Um ano e meio após a morte de Bruno e Dom, governo apresenta plano de proteção à TI Vale do Javari
O plano coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas prevê custo de R$ 13,9 milhões e ações para repressão ao garimpo, pesca e tráfico.
Um ano e meio depois do assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, o governo federal apresentou um plano de proteção à Terra Indígena (TI) do Vale do Javari (AM). O duplo homicídio aconteceu naquela região em junho de 2022. A TI do Vale do Javari é a segunda maior área indígena do país, alvo de constantes ações criminosas de garimpeiros, pescadores, caçadores, tráfico internacional de drogas e desmatamento ilegais.
O plano coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas prevê custo de ao menos R$ 13,9 milhões para sua execução e atuação conjunta da pasta com apoio de no mínimo 55 pessoas das Forças Armadas, Polícia Federal, Força de Segurança Nacional, Funai, ICMBio e Ibama. Os objetivos são a repressão aos crimes, extrusão de invasores, destruição de instalações ilegais, fiscalização, monitoramento e vigilância para garantir “posse plena” e garantia do “usufruto exclusivo desta Terra Indígena em favor dos povos indígenas”.
A estratégia é baseada em duas fases, uma interventiva, de ações de combate a balsas de garimpo nos leitos dos rios (com duração de 10 a 15 dias), e outra de fiscalização estatal (de modo permanente) em diversas áreas. (veja detalhes abaixo)
O conjunto de medidas é uma ação inicial para dar um "choque de combate", segundo a Diretora de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contatoda, Beatriz Matos. Formada em antropologia social com estudos acadêmicos relacionados aos povos indígenas do Vale do Javari, ela é uma das responsáveis pelo plano e viúva do indigenista Bruno Pereira. Veja aqui a entrevista da diretora sobre o plano.
No documento, o MPI pondera que as propostas são para “uma estrutura mínima de proteção territorial, não apenas da TIVJ [Terra Indígena do Vale do Javari], mas que perpassa pela segurança do território nacional brasileiro. Trata-se ainda de uma estrutura que deve ser permanente, cujo custeio deve passar a integrar os orçamentos dos entes públicos envolvidos”.
De acordo com o calendário estabelecido, em janeiro acontecem ações de planejamento. As intervenções se darão entre fevereiro e junho, e a consolidação dos esforços até 15 de agosto de 2024. As estratégias de combate ao garimpo devem ser elaboradas de maneira “sigilosa somente entre os agentes que de fato estão diretamente ligados ao comando da atividade”.
Entre as áreas de combate, há indicação da necessidade de "ações de repressão aos garimpos ilegais nos leitos dos Rios JAPURÁ, PURUÊ e JUAMI onde há notícias, inclusive, de atuação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs)".
O montante de recursos considera gastos com combustível, diferentes tipos de aeronaves para transporte, ataque a áreas de garimpo, helicópteros, lanchas, balsas, passagens, diárias de servidores, abrigo e alimentação.
O custo deve ultrapassar os R$ 13,9 milhões, porque o plano prevê (ainda que sem estimar a quantidade e custo) utilização de material explosivo para inutilizar instalações de garimpeiros, construção de bases de apoio Curuçá e Jarinal, de postos remotos de abastecimento, “manutenção e melhorias nos pelotões especiais de fronteira para alojar agentes” e aquisição de balsa pela Polícia Federal.
O documento de 49 páginas cumpre uma determinação da Justiça Federal do Amazonas, em um processo que corre contra a União desde 2018. O material que esta reportagem apresenta foi anexado àquela ação pela Advocacia-Geral da União em 22 de dezembro de 2023.
Bruno e Dom denunciavam crimes na região onde onde foram mortos em junho de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O caso teve repercussão internacional e expôs a violência a que estão submetidos, diariamente, ativistas e indígenas daquela região. Na semana passada, a PF prendeu mais um suspeito pelo crime.
Assim como a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, que é a maior do país, o Vale do Javari representa um dos principais desafios do governo federal para proteção indígena e ambiental. Desde que assumiu o governo em 2023, Lula tem feito ações para repressão de crimes e melhorias no atendimento de saúde. Mesmo assim, há críticas sobre a execução das ações por parte de associações indígenas e do Ministério Público Federal.
Detalhes do plano
O plano apresentado pelo MPI foi elaborado de maneira conjunta no Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas. Segundo a diretora de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do Ministério dos Povos Indígenas, Beatriz Matos, houve o compromisso de cada órgão em cumprir o que propuseram. Em paralelo a essas medidas, o governo seguirá com atividades rotineiras já estabelecidas.
O documento do MPI substitui um plano que havia sido criado pela Funai com apoio da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) prevendo ações entre 2021 e 2026, mas que durante a gestão Bolsonaro praticamente não saíram do papel. Parte das informações do plano anterior, que teve elaboração de Bruno Pereira, foram utilizadas na nova proposta.
Entre as medidas elencadas no plano atual, sugere-se a instalação de três bases de operação para proteção dos três rios que dão acesso à TI: Jandiatuba, Bóia e Jutaí. Há também a necessidade de criação de uma central de flagrantes para facilitar prisões; projeto de lei configurando como agravante penal o cometimento de crime ambiental em terra indígena; plano de remoção médica em situações de emergência, entre outros.
O plano ressalta os desafios logísticos e que as ações devem ser tomadas a partir de discussões interministeriais e interagências “ tendo em vista experiências obtidas em operações que fracassaram antes mesmo de serem deflagradas e em operações que tiveram sucesso na região”.
O acompanhamento se dará pelo MPI com a ”sistematização dos relatórios e informes recebidos dos diversos órgãos e consolidação de relatórios quinzenais das ações integradas”. Há uma divisão de responsabilidades e cronograma para cada órgão envolvido.
Entre esses pontos, existe a divisão para fornecimento de equipamentos, embarcações e aeronaves fornecidos por cada órgão, servidores, emprego de força e elaboração de políticas públicas.
Resumo de recursos humanos mínimos:
FUNAI (dedicação exclusiva ao Plano) - 3
IBAMA: 2
POLÍCIA FEDERAL:16
FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA: 34
MINISTÉRIO DA DEFESA: Conforme meios logísticos apresentados, mediante consulta prévia de disponibilidade.
Total: 55 pessoas
Resumo dos custos:
Fase zero: levantamento atualizado de inteligência (30 dias) R$ 450.000,00 (estimativa)
Fase interventiva: Combate a balsas de garimpo (15 dias) R$ 3.747.610,00
Fase Permanente (1 semestre): (sem considerar aqueles a serem apurados) R$ 9.790.804,00
Total: 13, 9 milhões