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Guilherme Mazieiro

Simone Tebet: "Até que ponto os juros de 13,75% não vão matar a sociedade brasileira?"

Em entrevista ao Terra, ministra do Planejamento elevou tom de críticas ao Banco Central às vésperas de decisão sobre taxa de juros

3 mai 2023 - 09h23
(atualizado em 10/5/2023 às 16h51)
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Simone Tebet
Simone Tebet
Foto: Reuters

Na véspera do novo anúncio do Copom (Comitê de Política Monetária) para definir a taxa básica de juros, que deve ocorrer na noite desta quarta-feira, 3, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, subiu o tom das críticas à postura do Banco Central. 

“A autonomia do Banco Central traz para ele uma responsabilidade muito grande, por que até que ponto o juros de 13,75% é a dose certa? Até que ponto não vai matar o paciente, não vai matar a sociedade brasileira?”, questionou Tebet em entrevista exclusiva ao Terra.

Apesar das pressões do governo Lula e setores da economia, como a Indústria, pela queda do índice, a expectativa do mercado é de que o Copom, formado pela diretoria e pela presidência do Banco Central, anuncie hoje a permanência da taxa em 13,75%. Este patamar, mantido desde agosto do ano passado, faz o Brasil ter a maior taxa real do mundo.

Em entrevista exclusiva à coluna nesta terça-feira, 2, Tebet argumentou que o governo se mostra responsável na questão fiscal (tentativa de equilibrar as contas públicas e gastar menos do que arrecada) com propostas de ajustes e revisão de gastos em políticas públicas, e além disso houve melhoras nas projeções de crescimento da economia brasileira e na expectativa de aprovação da nova regra fiscal na Câmara e no Senado até julho.

“Tudo isso precisa ser colocado na balança na hora de uma decisão do Copom, até porque o Copom decide à luz dos fatos e da realidade. Eles falam: “ah, mas eu tenho que fazer um julgamento à luz da expectativa da inflação”. Tá, mas não coloca a expectativa positiva da política fiscal? Não está batendo”, afirmou.

Tebet rebateu críticos que questionam a capacidade do governo em ajustar as contas com o novo arcabouço fiscal. Ela defendeu que a decisão do Superior Tribunal de Justiça favorável ao governo sobre benefícios fiscais somada às medidas de reoneração dos combustíveis, o programa de refinanciamento de dívidas e as ações de combate à fraude e sonegação serão suficientes zerar o déficit em 2024. Para este ano, a equipe econômica almeja um déficit primário entre 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto, cerca de R$ 107 bilhões.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista sobre as contas públicas e a taxa de juros:

Terra: Sobre a questão fiscal, vemos várias iniciativas da equipe econômica para tentar reequilibrar as contas públicas. Há alguma nova medida para melhorar as receitas?

SIMONE TEBET: O arcabouço fiscal olha pelo lado das despesas, não pelo lado das receitas. Ele substitui uma regra de gastos que hoje não existe mais, que é o teto de gastos.

Ele tem dois objetivos muito claros: estabelece que não podemos gastar mais do que arrecadamos, não pode gastar mais de 70% do aumento real da receita. E uma segunda regra ainda, [o gasto] não pode crescer mais do que 2,5% ainda que a receita cresça, 6%, 7%.

O arcabouço é a bala de bronze que depende, como o teto de gastos dependia, da reforma tributária para que tenhamos realmente aquele salto de desenvolvimento. Você tem aí a receita perfeita para gerar crescimento com inclusão social.

O foco do nosso ministério nestes dois primeiros anos é controle de gastos através da qualidade dos gastos públicos. O cobertor é curto, mas temos uma demanda de programas sociais muito grande. O objetivo é fazer a seguinte análise: o programa é prioritário? Não tem resultado? [Se não tiver,] ou ele é aperfeiçoado ou ele tem que ser extinto.

Agora, quando chegarmos a conclusão em conjunto com os ministérios-fim que os programas não são prioritários e não geram resultado esperado é óbvio que é uma questão [para] discussão do próprio presidente.

Terra: Há alguma outra adequação de gastos que ainda não foi divulgada?

Já foram divulgadas, mas como o Brasil não tem essa cultura, estamos trabalhando intramuros, dentro dos próprios ministérios. Foi criada a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos. O secretário [Sérgio Firpo] tem visitado todos os ministérios com a seguinte determinação: ninguém está falando de corte de programas, nem de corte de políticas públicas. Isso é uma decisão do ministério-fim. Estamos falando de tornar esses programas mais eficientes, se eles estiverem com baixa efetividade.

Além de abrir espaço fiscal para o próprio ministério. Neste primeiro momento não queremos economizar com políticas públicas que vão para o social. O espaço fiscal vamos abrir com o arcabouço e as medidas de combate à sonegação, de incremento da receita sem aumentar imposto.

