

Terra: Quando foi?

Segunda-feira passada [dia 14]. Colocamos todos os pontos, fizemos um apelo ao bom senso e o governo ficou de algum momento dar uma resposta aos nossos argumentos.

Terra: Como foi a reunião?

Foi boa.

Terra: O governo foi receptivo? 

Não existe recepcionalidade em uma reunião onde você apoia uma resolução como essa e alguém confronta. Mas acredito que foi racional, foi republicana. Uma audiência em que parte a parte teve ouvidos para ouvir.

Terra: E a relação da Frente com o presidente da Câmara, como é?

[Suspira] ah, boa pergunta. É relação de presidente e frente.

Terra: E isso significa o quê?

Significa dizer que é muito institucional. Ele é presidente, temos uma frente e tentamos, dentro do universo do Congresso, dialogar para poder exercer melhor a nossa posição de frente parlamentar evangélica, e defesa do que a gente acredita.

Terra: O presidente Lira ouve, tem reuniões com a bancada?

Não, não.

Terra: E a que o senhor atribui isso? O presidente da Câmara não buscar uma das principais frentes do Congresso?

Acho que isso não é só com a Frente Parlamentar Evangélica, não. Termina sendo uma coisa normal, porque de certa forma se estende um pouco mais para outras frentes, pelo menos é o que tenho percebido.

Terra: Isso causa alguma dificuldade?

Termina causando por conta de que a pauta é do presidente Em que pese, pela primeira vez na história do Congresso Nacional, de 11 membros da mesa entre titulares e suplentes a bancada evangélica ter cinco membros, e que de certa forma tiveram ascensão a esses cargos com ajuda da nossa militância e do nossos votos, o presidente sempre o presidente. 

Terra: Por que que a bancada, por exemplo, não consegue pautar um projeto de aborto ou drogas?

Por que não funciona assim. O Presidente Arthur Lira, fez um pronunciamento em plenário, todos ouviram, que nesse início de mandato ele faria tudo para que fosse evitado a pauta de costume, de lado a lado. 

Para ser sincero, acho que isso foi muito bom para o Brasil. Afinal de contas, nós estamos com um país precisando muito organizar sua economia, e uma confusão ideológica e de costumes não faz bem para ninguém.

Terra: Então tem alguma dificuldade com o presidente da Câmara, com o governo [interrompe]

Não diria dificuldade, diria que, talvez, pelo momento e pela necessidade de organizar pautas estruturantes do país, não chegou o momento certo do diálogo mais afinado sobre pautas na Câmara.

E no Executivo, talvez, por estarem tão envolvidos tentando estabilizar o governo, não tiveram ainda tempo oportunidade de avançar num diálogo.

Terra: O senhor está com uma fala bem apaziguadora. A bancada, pela força e representatividade que tem, está sendo menosprezada politicamente?

Não temos essa síndrome da insignificância ou da rejeição, não. A Frente Parlamentar Evangélica é expressiva, tem importância, e é estratégica. Digo até que ela é estruturante na aprovação das matérias, mas ela tem paciência para esperar conforme diz a Palavra, “há tempo para tudo” para poder se posicionar de forma mais contundente em relação a qualquer coisa.

E entende que a paciência nesse tempo é algo estratégico para que não haja desgaste nem da Frente com a Presidência da Casa no Congresso e nem tão pouco como nenhum dos Poderes. Estamos aguardando o tempo correto para poder, esgotando a possibilidade de diálogo, usar a força regimental do voto parlamentar para poder fazer o nosso trabalho.

Terra: Até quando vai esse tempo?

Não tem como medir esse tempo. Na política, cada dia é um dia, mas posso garantir que chegará o dia.

Terra: Para ter mais clareza, a Frente não se considera oposição ao governo?

A Frente se considera, sim, oposição ao governo. A Frente se considera uma trincheira em defesa dos princípios que ela acredita. Se tem um governo que não acredita no que você acredita, você é oposição. Não somos oposição é ao Brasil, ao governo somos.

Aquilo que for bom pro Brasil, a Frente está absolutamente em paz para votar e apoiar. Aquilo que for contra o interesse do povo brasileiro a Frente vai votar contra. Sobre as pautas que o governo representa, absolutamente oposição.

Terra: E sobre Bolsonaro, qual o entendimento da frente hoje com Bolsonaro?

Bolsonaro é um líder importante. Um líder que respeitou o segmento cristão do Brasil, não só evangélico. Com o entendimento de que a família, Deus, Pátria, Liberdade, vida, vida [ressalta], contra as drogas. É uma pauta que torna o país bem posicionado espiritualmente para a benção de Deus e isso faz muita diferença com o segmento evangélico e cristão.

Terra: As revelações que a Polícia Federal tem feito sobre desvio de bens públicos, como que elas são entendidas por vocês?

O Brasil tem um sistema de Justiça. E enquanto o sistema de Justiça estiver ainda ativo para, em instâncias diversas, dizer o que de fato aconteceu, o presidente Bolsonaro é inocente.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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