'Herdeiro' do cartel de Cali conta à BBC memórias do auge do narcotráfico
Natalia Guerrero
BBC Mundo
William Rodríguez Abadía se autodefine como "filho do cartel de Cali", um dos impérios criminosos mais temidos da Colômbia nas décadas de 1980 e 1990, comandado pelo pai de William, Miguel, e o tio, Gilberto Rodríguez Orejuela.
Miguel Rodríguez Orejuela e Gilberto Rodríguez Orejuela foram presos e extraditados para os Estados Unidos, onde foram condenados a 30 anos de prisão cada por tráfico de drogas. William, por sua vez, negociou com a Justiça americana para uma redução de sua pena, de 20 anos, e a possibilidade de ficar no país com a família.
Ele saiu da prisão em 2010, depois de cinco anos.
Abadía manteve um perfil discreto até lançar recentemente o livro onde conta como funcionava o cartel de Cali, Yo Soy El Hijo de Cartel de Cali ("Sou o Filho do Cartel de Cali", em tradução livre). Ele também concedeu uma entrevista à BBC Mundo onde contou como sua família entrou em confronto com a de Pablo Escobar e com o cartel de Medellín.
Abadía conta que era "um menino" quando teve que assumir obrigações delegadas por seu pai após a prisão deste em 1995. "Assumi a liderança política e jurídica desta organização", diz ele.
Segundo Abadía, o momento mais próspero do cartel de Cali ocorreu entre 1986 e 1987, quando eles tiveram "um pequeno probleminha chamado Pablo Escobar".
Ele diz que os líderes dos cartéis de Cali e de Medellín tinham objetivos diferentes.
"Meu pai e meu tio começaram este negócio mais pelo dinheiro, a eles realmente não interessava se outra pessoa estava ganhando tanto dinheiro como eles, eles queriam enriquecer, sair da miséria. Não queriam ser presidentes da Colômbia, nem senadores."
"Eles confrontaram este tipo (Pablo Escobar) que era o contrário: queria ser presidente da Colômbia, queria ser e foi representante na Câmara. Quando não conseguiu seu objetivo, decidiu atacar as instituições, começou a colocar bombas, assassinar personalidades da Colômbia, sequestrá-los", afirmou.
Fortuna e negociações
Perguntado sobre que fim levou a fortuna juntada pela família, Abadía explicou que esta, na forma de ações, foi entregue ao governo colombiano, após um acordo envolvendo também os Estados Unidos, feito quando ele se entregou em 2006.
Ele contou que começou a pensar em se entregar à Justiça após ter sido alvo de um ataque, em ano de 1996, em que levou oito tiros. Ele permanceu foragido da Justiça até 2006, pois esperava "meu pai e meu tio tomarem uma decisão". "Eles tinham medo, sabiam que, se fossem presos aqui (nos Estados Unidos), iriam morrer na prisão. E, bem, agora, se meu pai tiver sorte, sairá da prisão aos 86 anos."
O fato de Abadía ter ficado apenas cinco anos na prisão gerou especulações se ele, de alguma forma, se beneficiou denunciando seu pai e tio, algo que ele nega.
Ele diz que seu papel no cartel se limitava a "conspiração, corrupção e lavagem (de dinheiro)" e que nunca esteve envolvido diretamente no tráficio de drogas.
"Dizia a eles (pai e tio) que teríamos que arrumar (os negócios), mas eles queriam continuar com os velhos costumes (...). Veio a primeira extradição, do meu tio, em dezembro de 2004. Depois veio a de meu pai, em março de 2005."
"Esperei até que levaram meu pai amarrado, vestindo jeans e camiseta. Tinha que pensar em mim, em minhas duas filhas. Além do mais, foi um acordo que fechamos com ele na (prisão colombiana de) La Picota", acrescentou.
Futebol e vida em Miami
O pai e o tio de William Abadía gerenciaram durante anos um time de futebol da Colômbia, o América de Cali, que venceu pelo menos cinco campeonatos nacionais. Segundo Abadía, o time ganhou 13 campeonatos enquanto foi gerenciado pelos líderes do Cartel.
Ele sugere que o investimento do tráfico nos clubes acabou trazendo benefícios ao futebol colombiano. "Antes, Brasil, Argentina e Uruguai, faziam seis gols na (equipe da) Colômbia, e agora (a equipe) tem a capacidade de se igualar a essas potências mundiais", afirmou.
A respeito da vida atual, em Miami, no Estado americano da Flórida, Abadía afirma que vive como "qualquer pessoa de classe média".
"Vivo de meu trabalho, dedicado ao mundo da construção. É uma vida normal. Tive uma empresa que fazia sistemas de impermeabilização para tetos, terraços e estacionamentos."
Ele conta que o governo americano fez a proposta de mudança de nome, mas ele não aceitou pois não queria mudar completamente a vida das filhas.
"(...) Realmente não tenho inimigos tão grandes neste país para temer pela minha vida. Agora sou William Rodríguez Abadía, por muito tempo fui o 'filho de', agora tenho minha identidade própria, sou um homem livre", afirmou.
E, quando perguntado sobre a contradição de afirmar que não quer mais ser "filho de" ao mesmo tempo em que lança um livro intitulado Eu Sou o Filho do cartel de Cali, Abadía responde dizendo não poder negar que é filho de seu pai biológico, Miguel, e de ter sido criado pelo tio, Gilberto, entre os 13 e 28 anos.
E acrescenta que este título não era a primeira opção para o livro.
"Eu não queria tanto este nome, era minha terceira opção, a editora escolheu."