Terra: Tem alguma ação específica que já podemos adiantar que vai passar por revisão?

Qualquer política pública pode e vai ser. Agora vai ter a primeira reunião do CMAP [Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, grupo interministerial] com sua nova composição, e nós vamos estabelecer as primeiras cinco ou dez políticas públicas que vão ser revisadas.

Uma novidade é que o Cmap que tinha um ciclo de 2 anos para revisar essas políticas, vai vir com um ciclo menor, de seis meses.

Estamos nos colocando à disposição de todos os ministérios. O ministério da Fazenda nos chamou para participar das revisão de benefícios fiscais, os gastos tributários. Estamos pegando não só os 10 maiores em relação aos valores, como aqueles que nós sabemos que há possibilidade de mexer.

Por exemplo, não adianta eu revisar a Zona Franca de Manaus se não há vontade política de cortar esse gasto. Não vamos discutir Zona Franca. Eu mesmo passei pelo Congresso e sei que não adianta você falar de reavaliar uma política pública que não há vontade política de ser alterada.

O super simples dos gastos tributários é o que mais tem impacto em percentual, 20% dos benefícios fiscais são dados para micro e pequenos empreendedores individuais. Não vamos mexer com o super simples.

TERRA: Tem um terceiro pacote que pode ser anunciado para melhorar as receitas?

O primeiro pacote veio para mostrar que não vamos fechar o ano com [déficit] de R$ 231 bilhões, 2% do PIB, vamos fechar com menos de 1%. O segundo pacote vai desde a tributação de apostas eletrônicas até fiscalização de vendas [internacionais] de produtos subfaturados para não pagar imposto. Para zerar o déficit [em 2024] precisamos dessas medidas, mais a decisão do Supremo Tribunal Federal [sobre benefícios fiscais, que foi votada no STJ].

Se essas três medidas vierem [a se concretizar], nós praticamente fechamos os recursos necessários de incremento de receita com mais outras medidas que já foram anunciadas pelo ministro Haddad para zerarmos o déficit fiscal já no ano de 2024.

O que digo é o seguinte, hipoteticamente, vamos supor que alguma dessas medidas não se concretizem. Você tem espaço, tem gordura, tem o voto de qualidade do Carf, essa denúncia espontânea que agora o devedor faz para negociar dívida. Há uma série de medidas que já foram anunciadas que ficaram esquecidas em nome de projetos maiores.

TERRA: A senhora disse [em reunião no Senado] que as decisões técnicas do banco central podem gerar reflexos políticos. Que reflexos são esses e seus impactos?

O que eu sustento é: todos dizem que a inflação vem de fatores externos e internos; estamos falando de uma taxa de juros que chegou a 13,75%, há mais de 8 meses, numa época em que uma série de fatores internos eram distintos dos atuais.

Tínhamos instabilidade institucional, não é nem política, é institucional mesmo. Polarização exacerbada, a validade do processo eleitoral sendo questionada, [os ataques de] 8 de janeiro, tudo isso foi superado, então não se fala mais em instabilidade institucional, instabilidade política.

O governo está se mostrando responsável fiscalmente, apesar do compromisso social que tem, e há expectativa de que ainda este mês a Câmara aprove este arcabouço, mês que vem o Senado. Tudo isso precisa ser colocado na balança na hora de uma decisão do Copom, até porque o Copom decide à luz dos fatos e da realidade.

Eles falam: “ah, mas eu tenho que fazer um julgamento à luz da expectativa da inflação”. Tá, mas não coloca a expectativa positiva da política fiscal? Não está batendo.

A decisão é técnica e tem que ser. Votei a favor da autonomia do Banco Central e votaria de novo. Mas a autonomia do Banco Central traz para ele uma responsabilidade muito grande, por que até que ponto o juros de 13,75% é a dose certa? Até que ponto não vai matar o paciente, não vai matar a sociedade brasileira?

Essa discussão da taxa de juros não pode ser interditada, com responsabilidade, com discussão da análise técnica, jurídica e política.

TERRA: Mas para o Banco Central esses fatores não parecem suficientes.

Não é um fator só. Há uma expectativa de crescimento do Brasil que era de 0,6% e agora estão falando que pode chegar a 1,1%. Há uma melhora não só da melhora fiscal, como da projeção de receita, diminuição das despesas e dos indicadores macroeconômicos.

Tudo isso aliado ao fato de que os bancos não estão conseguindo mais emprestar porque o crédito está muito caro e as indústrias estão começando a ter dificuldade, daqui a pouco vai começar a mandar todo mundo embora.

Esse ajuste fino, isso é política monetária. Olhar para todos os lados. É o que a gente espera, que depois do arcabouço aprovado [até julho], que nós possamos ter queda de juros no Brasil.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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